A saga de John Rambo chegou ao seu quinto filme. Mas como convencer a nova geração e agradar os fãs que o acompanham desde 1982 que o protagonista ainda tem o que render neste novo filme? Para compreendermos melhor o que está por trás dessa nova obra, vamos primeiro ver o esforço e a dedicação de Sylverster Stallone para o filme que, teoricamente, encerrará a saga do combatente. Vale lembrar que Stallone está hoje com 73 anos e já se passaram 37 anos desde o início da franquia…
Em busca da paz.
John Rambo (Sylvester Stallone) é um ex-combatente que passou por várias áreas de guerra no mundo, mas que vem sofrendo ao longo dos anos por causa da difícil adaptação que existe quando um guerreiro volta ao lar, à vida civil. Em Rambo: Até o fim (Rambo: Last Blood), encontramos esse soldado em uma situação mais pacata, já que agora ele é a representação do cowboy americano, um rancheiro que vive com sua amiga e “governanta” Maria Beltran (Adriana Barraza). John assumiu o papel de pai ao cuidar da jovem Gabrielle (Yvette Monreal), agora uma mulher que está a caminho da faculdade.
Mas nem só de flores é feita esta história. Gabrielle nutre o amor de uma filha por Rambo, porém sua vida tem uma lacuna que a atormenta desde pequena: o abandono do pai. Ela sabe que Miguel (Marco de la O) não é um bom homem, fato que não a impede de pedir o auxílio de uma amiga para chegar até ele. O problema está no lugar para onde ela tem que ir, um bairro perigoso e dominado pelo tráfico no México, um lugar muito perigoso.
Diante do sumiço de Gabrielle e de posse de informações que o conduzem até esse bairro pobre e dominado pelo medo imposto pelos traficantes (alguém lembrou da atual situação do Rio de Janeiro?), Rambo inicia uma missão de resgate que se transformará em uma das mais violentas “aventuras” do ex-militar… e o fim da paz que encontrou temporariamente.
A preparação para o confronto.
Claro que o trailer e algumas notícias já entregaram uma parte da trama. Estamos diante de um filme com um roteiro forte e que busca trazer um certo saudosismo de obras como Duro de Matar, Desejo de Matar e o clássico Comando para Matar. A repetição da palavra “matar” não está à toa nesses títulos, acreditem. O mesmo se aplica ao título deste longa: Até o fim (ou o último sangue – Last Blood), pois estamos diante do provável fim da saga de um homem que deu a vida e a sanidade em prol da preservação da liberdade e soberania de seu país.
É diante desse contexto estranho que o roteiro de Matt Cirulnick e do próprio Stallone nos põe. Rambo não deseja a guerra. Sua nova vida é a de um homem que almeja apenas viver e ser útil (fato destacado na sensacional cena de abertura), mas há lembranças que não o abandonam. Em todo o filme nós vemos um homem cujos lampejos de memórias o atormentam. Não há como descartar um passado de mortes e isso está visível no esforço feito por John para criar um verdadeiro labirinto de túneis em seu rancho. Apesar da paz e do conforto de ter uma família (nas figuras de Gabrielle e Maria), o guerreiro jamais deixou as manias e os preparativos para algo maior, para uma guerra.
Esse lado guerreiro vem à tona quando se depara com o sumiço de sua “filha”. Isso é o estopim para vermos novamente o bom e sanguinário John Rambo de volta às telas e, acreditem, de forma extremamente convincente.
O novo inimigo.
Verdade seja dita, escolher o perfil do novo inimigo não é uma tarefa fácil. Chineses são parceiros comerciais dos EUA, a Rússia não oferece perigo aos americanos e o público não que mais ver reflexos da Guerra Fria. O atual governo mostra interesse em se aproximar do Irã e de outros países que eram tidos como inimigos mortais. Logo, diante de uma realidade política diferenciada, os roteiristas optaram por colocar no México (mais especificamente os traficantes de lá) o novo alvo de Rambo.
