Roupa Nova apresenta seu show de 40 anos no Araújo Vianna

O dia 3 de maio de 2024 pode ser considerado um dos dias mais tristes e trágicos da história do Rio Grande do Sul. Dias depois de intensas chuvas, naquela sexta-feira literalmente, as águas dos rios do estado começaram a invadir e inundar as cidades, acabando com vidas, casas e sonhos. Curiosamente, nesse dia, nessa sexta, teríamos show do Roupa Nova na cidade, marcando ali o primeiro cancelamento de diversos, devido ao inundado mês de maio de 2024, na maior tragédia climática do Brasil. Mas como depois da tempestade sempre vem a bonança, as coisas melhoram e o Rio Grande está se reconstruindo e sorrindo novamente. E pra abrir mais ainda esse sorriso, o Roupa Nova veio cumprir esses shows de maio, só que em dezembro, em duas datas. Na primeira delas o NoSet veio, estava lá conferindo essa celebração à vida e alegria que só o quarentão grupo carioca tem e o que ocorreu nessa histórica noite contamos logo abaixo.


Terça-feira agradável, fria até para os padrões do mês de dezembro e um público quase lotando o Araújo, esse era o clima na noite do dia 10, depois dessa longa espera para assistir a tour dos 40 anos da banda (44 na verdade, a pandemia fez essa tour começar mais tarde e seguir por mais tempo). Por volta das 21h30min um telão reproduz imagens antigas da banda e depoimentos de cada integrante sobre as quatro décadas de serviços prestados à música brasileira. Não tem como não se emocionar ao ver o saudoso Paulinho fechando o vídeo. Logo depois a banda entra no palco e mais uma surpresa – Serginho Herval não está presente, sofreu um acidente doméstico e é substituído por Thiago Feghali, filho do Ricardo na bateria e tem Bruno Bonatto, para ter a difícil missão de emular a voz angelical do Serginho. Não tem como não dar um certo gosto de decepção, mas as quatro lendas Ricardo Feghali, Kiko, Nando e Cleberson Horsth estavam lá, junto com Fábio Nestares, que substituiu Paulinho e já tem a alma de um Roupa Nova para, como sempre, fazer um brilhante show.


Abrem o baile com Sol de Verão, a canção que apresentou a banda para o mundo, seguida pela excelente À Flor da Pele. Nesse momento, com aquele poder sonoro do grupo e a excelente bateria de Thiago, sabíamos que a preocupação da falta de Serginho seria sanada. Na próxima canção Fábio Nestares dá um show com sua interpretação de Maria Maria, composição do padrinho da banda, Milton Nascimento. Em três músicas a banda já conquista a galera e vemos o porquê da banda ser uma das melhores do Brasil. Um mix de talento, profissionalismo, sonoridade e muita, mas muita simpatia, fazem até os mais chatos se encantaram com o eterno sexteto do Rio de Janeiro.


Chega a vez de Bruno Bonatto assumir os vocais de Anjo, no primeiro solo em substituição ao Serginho. Apenas convence, mas o cara tem bastante vontade e carisma. Com Sapato Velho ficamos arrepiados com a excelência vocal do grupo, um jogo de vozes sublime em umas das canções mais lindas de nosso cancioneiro. Com Meu Universo é Você, Nestares comanda a massa com seu vozeirão, faz todo mundo cantar e diz que ama todos os presentes com mais intensidade que a luz das estrelas. E não tem como não frisar a inebriante alegria do Kiko. O guitarrista passa o show inteiro sorrindo e esmerilhando sua guitarra. O Nando é de uma simplicidade e simpatia absurda, uma pessoa do bem, além de ser um dos melhores baixistas do Brasil. Feghalli é o bandleader, conversa, comanda a massa, ora com violão, guitarra ou no seus teclados Hammond e Horst, com sua doce timidez, esbanja talento nas teclas do luxuoso piano. Um time dos sonhos.


O show segue com Clarear, com direito a Nestares falar pra galera pedir luz com os dedos, como fazia o saudoso Paulinho. A Viagem, umas das mais lindas músicas do Roupa Nova, perde um pouco do encanto sem o Serginho, mas assistir ao vivo o solo de guitarra de Kiko é um deleite sonoro para os ouvidos. O set seguiu com o Não Dá, depois pela empolgante Chama. Em todos os momentos, os integrantes ainda tocados com o drama do Sul, citam a força de superação do povo gaúcho, como torceram de longe e estão emocionados em ver a alegria de volta a esse estado, invocando a chama de superação nessa música.


O que vem depois é um dos momentos mais tocantes do show, Nestares fala do Paulinho e o convida para dividir os vocais em Os Corações Não São Iguais, em que o saudoso cantor aparece num holograma na frente do palco. A força da música aliada a essa homenagem arrepiam a plateia. Seu Jeito e Meu Jeito vem em seguida para antecipar aquela que talvez seja uma das maiores power ballads da história. O piano de Cleberson tocando a introdução de Volta pra Mim faz o Araújo delirar e o refrão é um dos mais cantados que vi em quase uma centena de coberturas de inúmeros artistas no Araujo. Ninguém se segura com um “Eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir”. Emoção pura.


Roupa Nova segue no sucesso tocando uma vibrante versão de Dona, dessa vez com os arranjos incríveis da versão original, que eu nunca tinha visto em outros shows tocarem dessa forma, com direito ao solo antológico do Kiko. A Lenda, música do Kiko, do Host e do Feghalli, que fizeram sucesso na voz de Sandy & Junior, segue o show, dessa vez com a tímida plateia cantando de pé. Infelizmente, mesmo com a casa quase cheia, muita gente estava ali sem saber o que fazer, público pavão que talvez não conhecia nem uma mão cheia de músicas do Roupa Nova, mas enfim quem era fã compensa a emoção. E feliz ficaram os fãs com Felicidade (eita trocadilho besta), mais um dos inúmeros e contagiantes sucessos que estão na boca dos brasileiros há 44 anos.


A banda, mostrando toda sua versatilidade, tanto nos palcos da vida, em bailes ou sessões de estúdios, apresenta um medley fantástico, apresentado por Feghalli, como da maior banda de todos os tempos. Claro que ele fala dos Beatles, né? Começando com Hey Jude, passando por Day Tripper, I Want Hold Your Hand, A Hard Day’s Night, Let It Be, Obladi Oblada, Twist and Shout, o show vocal deles em Yesterday e findando com aquele final apoteótico de Hey Jude. Mais um lindo momento do espetáculo.


Seguem com uma das minhas preferidas da banda, a lindíssima Amar É. Logo depois, Nando anuncia que vai dividir a banda em 3 duplas. A primeira dupla é com o próprio baixista e com o Feghalli. Diga-se de passagem, Nando é quase um coach de boas vibrações, passou o show todo exalando positividade e otimismo, o que parece até ingênuo demais, mas vindo dele vemos uma sinceridade nas suas edificantes palavras. Mas voltando ao show, eles cantam as ótimas Bem Simples e A Força do Amor, no formato baixo e violão. Chega a vez de Bruno Bonatto, acompanhado com o piano de Cleberson, tocarem a lindíssima Seguindo no Trem Azul, talvez a melhor performance do dedicado substituto e por fim, Nestares e Kiko anunciam que vão tocar um nova e acabam puxando a que para mim é a música mais linda do grupo, a balada incrível Linda Demais, com direito àqueles solos de guitarra excepcionais do próprio Kiko e do Feghalli. Suco puro dos anos 80 e dos bons.


Chega mais um momento de boas vibrações do Nando e a banda segue com A Paz, cover de Michael Jackson, com direito a luzes de celulares iluminando o Araújo Vianna. Depois disso, Ricardo Feghalli manda o povo ir pra frente do palco e Nando dá mais um dos seus discursos de palavras motivadoras e puxa Coração Pirata, em uma catarse sem explicação. Poucas músicas provocam tanta emoção quanto essa e o refrão cantado em alta voltagem e volume pelo povo foi de arrepiar. Sim, eu sou apaixonado pelo Roupa Nova… E pra findar o baile, aquelas duas canções que fazem até defunto levantar, Um Show de Rock and Roll, e claro, o clássico absoluto pop do Brasil, aquela canção, segundo Paulo Massadas, um dos compositores, que se não toca essa canção numa festa de formatura, o diploma não é legítimo, claro que é Whisky a Gogo, naquele momento que o Auditório vira um baile para quase 4 mil pessoas.

Quando achamos que eles tinham terminado mais um super espetáculo, com mais de duas horas, a banda sobe ao palco, apresenta o músico Zé Canuto, que fez os instrumentos de sopro do show e chama a galera pra uma viagem musical por canções de filmes, com direito a imagens no telão no fundo. Rola Eye of the Tiger de Rocky 3, Pretty Woman de Uma Linda Mulher, Ghostbusters de Os Caça-Fantasmas, I Don’t Wanna Miss a Thing do Armageddon, Bella Ciao de La Casa de Papel, The Heat It On de Um Tira da Pesada, Let It Go de Frozen, Happy de Meu Malvado Favorito, The Lion Sleeps Tonight de O Rei Leão, Summer Nights de Grease, Theme from Mission: Impossible de Missão Impossível e fecha o baile com Footloose do filme homônimo. Uma surpresa e tanto, mostrando o poder de interpretação da banda, numa cancha que foi adquirida desde os anos 1970, em bailes e subúrbio, gravações de covers em coletâneas duvidosas e palco, muito palco que é a essência do Roupa Nova.

Hoje confesso que escrevo como fã, eles são a banda da minha vida, e mesmo com a ausência de Serginho, deram um show de profissionalismo, tirando de letra, dentro do possível, a falta dele, nos apresentando um dos melhores shows do ano. Recheado de hits, interação com público, simpatia, qualidade técnica e sonora, um show impecável como devem ser todos, com aquele alto astral e talento que os fazem ser, sem sombra de dúvida, a melhor banda do Brasil. Que venham mais anos de vida e mais oportunidades de termos esse prazer de assistir Nando, Kiko, Cleberson, Feghalli, Serginho e Nestares muitas vezes, nossa alma agradece e o Roupa Nova é um elixir dos bons de felicidade!

Crédito das fotos: Vívian Carravetta