Filmes sobre economia ou planos econômicos não têm atrativo popular. O tema é árido, complexo e, em regra, a película está fadada a passar incógnita pelas salas de cinema, sendo reservada a um grupo de aficionados no tema.
É claro que, se você tiver no elenco atores com Christian Bale, Brad Pitt, Steve Carell e Ryan Gosling, assim como o melhor roteiro adaptado do ano, como em A Grande Aposta (The Big Short), de 2015, suas chances de atrair o público e fazer um bom filme aumentam muito. Infelizmente, não é isso que acontece em Real – O Plano Por Trás da História.
Real é a adaptação do livro 3.000 Dias no Bunker – Um Plano na Cabeça e um País na Mão, de Ricardo Fiúza (que também teve outra obra adaptada para o cinema – Meu Nome Não é Johnny, de 2008). Ao contrário do que o nome sugere, o filme dirigido por Rodrigo Bittencourt, não aborda propriamente a história do Plano Real, mas sim a história de um dos economistas que o criaram, Gustavo Franco. O título mais honesto seria “Gustavo Franco”- O Homem por Trás do Real. Este título, contudo, seria ainda menos atrativo.
Depois de manchetes sobre o período que precedeu a posse de Itamar Franco, a fim de situar o expectador no contexto histórico do início dos anos noventa, o filme corta para uma cena em um restaurante, onde Gustavo discute o panorama político e econômico do Brasil com um ex-colega de faculdade. A cena, longa, traça as ideias e deixa claro o temperamento, a arrogância e a insegurança do personagem, bem interpretado por Emílio Orciollo Neto. A seguir, segue rapidamente o convite de seu antigo professor, Pedro Malan, para integrar uma “elite” de economistas encarregados de elaborar às pressas algum “plano salvador” para retirar o Brasil de hiperinflação. Desta forma, Gustavo Franco, aluno brilhante e cuja carreira profissional não havia decolado, é transportado da condição de professor para o centro do poder.
O filme sofre com a falta de identidade. A impressão que transmite é de o seu projeto ter iniciado como um documentário sobre a história da criação e do sucesso do plano real. Decidiu-se, depois, vestir essa ideia com uma roupagem de cinema comercial. Por fim, escolheu-se que a narrativa deveria ser centrada em um dos personagens envolvidos, aquele com a personalidade mais polêmica, para lhe dar um elemento humano com o qual as pessoas pudessem se identificar. O resultado, infelizmente, resultou em um cinema pobre.
Há cenas que beiram o constrangimento, como a do grupo de economistas marchando em câmera lenta contra a câmera, evocando a clássica tomada de Cães de Aluguel, de Tarantino, ou a reunião de algum grupo de super-heróis, como os vingadores.
Alguns personagens são caricatos. Itamar Franco, por exemplo, era reconhecidamente um líder indeciso e irritadiço. No filme, estas características são extremadas, sendo retratado quase como um insano. Está sempre colérico ou amedrontado como uma criança assustada, tomado por dúvidas e inseguranças.
A relação de Gustavo Franco com a sua mulher, Renata, vivida Paolla Oliveira, é também deixada com enormes lacunas. Há um rompimento inicial, deixado sem maiores explicações. Não se sabe corretamente o que motiva as ações de ambos, principalmente as de Renata. Ao final, conclui-se que ela funciona apenas como um elemento de tensão emocional para Gustavo em alguns pontos da história.
O filme tenta se apropriar dos cenários e da arquitetura de Brasília na construção da fotografia. Há cenas desnecessárias, no entanto, como um diálogo de Pedro Malan e Gustavo Franco, embaixo da Pira da Pátria. Ninguém, em sã consciência, sai andando de terno pelo vazio Praça dos Três Poderes, sob um sol inclemente, e sobe uma longa escada que leva a lugar nenhum, para discutir algum assunto pontual de trabalho embaixo de uma chama.
Não há, ainda, como fugir ao caráter panfletário do roteiro em defesa da linha econômica da qual se originou o Plano Real. Gustavo Franco é retratado como um gênio econômico que, apesar dos seus defeitos, fez prevalecer a sua verdade sobre a dos colegas economistas e políticos. Ele é claramente identificado como o elemento central para o sucesso das medidas. Obviamente, a realidade é muito mais complexa do que isso.
Todos os que se opuseram ao plano são retratados como fracos, ignorantes ou desonestos. Há, inclusive, uma confissão implícita no filme. Os personagens da trama são identificados ou identificáveis. O único que não possui qualquer identidade é um deputado do Partido dos Trabalhadores, um político intelectualmente desonesto, que se coloca ao lado do plano e, posteriormente, opõem-se a ele, ao sabor dos seus interesses políticos.
Em resumo, visto sob o aspecto cinematográfico, Real – O Plano Por Trás da História é um filme com poucos atrativos. Visto como uma obra de informação histórica, é pouco confiável. Real não tem os predicados necessários para se afirmar tão-só como uma obra artística, descolando-se do seu conteúdo ideológico. Assim, quem concordar com as ideias e ideais de Gustavo Franco, provavelmente gostará do filme e defenderá que retrata a verdade. Quem não concordar, dirá o oposto. Seja qual for a sua posição, você certamente não o discutirá por muito; o filme não tem qualidades suficientes para se manter como um assunto interessante.
Sinopse: Brasília, maio de 1993. O país está nas cordas. A inflação chega a 40% ao mês. Os salários derretem. O desemprego é recorde e a moeda foi reduzida a pó. Após uma sequência de planos econômicos que não surtiram efeito, o país é levado à beira da hiperinflação, ao impeachment de um presidente, a uma crise de abastecimento, a demissões em massa, entre outras graves consequências.
Fernando Henrique Cardoso, então o quarto Ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, forma uma seleta equipe econômica que, protegida em um bunker contra pressões políticas, mergulha na missão de reforma do Estado com a finalidade de controlar a inflação e cria o Plano Real.
Elenco: Emílio Orciollo Netto, Norival Rizzo, Paolla Oliveira, Mariana Lima, Bemvindo Sequeira, Tato Gabus Mendes, Cassia Kis e Klebber Toledo.
Direção: Rodrigo Bittencourt
Roteiro: Mikael de Albuquerque