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    Música

    Rodada Dupla: KTROCK no Araújo Vianna e AL9 no Opinião

    Rodada Dupla: KTROCK no Araújo Vianna e AL9 no Opinião
    • Publishedsetembro 17, 2024

    Sábado, dia 14 de setembro, depois de uma semana de muita fumaça, sol vermelho e fuligem de queimadas no ar do Rio Grande do Sul, após uma chuva na noite de sexta, Porto Alegre novamente viu o sol e o céu azul. E nesse dia o pessoal aproveitou pra curtir a tarde iluminada e menos poluída. Atrações culturais não faltaram na cidade, desde shows, em bares underground e feiras de todos os tipos movimentaram a cidade. Era também dia de KTROCK segunda edição no Araújo Vianna. Festival de bandas gaúchas que fez sucesso em setembro de 2023, retornou esse ano reunindo cinco atrações gaúchas, o icônico Wander Wildner, o cultuado DeFalla com formação original, o hard rock do Rosa Tattooada, a bagunça sonora e melodiosa do Graforréia Xilarmônica e o grande Carlinhos Carneiros, homenageando seu eterno Bidê ou Balde.

    Só que nessa noite, também perto dali, na José do Patrocínio, no Bar Opinião, o talentoso fenômeno de internet AL9, com suas canções de amor com a cara dos anos 1960, Beatles e Jovem Guarda, também estava se apresentando. E o NoSet se dividiu, ou eu Lauro Arreguy, fiz questão de acompanhar as duas atrações e conto um pouco dessa aventura musical.

    Ingrato um show começar às quatro horas da tarde. Mas esse foi o horário definido pelo KTROCK  para abrir os trabalhos em um Araújo Vianna, literalmente às moscas. Para abrir a festa foi escalado nosso punk lover brega, Wander Wildner. Com uma banda afiada, seu indefectível sorriso, esbanjando simpatia, vestido elegantemente, pouco importando se tocava para quase ninguém, Wander inicia o show com No Ritmo da Vida. E já ganhou a galera com Bebendo Vinho, um de seus maiores hits. Segue seu baile impecável com covers como Sangue Latino, dos Secos e Molhados. Segue com seu embalo latin lover, com Rodando el Mundo e ganha de vez a plateia com sua versão peculiar e pesada de Lugar do Caralho, do mestre Júpiter Maçã. De se destacar a competente banda do Wander, com Rika Barcellos, uma das melhores bateras do Rio Grande Sul, dois guitarristas e um baixista.

    Wander então chama um ícone do rock gaúcho, o grande Jimi Joe, debilitado, mas nunca perdendo o compasso, com guitarra em punho, tocam o cover de Killing Moon, Lua que Mata, Dan e Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro, sucesso do artista que subiu o Mampituba com o acústico bandas gaúchas de MTV, nos já jurássicos anos 2000. Nosso Iggy Pop da Oswaldo Aranha homenageia o próprio com o sucesso Candy, numa versão mais crua e punk. Segue o baile com Jesus Voltará um dos hinos de Porto Alegre, da época do Sangue Sujo e com direito a uma resposta pessoal do Wander, onde cita os seus gurus espirituais de hoje, Mick Jagger, David Bowie, Jimi Joe, entre outros, numa divertida atualização.

    Wander está solto, feliz, esbanjando alegria e leveza e convida o povo pra cantar de pé Eu Tenho uma Camisa Dizendo eu te Amo, mais um dos clássicos do cancioneiro do ex-replicante, que não precisa nem dizer isso para ter sua luz própria. E ordem dada, as poucas pessoas que ali estavam colaboraram e cantaram juntas com o cantor. Wander encerra seu show matinê com uma versão de Redemption Song, de Bob Marley, na versão Canção Iluminada, numa emocionante releitura e interpretação, fechando bem um show pesado, romântico e visual, com um belo telão no fundo abrilhantando o show. Se Wander não é um grande vocalista, é longe disso, seu carisma contagia e suas belas canções e interpretações são um deleite para a galera.

    Depois de uma hábil e tranquila troca de palco, como eu iria apenas ficar em dois shows, estava ávido pela apresentação do DeFalla. Talvez a banda mais cult do estado do Rio Grande do Sul, que sempre navegou em correntes contrárias do dito rock gaúcho, com  seus ares de banda alternativa e com Edu K, a metamorfose em pessoa, a banda, fazendo 40 anos, reuniu seu velho time. Flu no baixo, Biba Meira na bateria, Castor Daudt na guitarra e Marcelo Fornazier na outra. Uma reunião e tanto prometia um show histórico no templo do Araújo, que já tinha um pouco mais de gente, mas ainda decepcionava. Por volta das 17h30min, Biba, Castor, Flu e Marcelo subiam aos palcos, cada um mostrando seus dotes musicais e abrindo alas para Edu K, com luvas de monstros, uma camisa de pijama, um assento de privada no pescoço e um óculos rosa com listras. Prontos pra começar a viagem sonora da banda, abrem com Alguma Coisa, do primeiro disco de 1987. Seguem voltando no tempo, mas com arranjos 2024 para clássicos do mesmo disco, Ferida e Sodomia. Aquele clima de jam ensaiada, onde Daudt e Fornazier literalmente esmerilhando suas guitarras, Biba Meira, uma das melhores bateras do Brasil, segura como um relógio suíço e Flu, com seu baixo pulsante e poderoso, servem de cama para um Edu K até que comportado entoar a versão defallaniana de Como Vovó já Dizia, do Raul Seixas.

