O empoderamento feminino é uma das principais discussões sociais do momento e a arte reflete esta efervescência. No cinema, filmes como Mulher Maravilha [Wonder Woman, 2017] e Capitã Marvel [Captain Marvel, 2019] aproveitaram a tendência e foram bem tanto nas críticas quanto nas bilheterias (o que deixa os grandes estúdios duplamente felizes).
Rainhas do Crime [The Kitchen, 2019] é o retorno da Warner Bros. e da DC ao universo das mulheres fortes e dominantes, desta vez utilizando uma história originalmente lançada por seu selo Vertigo. Para quem não conhece, Vertigo foi a casa das histórias “adultas” da DC por 25 anos. Ela é responsável por obras que se tornaram referências, com Sandman, Hellblazzer e V for Vendetta. Há pouco tempo, foi anunciado que o selo deixará de existir no próximo ano, sendo substituído pelo DC Black Label. A graphic novel que serviu de inspiração para o filme foi lançada no ano de 2014, com arte de Ming Doyle e roteiro de Ollie Masters.
No filme, Kathy Brennan [Melissa McCarthy], Claire Walsh [Elisabeth Moss] e Ruby O’Carroll [Tiffany Haddish] são esposas de três gângsteres da máfia irlandesa. A história se passa no Hell´s Kitchen, em Manhattan (sim, o mesmo bairro do Demolidor) no final dos anos setenta. Claire é espancada constantemente pelo marido, Rob [Jeremy Bobb], com quem vive uma relação baseada no medo. Ruby é uma mulher negra, em um bairro predominantemente branco. É igualmente oprimida pelo marido Kevin [James Badge Dale] e sofre com o preconceito da sogra, Helen [Margo Mirandale], uma espécie de matrona da máfia irlandesa, que foi comandada por seu falecido marido. Já Kathy é mãe de um casal de filhos e vive uma vida familiar aparentemente normal com Jimmy Brennan [Brian d’Arcy James]
O bom elenco não sustenta um início de filme lento, escuro e com personagens ainda caricaturadas. Logo nas primeiras cenas, os três maridos são presos durante o assalto a uma loja. Condenados a três anos de cadeia, deixam suas mulheres, donas de casa, na difícil situação de depender da boa vontade do restante dos membros da decadente gangue para sobreviverem. Depois de outras humilhações, as três resolvem se unir para tomar conta do negócio de proteção, intimidação e arrecadação que ficou a cargo de ineptos colegas dos seus maridos.
A história e as atuações embalam lentamente. É preciso atravessar os trinta primeiros minutos, nos quais o filme parece estar indeciso entre ser um pastiche feminino de filmes de máfia ou ter brilho próprio. Passada esta hesitação inicial, a Diretora e roteirista Andrea Berloff acerta a mão. A história ganha em emoção, originalidade e sangue, principalmente com a entrada em cena de Gabriel [Domhnall Gleeson], um veterano de guerra que flerta com a psicopatia, permitindo às protagonistas crescerem nos seus papéis.
Este é o primeiro trabalho de Andrea como diretora. Antes, teve escreveu roteiros festejados para As Torres Gêmeas [World Trade Center, 2006] e A História do N.W.A. [Straight Outta Compton, 2015].
Para filmes que têm protagonistas vilãs funcionarem, é preciso atrizes com carisma. E carisma é o que Melissa McCarthy possui de sobra. Muito ligada a papéis em comédias ou dramas leves, tem atuação sólida, que transmite credibilidade na passagem de uma mulher pacífica e caseira para uma chefa do crime. Elisabeth e Tiffany estão igualmente bem nos seus papéis, mas sem o brilho de Melissa.
O roteiro guarda algumas surpresas na sua parte final, que não comentarei, obviamente. Rainhas do Crime é um bom filme, em um gênero que têm obras de arte como O Poderoso Chefão. Acima de tudo, mostra e facilidade com que aceitamos a violência, quando o que está em jogo é a nossa sobrevivência ou da nossa família.
Recomendo.