Crítica: Querido Menino
“Pai, você foi meu herói, meu bandido”. Pode parece piegas, mas essa frase da música Pai, do Fabio Jr., de 1979, representa com 7 palavras, quase que com uma profundidade tamanha, a essência de um relacionamento de um pai com um filho. Ora somos aquele que o protegemos do monstro escondido que habita o escuro, ora somos aqueles dispensáveis, que atrapalham a vida e que jamais os entenderemos.
O filme Querido Menino (Beatiful Boy), de 2018, nos apresenta de maneira crua uma relação de pai e filho, onde o maior obstáculo são doses pesadas de metanfetamínas, tudo isso dirigido pelo belga Felix van Groeningen, debutando com estilo no cinema norte-americano.
O filme conta a história de David Sheff, famoso e descolado jornalista e escritor, vive com sua segunda esposa e seus dois filhos pequenos, dessa segunda relação, mas vê sua vida literalmente desabar quando seu primeiro e mais velho filho, sua “criação perfeita” se torna um viciado em drogas pesadas e começa a correr risco de vida. David tenta entender por que isso está acontecendo na sua vida, já que foi um pai exemplar e carinhoso, e procura estudar os efeitos das drogas e tentar ajudar o filho, um garoto bom e talentoso, mas completamente tomado pelo vazio preenchido com as drogas.
Querido Menino é um filme pesado. Não abusa de clichês como submundo, contravenção e violência e tem o mérito de mostrar, fugindo de um lugar-comum de uma maneira quase clean, que qualquer família ou ser humano pode e não está preparado pra enfrentar de frente esse espinhoso relacionamento entre pais, filhos e drogas. Mas não menos perturbante. O filme é baseado nos livros do pai e do filho, Beatiful Boy, de David Sheff e Tweak, do filho Nic Sheff. Unindo as duas versões dos fatos do drama da família Sheff, Luke Davies e Groeningen, os roteiristas, conseguem compilar o mais importante da essência da luta de pai e filho contra o inimigo dilacerante que era a metanfetamína.
Um dos acertos para a fluência e naturalidade da história é o excelente elenco escolhido, principalmente a dupla pai e filho. Steve Carell está excelente como o incansável e protetor David Sheff, mostrando que seu lado dramático está cada vez mais aflorado e seu papel comum de comediante é apenas mais um atributo (papel dramático que já apareceu em filmes como Foxcather, 2014). Steve consegue, de uma maneira comovente, passar todo o drama espinhoso que um pai amoroso como ele tenta enfrentar em uma situação como essa. Timothée Chalament também está muito bem como Nic, o garoto perfeito, inteligente, com pais adoráveis, mas que não sabe lidar com sua vida e acaba experimentando tudo para dar um sentido a sua jornada, mas não mede as consequências de onde pode chegar. Aliás, Chalement já mostrava talento em filmes como Me Chame por seu Nome, e sendo protagonista de Um Dia de Chuva em Nova York, de Woody Allen. Química perfeita entre dois atores ilustrando como o amor misturado a doses cavalares de metanfetamina tem um nocividade imensa. A mãe do menino, interpretado por Amy Ryan tem um papel quase secundário na relação pai e filho do filme, mas também está sempre batendo de frente com o problema, e Maura Tierney, a madastra de Nic também tem um papel fundamental como alicerce fundamental para David nessa empreitada de tentar entender e resgatar o filho de tamanha encrenca. Destaque para a bela edição do filme com idas e vindas, mostrando o passado feliz da família com o presente e futuro desorientado, muito bem montado e eficiente
Querido Menino é um filme sutil, não é nebuloso, um dos seus méritos é realmente esse: mostrar de uma maneira direta como, às vezes, um drama familiar pode acontecer muito fácil tanto nas melhores quanto nas piores famílias. Foge também do lugar-comum do dramalhão lacrimejante e redentor, é um filme de pai para filho, de confiança, de busca de limites, de compreender o outro. A dupla de atores tem o mérito de passar essa simbiose de uma maneira realista e humana. Em uma cena do filme, em uma palestra para pais que lutam contra dependência dos filhos, uma mãe, num dos momentos mais fortes fala que a filha morreu de overdose, mas seu luto já era de anos, e que para um pai ou mãe a coisa mais complicada é conviver com um luto com uma pessoa em vida, aquela que largou de viver que apenas está ali e se diz bem, mas que para ela a família é apenas um adereço, um fardo ou um caixa eletrônico pra saciar seus vícios. Enfim, somos todos heróis sem capa prontos para defender os filhos de qualquer mal que a vida possa insistir em trazer, e em questão de segundos podemos ser os piores bandidos, um fardo, dominados por uma força, um kryptonita que nos bloqueia e impede qualquer reação para evitar isso e nem podemos fugir de casa, pois a casa somos nós mesmos.
Sinopse: Baseado no best seller de David Scheff, a partir das memórias dele e de seu filho, “Querido Menino” narra a experiência devastadora e inspiradora de uma família que enfrenta o vício das drogas. Com os indicados ao Oscar Timothée Chalamet e Steve Carell, o longa tem a direção de Felix Van Groeningen (“Belgica” e “Os Infelizes”).
Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Christian Convery, Oakley Bull, Kaitlyn Dever, Amy Ryan, Stefanie Scott, Julian Works, Kue Lawrence, Jack Dylan Grazer, Ricky Low
Direção: Felix Van Groeningen