Roberta Sá e Orquesta da Ulbra apresentam Clássicos do Samba no Araújo Vianna
A potiguar Roberta Sá, mesmo não sendo uma sambista de berço, foi mordida pelo mosquito do estilo no decorrer da carreira. Já no seu primeiro disco, gravou grandes canções do gênero, de compositores como Paulinho da Viola, Chico Buarque, Janet de Almeida, intercalando essa velha guarda com gente nova, como Marcelo Camelo e Teresa Cristina. Daí em diante foi um pulo para se tornar uma das maiores intérpretes da atualidade do estilo mais brasileiro de todos. Roberta Sá, depois do sucesso de seu último espetáculo, Samba Sá, resolve unir o pandeiro e o cavaco ao violino e ao violoncelo, numa junção de samba e música clássica, no show Clássicos do Samba, com orquestra. Porto Alegre recebeu essa inspirada mistura quinta-feira passada no Araújo Vianna, tendo a Orquestra da Ulbra e a regência de Tiago Flores em companhia da cantora.
Com a orquestra no palco e o maestro com a batuta, por volta das 21h15min, sobe ao palco Glau Barros, cantora gaúcha com 30 anos de carreira. Para abrir a noite atacam de Cartola com o clássico O Mundo é um Moinho. Com voz vibrante, a releitura emociona e ainda tem tempo de, antes de abrir o caminho para Roberta, cantar Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa. Depois de um aquece de luxo, Glau sai de cena para entrar a estrela da noite, Roberta Sá, que chega encantando com Alguém me Avisou, aquela do “eu vim de lá”, de Dona Ivone Lara.
Na sequência, surpreende com um clássico mais esquecido dos anos 1970, de Dóris Monteiro, o empolgante samba Alô Fevereiro e um sucesso de Roque Ferreira e Dudu Nobre, que fez nome na voz de Zeca Pagodinho, Água da Minha Sede, mais conhecida por Gandaia. Segue o show com Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho, numa exaltação à Estação Primeira de Mangueira. Roberta é extremamente afinada, esbanja simpatia e o repertório é fenomenal, mas infelizmente a junção de orquestra com samba transforma a noite mais num show de contemplação e frias palmas, que um animado bate coxa. Sim, samba é pra arrastar a sandália e levantar até quem é doente do pé, e nesse show Roberta está mais engessada que de costume e a plateia comedida. O show segue com aquela música que todo mundo tenta cantar junto mas se enrola no refrão, mas não deixa de tentar acompanhar, falo de Andança, sucesso da madrinha Beth Carvalho num belo momento de conexão cantora e público.
Quem não enrola é Roberta, que segue com o clássico Canto de Sereia, da divina Clara Nunes, em uma interpretação fascinante. Em seguida homenageia Martinho da Vila com as cadenciadas Disritmia e Me Faz um Dengo. Alcione é lembrada com a indefectível Sufoco, cantada pela plateia, que passava cada vez mais a se soltar, numa bela ode ao clássico da Marrom. E surpreende o público com Domingo, um clássico contemporâneo do samba, do Só Pra Contrariar, que gostem ou não, já faz história em qualquer roda que se preze.
Verdade, mais uma da voz do Zeca, faz alguns mais soltos se livrarem das amarras e sambarem de pé, que ganham mais adepotos quanto ela interpreta o sambão da magistral Jovelina Pérola Negro, Sorriso Aberto, essa que já é um stardart do repetório da intérprete.
Roberta lembra que exaltou a Mangueira em duas canções e pede licença para cantar a sua águia de azul e branco de Madureira. Citando até Tia Surica, anuncia aquele rio que mudou vidas, com o imortal Foi um Rio que Passou em Minha Vida, declaração de amor para a Portela, seguindo com Coração em Desalinho, outro sucesso na voz de Zeca e de muitos, e cria de Monarco, um portelense eterno e Ratinho, em mais um momento vibrante do show.
E quando a coisa parecia ter esquentado, ela surpreendeu ao dizer que o show estava no fim. Sim, surpreende porque o espetáculo mal tinha passado de uma hora, mas como o formato orquestra e cantora não tem espaço para improvisos, era de se esperar não fugir muito do script. Chama ao palco mais uma vez Glau Barros e juntas homenageiam o nosso compositor genial, Lupicínio Rodrigues, e interpretam Se Acaso Você Chegasse, que deu o que falar na voz de muita gente boa, mas em Elza Soares, foi um marco. Uma linda homenagem, por duas cantoras sensacionais. Infelizmente o show acabou ali, curto demais, mas uma ode ao melhor que o samba pode nos proporcionar num maravilhoso repertório, escolhido a dedo.
Ficamos com aquele sentimento de que faltou mais tempo, mais canções e uma atuação mais solta de Roberta Sá. Repito, uma das melhores intérpretes de samba da atualidade, com um timbre lindo de voz, mas que devido a essa inusitada junção de tamborim 8m e oboé no Araújo Vianna, onde a gente quer cantar, dançar e sambar, somado à curtíssima duração do show, ficou uma sensação de que podíamos ter mais. Mesmo assim, presenciamos uma bela homenagem a esses cantores e compositores que fazem e fizeram do samba esse patrimônio, na noite de quinta, representados com afinação, elegância e talento de Roberta Sá.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta