Por: Franz Lima.
AVISO! O texto a seguir reflete – sem meias palavras- as tragédias vistas no documentário sobre o Holocausto. Cenas chocantes e relatos assustadores irão ser vistos daqui em diante. A leitura é recomendada, mas pode ser impactante para alguns.
O início da narrativa é um alerta sobre os perigos do poder na mão de um grupo pequeno. Hitler e o partido Nacional Socialista foram ascendendo conforme apresentavam soluções e benefícios aos alemães que estavam à mercê de um país falido e sucateado.
Com belos discursos e promessas cumpridas, Hitler ascendeu ao poder de forma rápida, com o apoio popular e temor estrangeiro. Ressalta-se a importância da pluralidade de partidos que minaram as forças dos adversários de Hitler e permitiram a elevação dos Nazistas sobre as demais ideologias.
Em 1945, soldados ingleses chegam à Alemanha. No começo são surpreendidos por fazendas e granjas bem sucedidas, cheias de pessoas bonitas e bem cuidadas. Há vida em abundância, apesar da guerra. Entretanto, um cheiro pairava no ar e incomodava os soldados. Era o odor da morte vindo de um campo de concentração próximo, muito próximo dessa área de fartura.
Ao chegarem ao campo, tiveram a primeira impressão de um lugar bem cuidado, algo que só durou até eles chegarem às partes mais afastadas do campo. Doença, fome, inanição e morte estavam espalhadas para quem quisesse olhar. Pessoas fracas que transitavam como zumbis, alheias às suas condições de saúde, apenas se mantendo vivas.
O campo de concentração, ou abatedouro, estava localizado em Belsen. Lá, homens e mulheres alemães estavam bem nutridos, bem vestidos e protegidos dos horrores que os prisioneiros viviam. O comandante desse campo, Joseph Kramer, foi posteriormente condenado por seus crimes à frente desse terrível lugar.
As cenas são impressionantes e macabras. Corpos secos, esqueléticos de homens, mulheres e crianças são alocados em caminhões para serem depois enterrados. Os militares da S.S. são ordenados a fazer esse transporte e os enterros, porém isso não parece afetá-los. São soldados treinados para matar sem piedade; logo, manusear com mortos era a menor das obrigações.
Nessas passagens há momentos de silêncio absoluto. Apenas as imagens fluem, uma pior que a outra. Corpos sendo manuseados como se fossem sacos de lixo. As covas coletivas são o fim de muitos inocentes…
Com a chegada da água, muitas pessoas voltam a fazer sua higiene pessoal. Tomar um banho era algo quase inimaginável e que não poderia ser desperdiçado de forma alguma. Assim, nuas, dezenas de mulheres se limpam sem a menor preocupação com quem as vê. E por falar em ver, pessoas “importantes” das regiões próximas ao Campo foram chamadas para testemunhar o massacre e o transporte dos corpos para as covas coletivas. O silêncio deles é a confissão de um crime quase tão grande quanto aos dos S.S.: a omissão.
Os corpos lembram humanos mumificados.
Aos sobreviventes, o processo de recuperação do mínimo de condições de humanidade era árduo. O Tifo estava espalhado por Belsen. Para extirpá-lo, foi necessário um rigoroso processo de desinfecção, limpeza e remoção dos doentes. Os piolhos eram muitos e eliminá-los requereu um grande esforço por parte da equipe médica. Os infectados eram lavados e tinham seus corpos aplicados com DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), um inseticida de baixo custo.
Durante o enterro de alguns milhares de judeus vitimados pelos maus tratos da S.S., as doenças e, sobretudo, a fome, um capelão profere algumas palavras. Homens, mulheres e crianças enterrados como indigentes. Na cova, judeus, luteranos, católicos e outras denominações e uniram para o descanso final.
Dachau é um dos mais conhecidos campos de concentração. Mas nada poderia, à época, preparar os soldados Aliados para o que veriam. Tal como ocorreu em Belsen, homens estavam prostrados e sem forças, apenas aguardando a morte pela fome e abandono. Corpos frágeis demais até para comer, o que provocou muitas mortes mesmo após a chegada da ajuda. As faces estavam secas, olhos fundos e a pele rente aos ossos.
