Rotina escondida – “A Assistente”

Ao sair da faculdade e encontrar um emprego na área tão desejada pode ser o início de um sonho se realizando, mas as expectativas podem ser frustradas e até a própria voz pode ser perdida.

Jane sente isso na pele em “A Assistente”, drama dirigido e escrito por Kitty Green, disponível no catálogo nacional da Amazon Prime Video.

Essa jovem recém-saída de uma boa universidade, muito inteligente e sonhadora, consegue o emprego de assistente de um grande produtor de cinema, carreira que ela quer seguir e, por isso, o cargo parece ser perfeito. Aprender o ofício com um dos melhores.

Mas tudo o que Jane consegue ver ao longo de dois meses de trabalho é o comportamento abusivo do Chefe (o personagem não tem nome, é referenciado apenas assim).

Entre fazer cópias, organizar pagamentos, administrar os horários do motorista, receber ligações e recepcionar quem quer que chegue, Jane tem que se sujeitar a “catar” brincos das amantes do chefe, arrumar o estoque de drogas no armário dele, despistar as amantes e os gastos da esposa dele, dentre outras coisas degradantes e absolutamente desligadas com o objetivo do trabalho.

Além disso, aguentar os insultos quando o trabalho não está a altura do esperado.

A chegada de uma menina aparentemente inocente para ser a nova assistente pode ser a chave para mudar o cenário, isso porque Jane percebe que talvez ela seja a próxima vítima do chefe.

Qual o próximo passo? Procurar o responsável do RH e relatar o que tem visto e ouvido, assim ela salvaria a menina e ainda mudaria a forma como era tratada. Mas o que acontece não é bem isso, ela está tão nervosa que não consegue sequer unir as informações de forma lógica.

O chefe do RH também não ajuda, transformando o nervosismo de Jane em culpa, lembrando a ela todas as oportunidades que perderia caso fizesse a denúncia e afirmando que aquilo era só inveja de alguém que poderia ocupar o cargo dela. Em resumo grosseiro, ela pratica gaslighting com ela.

Neste caso os colegas de trabalho podem ajudar? Poderiam sim, mas os outros dois assistentes são homens e parecem concordar com boa parte do que acontece, eles só ajudam Jane a pedir desculpa por e-mail, quando ela nem precisava pedir, porque não havia feito nada de errado.

A trama se passa em um só dia, mostrando que Jane vive apenas naquele ambiente, está sendo consumida por aquele trabalho e aquele comportamento abusivo, tanto que a voz dela simplesmente se perde no meio disso tudo. Esse dia é extremamente estressante e ela tinha tudo para conseguir sair daquela situação, mas não consegue.

O tom do filme é “morno”, não há muitas nuances, a cena que mais se destaca é a com o chefe do RH, Wilcock. Não é mostrada solução para aquilo tudo, Jane não se revolta, não larga o emprego, enfim, do começo ao fim é só o relato de um dia de trabalho, e isso é muito frustrante.

A minha primeira impressão disso foi ruim, queria que ela “heroína” se rebelasse, mas depois entendi, o que vemos no filme é a mais pura realidade, a maioria das assistentes que estão no lugar de Jane realmente não se rebelam, estão tão convencidas que não podem fazer nada que só aceitam a realidade.

Pelo o que entendi, a ideia do filme não é mostrar as exceções, as histórias que vemos nas notícias, que pessoas que conseguiram o apoio suficiente para conseguirem relatar os abusos sofridos e testemunhados, mas sim mostrar a realidade da maioria dessas pessoas (mulheres, na maioria).

A sensação de frustração faz todo o sentido nesse raciocínio, provavelmente é o que Jane sente quando ouve tudo aquilo de Wilcock e do Chefe, e é o que sentimos quando não conseguimos nos defender ou defender alguém que precisa de ajuda.

O longa é estrelado por Julia Garner, dando vida a Jane, a atriz é conhecida por séries como “Ozark” e “Modern Love”. Wilcock é vivido por Matthew Macfadyen, conhecido por “Orgulho e Preconceito”, “Anna Karenina”, “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” e pela série “Succession”.

Foi duro de ver meu eterno Sr. Darcy sendo um idiota com a protagonista, que vem a ter o mesmo nome da autora de “Orgulho e Preconceito”, Jane.

 

Até mais!

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