Rosa Tattooada 35 Anos no Bar Opinião

No fim dos anos 1980, depois da explosão do Brock, que entre 1982 até 1988 dominou as paradas de sucesso e consolidou o gênero no Brasil, houve uma espécie de entressafra musical. As grandes bandas brasileiras, talvez ainda deslumbradas, tiveram seus primeiros sobressaltos na produção de discos, com vendas mais reduzidas e espaços mais esquálidos nos canais de comunicação. Outros ritmos como lambada, sertanejo, entre outros, começaram a ganhar projeção nacional, deixando o rock nacional um pouco de lado. No Rio Grande do Sul, onde o rock gaúcho, virou status de gênero, muitas pessoas também achavam que por 1988, 1989, a melhor fase já tinha sido superada. 

Nesse cenário, inspirado pela cena hard rock estadunidense (que também já dava sinais de enfraquecimento como produto), mas com indefectíveis características do rock feito longe demais das capitais, uma molecada formava o Rosa Tattooada. Apadrinhados por Thedy Corrêa, do Nenhum de Nós, com seus dois primeiros discos, ganharam enorme sucesso e criaram hits, que mesmo mais de trinta anos depois, ainda soam vivos na memória afetiva dos fãs e admiradores da banda. A banda jamais parou, seguiu produzindo, gravou diversos álbuns e mudou de formação, mas Jacques Maciel ainda continua comandando a banda que completa 35 anos esse ano. E para comemorar essa data resolveram fazer um show naquele que é o templo do rock (da música em geral) de Porto Alegre, o Bar Opinião. E o NoSet estava lá para conferir essa celebração ao hard e rock and roll.

Para a abertura da festa foi escalado o Marenna. Uma das bandas mais incríveis surgidas no Rio Grande do Sul nos últimos anos, com dois EPs e dois álbuns, tiveram a incumbência de abrir os trabalhos da noite, que infelizmente, contava com um parco, mas animado  público. A banda, formada por Rod Marenna, vocalista e mentor do projeto, Bife no baixo, Luke Diesel nos teclados, Edu Lersch na guitarra e Arthur Schavinski na bateria, fez um ótimo show de abertura com seus excelentes hits. E hits mesmo, a banda de melodic rock, que mistura hard rock, AOR e o melhor que a música oitentista produziu, coloca num liquidificador de Journey a White Lion (entre outras milhares de ótimas influências), mas com toques genuínos e com muita personalidade. Às vezes, ao ouvir o Marenna parece que estamos ouvindo aquelas inesquecíveis trilhas de filmes dos anos 1980, ou ouvindo um LP das coletâneas do cigarro Hollywood. Com muito refrão grudento e qualidade técnica, a banda tocou músicas de todas suas obras, como o recente disco Voyager (com as músicas Voyager, Breaking The Chains, Wait e To Young to Die), You Need to Believe (do EP de estreia My Unconditional Faith, de 2015), Pieces of Tomorrow (do EP de mesmo nome), Never Surrender (do EP No Regrets, de 2016) e fecham o show com a irresistível Had Enough. Um show com muita energia e um repertório que parece um greatest hits, com contagiantes músicas e quase uma viagem no tempo, onde as rádios e a música primavam pela melodia, solos, vocais altos e músicas vibrantes.

Pós Marenna, então, chegam os donos da festa. O Rosa Tattooada, referência hard rock do fim dos 80 e início da década de 1990, culminando com a abertura do show do Guns and Roses, na histórica tour do Use Your Illusion, hoje com Jacques Maciel (guitarra e vocal), único remanescente do início da jornada, Valdi Dalla Rosa esbanjando simpatia e animação no baixo e Dalis Trugillo com suas acrobatas baquetas na bateria. O show começa com Rock and Roll até Morrer, do disco XXV, volta no tempo com o hit Cabelos Negros do primeiro álbum, que mostrou o Rosa para o mundo e segue com Um Milhão de Flores, do disco Hard Rock Deluxe, de 2003. Contrariando uma máxima recente dos shows do Rosa, onde grande parte do repertório próprio era mesclado com covers, nesse ele avisa que pelo caráter histórico só teríamos músicas da banda. Ou seja, uma viagem sonora pelos 35 anos e diversos álbuns da banda nessas mais de três décadas. E o show segue essa mescla, com Hard Rocker Old School, Voando Baixo, essa inclusa na segunda versão do primeiro disco. É de se destacar a pegada do power trio, com o Jacques cada vez melhor na guitarra, com seus riffs certeiros e pesados, mesclando com competentes solos e sua voz que mesmo um pouco mais baixa de que no fim da década de 1980 (o que é lógico, né?), ainda interpreta impecavelmente seus grandes sucessos. O mesmo vale para La Rosa, com seu baixo pulsante e seguro e alegria de palco, além do batera Trugilo, com uma pegada marcante e estilo único na performance. A viagem pela carreira segue com Canção do Deserto, Na Estrada e segue com a radiofônica Tardes de Outono, que fez tremendo sucesso e com o refrão cantado com vibração pela galera presente que emendada quase com Virando Noites e Dias, faz um revival ao melhor do hard baladeiro de 1992, bons tempos.

Diamante Estelar, do disco Carburador, um quase country pop, segue o baile seguido por Tão Longe, uma das minhas preferidas, lá do disco de estreia do Rosa. Poção, do disco  Carburador, a divertida e hard Dólar na Calcinha e Dance em Mim, antecedem um dos maiores clássicos do rock gaúcho. Jacques, pela enésima vez, explica que Thedy Corrêa apresentou a letra e ele fez a música em cinco minutos, e explica que em velhos tempos a execução dela era iluminada por isqueiros, mas nada que a lanterna dos celulares não fariam o mesmo efeito. Falo, é claro, de O Inferno Vai Ter Que Esperar, um dos hinos do rock feito no Rio Grande do Sul, essa cantada e filmada simultaneamente pela plateia. Aliás, rock gaúcho muito exaltado pelo Jacques, afirmando seu bairrismo, com a música feita abaixo do Rio Mampituba.

Para o bis a banda a banda ressurge com Voltando Pra Casa, do primeiro disco, e termina a exaltação ao hard and roll com dois petardos do disco Carburador: Fora de Mim, Dentro de Você e a faixa homônima do disco, uma das mais celebradas e pegadas da banda, fechando com estilo uma grande noite.

O Rosa Tattooada fez um apanhado do melhor dos seus 35 anos de carreira, pincelando sons de todos seus discos (com  exceção do cantado em inglês, de 1994, Blood, Pain and Devotion), provando que como bons vinhos, a banda fica melhor com o tempo, mais pesada, segura, madura, com arranjos certeiros e nunca perdendo a essência e atitude do fim dos anos 1980, quando com o seu hard rock e baladas conquistaram o Rio Grande e atravessaram fronteiras. Uma noite de ode à boa musica, começando com o Marenna, uma das melhores bandas surgidas no Brasil em anos, e fechando a noite e assoprando as velinhas o Rosa Tattoada, em uma prova de amor ao rock and roll, peso, atitude, às belas melodias e à luta que é fazer som com guitarras no Brasil, que em cada dia tem que se matar um leão, mas se fosse fácil, não seria rock and roll. Parabéns ao Rosa e que venham mais alguns anos de serviços a música, nossas emoções e ouvidos são eternamente gratos.

Mais do NoSet