O nível de abuso chegou ao ponto de criarem por lá um “bordel”, uma área reservada onde as melhores mulheres eram levadas para servirem como escravas sexuais. A substituição ocorria assim que uma delas morresse ou não estivesse mais em condições de atrair os nazistas.
Grupos eram conduzidos para os chuveiros. Lá, ao invés de uma revigorante ducha, os prisioneiros eram expostos ao letal gás Zyklon-B, responsável por milhares de mortes. Era a linha de produção do genocídio.
Noticia-se que três meses antes da tomada de Dachau, aproximadamente 10615 pessoas foram para as câmaras e depois cremadas. As roupas dos mortos eram empilhadas e enviadas para reparo pelos próprios prisioneiros para, então, serem revendidas aos campos de concentração. Alguns membros da S.S. eram “acionistas” da Deutsche Textil und Bekleidungswerke G.M.B.H., empresa privada responsável pelas vestimentas nos Campos.
O transporte para chegar até Dachau era por via férrea. Os Aliados encontraram um trem com vagões lotados de prisioneiros congelados. Apenas 17 ainda resistiam por milagre ao frio e à fome, porém em torno de 3000 corpos cobertos de gelo foram contabilizados.
Buchenwald era outro antro de morte e degradação. Lá, em 13 de abril de 1945, foram libertados mais de 20 mil homens e mulheres. Albaneses, belgas, brasileiros, búlgaros, chineses, canadenses, africanos, austríacos, croatas, tchecos, daneses, egípcios, estonianos, franceses, alemães, britânicos, gregos, italianos, holandeses, iugoslavos, lituanos, letões, luxemburgueses, poloneses, noruegueses, mexicanos, espanhóis, romenos, russos, americanos e suíços. Uma verdadeira Torre de Babel.
Tatuados na barriga, eram forçados a trabalhar até a morte. O último comandante estabeleceu a meta de ao menos 600 mortes por dia. Buchenwald foi palco de uma das mais aterrorizantes e macabras histórias dos campos de concentração por abrigar a Bruxa de Buchenwald, Ilse Kock. A mulher foi indicada como a responsável pela morte de vários prisioneiros cujas peles tatuadas eram removidas para fazer souvenires e abajures. Ilse foi condenada à prisão perpétua e posteriormente teve sua pena reduzida por falta de provas, principalmente o famigerado abajur. Sobre esse tema, recomendo que assistam ao documentário da National Geographic, O Abajur de Pele Humana. O que com certeza sabemos é que a índole má dos seres humanos é despertada quando a sensação de impunidade e poder toma a frente das decisões e ações deles.
Cidadãos de Weimar foram forçados a contemplar os atos de seus compatriotas. Eles sabiam da existência do campo e viram o nível de crueldade lá existente. Corpos, peles arrancadas por causa das tatuagens, cabeças encolhidas e morte por todos os lados. O choque foi grande para a maioria dos visitantes alemães, mas era preciso mostrar a verdade para essas pessoas que nada fizeram para evitar o massacre.
Outros campos são mostrados. A Alemanha estava tomada por essas monstruosidades e fica claro que o trabalho escravo e a morte se tornaram fontes de lucro para os nazistas. A máquina de matar chamada Campo de Concentração era rentável para todos, inclusive os cidadãos comuns que usufruíam dessa servidão e dos refugos dela.
Via de regra, todos os campos tomados apresentavam as mesmas características: humanos à beira da morte, fracos e doentes, largados à própria sorte e com mínimas condições de sobrevivência. Mesmo sob o cuidado dos médicos e enfermeiros que vieram ajudar, a taxa mortalidade era muito alta.