    Atacam de Sobre Amanhã, também do primeiro disco e seguem o baile com Have to a Sing a Song, do segundo disco. O DeFalla quando surgiu era quase um alienígena naquela cena gaúcha de rock. Com pitadas de funk, metal, letras em inglês, covers, guitarras distorcidas e com efeitos e muito suingue, era uma massaroca sonora, que talvez pelo excesso de experimentalismo, se tornou mais um objeto de culto e banda de críticos que um sucesso popular, que é o que às vezes falta no hipnótico show deles. Mas como eles não estão nem aí, seguem o show com com Melô do Rusty James e The Woke of Jo, do clássico disco de estreia. Como até o livro da banda, que fala sobre como o disco de 1987 foi criado, o DeFalla é o que é porque não tem nenhuma direção, segue o som, segue o que se sente e com Repelente, um dos maiores sucessos, faz o Araújo levantar e com a presença de King Jim, que como mesmo Edu K fala, não existe show de rock sem o saxofonista histórico do Garotos da Rua, tocam o hino alternativo It’s Fucking Boring to Death, para delírio da pouca, mas animada plateia. Não me Mande Flores, outra carimbada do show e dos primórdios da banda segue o baile, que se encerra com Popozuda, talvez o maior sucesso popular do grupo, na fase funk batidão do camaleão Edu K. Com Edu K requebrando e comandando a galera. Um show histórico, onde tudo funcionou bem, grandes canções, músicos extremamente competentes e o talvez o maior frontman da música gaúcha. Com certeza não é um show para todos, que muitas vezes não entenderam a geleia geral genuína e azeitada do DeFalla, mas que provam que nessa reunião continuam muito bons de palco.

    Como eu tinha ido pelo DeFalla, abandonei o KTROCK e não pude conferir as outras bandas, porque meu senso de curiosidade queria conhecer o fenômeno das redes sociais que são os irmãos Matheus e Thiago Khouri. Com uma sonoridade sessentista, desde os timbre dos instrumentos, musicas pop para cantar junto, refrões mais grudentos que super bonder nos dedos e vocais harmoniosos, os dois garotos sabem usar as redes como poucos para conquistar o público e divulgar suas canções de amor juvenil. E foi no Opinião que conferi esse show. Infelizmente, às vezes a internet engana e mais uma vez um público decepcionante, quase vazio, estava presente no local. Tivemos ainda como abertura a competente Jogo Sujo, com um rock de qualidade intercalado com covers e próprias como a divertida Ela me Processou.

    Mas mesmo com pouca gente, quem veio estava com vontade de ver os caras do AL9, e por volta das 20h30min, os irmãos, acompanhados de um guitarrista e um batera, com suas cabeleiras gigantes e um uniforme quase de super heroi, empilharam seus hits grudentos, começando com Americana. Nota negativa era o som muito mal equalizado no início, onde a banda não se ouvia e os microfones estavam estridentes. O que seguiu por muitas músicas, com vozes altas e estouradas. De cover só tocaram Pobre Menina, de Leno e Lilian. Em seguida, empilharam suas suculentas canções de amor com a cara dos Beatles antes do Revolver e muita jovem guarda. Garota Complicada, o super sucesso Ela me Ligou,  cantado a plenos pulmões pela galera, Bicho Paixão, Estrela de Cinema, Eu tô Sonhando e a surreal Coelho Sabichão. Destaque para os belos arranjos vocais dos irmãos Khouri. O baixo com linhas incríveis do Thiago e a guitarra certeira do Matheus. A banda de apoio também é muito boa, com  destaque para o baterista, acompanhado por um bom guitarrista base. 

    Ponto positivo é o público, muito emocionado em ver seus ídolos, em uma era que músicas tocadas com guitarra é quase um sacrilégio, para a juventude gostar de uma banda à moda antiga com sucessos simples, bem cantados e executadas e que provocam sentimentos de euforia em adolescentes e jovens adultos é muito gratificante, mesmo que com um público bem reduzido. E seguem músicas competentes e parecidas, viajando pelos três discos dos garotos. Canções como Volta pra Mim, Magia, Estrela da Manhã, Noite Vai e Vem e Só Você, embalando a noite da gurizada, levando alguns ao êxtase, e nosso ouvido também, porque enfim o som foi solucionado. Eles não são de falar muito, mas sabem dialogar com suas canções de paixões e amores que mexem com todas as idades. Inclusive muitos comentários de mães presentes para acompanhar os filhos ali presentes diziam:  “Nossa! É igual aos Beatles”.

    Seguem com Vou Largar de Novo, antes de abrir o bloco final com três grandes divertidos sucessos, Gabriele, com seu ritmo contagiante e o mega hit de Tik Tok e stories do Instagram, Ela me Chama de Amor, que basta uma audição, que qualquer um já se apaixona pela música. Encerram com seu último grande sucesso, Califórnia, com direito à cantoria solo da galera, palmas e só bateria no fundo.

    Divertida experiência conhecer o fenômeno AL9. Claro que ainda falta cancha pra molecada, carente de mais jogo de cintura, mas mesmo assim apresentaram o show que seu povo queria ouvir, um emaranhado de músicas iguais, com uma influência incrível  dos anos 1960 e executado perfeitamente, com simpatia e carisma em ascensão. Pena realmente o público exíguo, mas que não deve ser considerado um grande problema, se o KTROCK, com bandas da aldeia, com mais de 40 anos, não encheu um terço de Araújo, o AL9 ao menos fez sua parte. Não sei se é a falência do rock, a falta de interesse do público, falta de grana, mas enfim, as três bandas que assisti não tem nada que ver com isso e fizeram três shows marcantes, provando que o rock e as guitarras ainda vivem por mais que às vezes possam parecer agonizar com a falta de um público fiel.

    Written By
    Lauro Roth