A escolha dos mexicanos não tem qualquer cunho político, esclareço. A verdade é que esses inimigos poderiam ser integrantes do crime organizado brasileiro (PCC, CV ou qualquer outra facção), mas a proximidade com o México – e sua realidade violentíssima – são justificativas para tê-los como os inimigos ideais no filme. Para evitar críticas mais contundentes sobre o uso do México como local para a alocação dos vilões, foi incluída a participação da atriz Paz Vega que interpreta a repórter Carmen Delgado, uma mulher com um passado comum ao de John Rambo, uma improvável aliada do mesmo na guerra que está por vir.
O que vi na telona choca por ser algo comum aqui no Rio de Janeiro. O tráfico de drogas é algo que pode ser visto a qualquer hora do dia ou da noite e em todos os bairros da cidade. Mortes e violência são parte da rotina dos cidadãos, assim como o medo diante de uma força paralela ao poder público. A retratação dos traficantes e escravistas (eles sequestram e obrigam mulheres a se prostituir) é perfeita, pois a impunidade e o conluio com agentes da lei corruptos não é incomum em vários países do mundo.
Logo, não leve para o lado pessoal ou pense que os mexicanos são os inimigos por causa da política de Trump ou algo assim. Os inimigos poderiam estar em qualquer país, porém a localização geográfica e a realidade conturbada no México serviram como base para estabelecer aqueles que tornariam a vida de John Rambo em um inferno novamente. E, diante desse novo sofrimento, o assassino treinado terá a motivação e o ódio necessários para retomar aquilo que ele manteve inerte por tanto tempo: a sede de sangue.
Aliás, vi a escolha de traficantes e sequestradores de mulheres como correta. Esses monstros matam e torturam física e psicologicamente países inteiros. O tráfico e a prostituição são problemas presentes em quase todos os países do mundo e, sejamos honestos, combater e destruir esses indivíduos é o sonho de qualquer que viva em lugares dominados por essa verdadeira doença mundial.
Nota: a cena de encontro de Gabrielle com seu pai Miguel é de uma crueza que dói. Essa passagem serve para relembrar que há monstros capazes de abandonar filhos apenas para ter garantida sua “liberdade”, assim como serve para frisar que há indivíduos que simplesmente não têm conserto.
Um fim digno?
Na verdade, a palavra “fim” é de uma relatividade absurda. Esse suposto fim estará subordinado ao sucesso do longa. Eu, honestamente, prefiro que a saga encerre nesse episódio, mas os lucros sempre falam mais alto.
No que diz respeito ao fim da trama, o roteiro e a direção nos conduzem para uma apocalíptica guerra onde valores como honra e a preservação da família estarão em confronto direto com o poder paralelo representado pelo tráfico (de drogas e mulheres).
O local escolhido para o combate é perfeito e mostra com eficiência o quanto o treinamento militar e a experiência podem ser determinantes diante de inimigos movidos pelo ódio e sem preparo (destaque para as atuações de Sergio Peris-Mencheta e Óscar Jaenada que interpretam, respectivamente, os irmãos Hugo e Victor Martínez). Ao contrário do que vimos em outros filmes da franquia, Rambo não está no território estranho. Desta vez ele está em um lugar dominado por ele, preparado ao longo de anos para uma provável guerra e, certamente, ele não permitirá que estranhos ditem as regras em seu território.
O terceiro ato do filme não tem cenas dotadas de algo jamais visto, porém foram elaboradas com extremo zelo para agradar todos que acompanham a saga do ex-militar ao longo desses 37 anos e, obviamente, cativar um novo público. Há coerência no desenrolar da trama e nas motivações que tiraram um homem de seu repouso para fazer justiça, assim como há pequenas falhas de roteiro e passagens mais aceleradas que prejudicam um pouco no quesito credibilidade. O uso de uma narração em “off” com a voz de Stallone serve para dar um impacto maior à trama e, ainda, mostrar momentos de confusão mental da personagem. Seja como for, Rambo é a personificação da vontade de vermos os maus serem punidos.
É claro que toda a plateia torce do início ao fim por esse homem que representou o poderio militar americano, mas agora encarna apenas um indivíduo que não se calará diante de um mal que assola e destrói vidas em todo o mundo.