Os alojamentos eram como paióis de carne. Homens, mulheres e crianças largados em espaços pequenos, cheios de piolhos e sujos ao extremo. A pouca ou inexistente higiene colaborava para a degradação dos presos. As mortes foram muitas e novos prisioneiros chegavam toda semana. Aguardar a morte por fome ou doença não era mais uma opção para os nazistas e, assim, as câmaras ganharam vulto e importância. A máquina da morte ganhou escala industrial…
Com o avanço das tropas Aliadas sobre a Alemanha, as provas da existência dos males, torturas e assassinatos foram sendo destruídas. Há relatos de centenas de homens sendo fechados em um galpão que foi incendiado. Aos que conseguiram fugir o destino não era melhor, já que havia lança-chamas e metralhadoras aguardando-os.
Em outra instalação, nada menos que 1800 pessoas foram asfixiadas com a fumaça de palha incinerada. Tal como já relatado, os poucos que conseguiram sair foram executados a tiros ou eletrocutados em cercas.
Um ponto que destaca a crueldade desses lugares está nas camas feitas com arame farpado e palha. Nem o descanso era concedido aos condenados a perecer nessas insanas e macabras instalações.
Auschwitz é o mais conhecido campo de concentração. Nele, um verdadeira indústria da morte, velhas eram levadas para morrer. Crianças gêmeas eram separadas e usadas em experiências médicas onde eram submetidas às doenças e somente uma tinha a cura inoculada. Crueldade em níveis jamais vistos.
As instalações de Auschwitz foram projetadas para serem a mais eficiente máquina de extermínio dos alemães. Em seu auge, a taxa de mortalidade chegou a variar entre 10 e 12 mil pessoas por dia.
O mal era em larga escala e o sadismo imperou nesses campos. Em algumas salas de banho e desinfecção, na verdade câmaras de execução, havia janelas para contemplar a agonia e a morte das vítimas.
Os crematórios eram usados para descartar as provas físicas do genocídio. Entretanto, nem mesmo após a morte as pessoas eram respeitadas. Os ossos eram vendidos para uso como fertilizantes.
Em outro campo, pertences são acumulados aos milhares. Mais de 820 mil pares de sapatos e sandálias, milhares de tesouras, roupas, brinquedos, óculos, dentaduras. O mais impressionante era o estoque de cabelo, classificado conforme a cor e textura para ser vendido. Essas são provas contundentes das mortes de seus antigos donos.
Passaportes, carteiras de identificação, fotos, álbuns… itens que foram parte integrante das vidas de famílias inteiras eram descartados como lixo. Nunca houve o mínimo respeito pelas pessoas aprisionadas; o que lhes ofertavam era o desprezo, a crueldade e o tratamento indigno até que a morte encerrasse a sina dos condenados.
A narração de Jasper Britton amplia o tom de abandono e dor, é competente e não poupa o espectador dos horrores da loucura nazista. Certamente a consultoria de Alfred Hitchcock foi vital para a interligação das filmagens.
Assim como os alemães foram forçados a caminhar entre os mortos e contemplar os estragos da permissividade, nós também transitamos entre os executados. Olhamos fotos de pessoas felizes e em seguida encaramos a face da morte. Tudo para relembrar que guerras existem, porém jamais deveremos permitir que tais atrocidades ocorram novamente. Graças a Deus que essas filmagens não permaneceram isoladas no Imperial War Museum.
Nada foi poupado nos campos de concentração. Mesmo os sobreviventes levariam o resto de suas vidas para amenizar as barbáries que contemplaram. Certamente pesadelos e loucura iriam acompanha-los nos anos vindouros. De um certo modo, eles também morreram um pouco naqueles antros de tortura, malignidade e morte.
Fica nossa gratidão pelo esforço dos militares e civis que colaboraram nas coletas dessas imagens. Grande foi a dedicação dos que atuaram na remasterização e restauração dessa obra que precisa ser vista, principalmente nos tempos atuais onde o valor de uma vida está cada vez menor. Parece que estamos, assim como os alemães, nos acostumando a ver a violência e a morte de inocentes como algo corriqueiro. Que este documentário traga a sanidade de volta, ainda que sob a tutela da loucura de um passado infame.