Crítica: Querido Evan Hansen

Uma geração mais solitária e menos resiliente? É complicado, de fora, julgar gerações diferentes, ainda mais que, se antes uma geração durava quase duas décadas, hoje, com cinco anos de diferença, as discrepâncias geracionais são quase abismais, principalmente entre os adolescentes. Mas um fato que preocupa, até antes dessa era pandêmica onde a saúde mental explodiu de vez, é que a taxa de suicídio entre os jovens de 10 até 24 anos (sim tem gente que acha que uma pessoa de 24 anos é adolescente) aumenta, principalmente nos Estados Unidos, a cada ano e casos de jovens tirando a própria vida já representam mais em estatísticas que homicídios. Claro que é um problema global, mas essas taxas preocupam, e muito, pais, familiares, educadores e autoridades no país do Tio Sam. Mas, da tragédia às vezes nasce arte e um musical da Broadway de 2015, tratou sobre esse assunto espinhoso com dramaticidade e muito lirismo musical, se tornando um fenômeno teatral, falo de Querido Evan Hansen, com Ben Platt no papel título, abocanhando vários prêmios e marcando uma época. Não iria demorar muito para que esse estrondoso sucesso fosse transportado para as telas e Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, 2021), com direção de Stephen Chbosky, estreia nas telonas essa semana.

O filme conta a história de Evan Hansen, um adolescente antissocial, cheio de problemas de ansiedade e autoestima, que resolve escrever uma carta para seu terapeuta sobre o que está sentindo naquele momento. Um colega mais problemático que ele, Connor Murphy pega a carta e acaba, logo mais, tirando a própria vida. A família de Connor acha a carta e acaba deduzindo que Evan era um grande amigo dele, já que era endereçada a Evan. O rapaz não desmente o fato e acaba assumindo o papel de amigo desconhecido de Connor e subitamente ganha o amor da família do falecido, da irmã desse e consegue virar popular na escola, sustentando uma mentira consoladora, mas que pode ter consequências perigosas, ainda mais em tempos de redes sociais.

Uma das primeiras impressões que tive do filme foi uma comparação com o clássico Namorada de Aluguel, de 1987. No filme, um jovem impopular resolve comprar um suposto namoro com umas das mais bonitas e populares meninas da escola e que precisa de dinheiro para se livrar de uma encrenca. Aos poucos, o rapaz, de completo perdedor e invisível, vira respeitado por todos, admirado pelos garotos e encantando as meninas. Claro que em Querido Evan Hansen a coisa é mais espinhosa, no caso, Evan, em uma inusitada situação, acaba aproveitando para se tornar respeitado, virando uma lenda instantânea em uma sociedade fugaz e caçadora de likes. Mas voltando ao filme, o fenômeno juvenil da Broadway tem uma segura adaptação às telas.

O diretor Stephen Chbosky usa o roteiro do próprio Steven Levenson, criador da consagrada peça musical, para passar uma difícil história para as grandes telas. Querido Evan Hansen é uma história real dos tempos atuais, um retrato de uma geração que não soube crescer e vive seus medos, angústias, decepções e traumas e pauta sua vida em popularidade de likes e perfis em redes sociais, e vê fantasmas na sua criação, na família e acha que o centro do universo são suas, por que não? – medíocres vidas. O filme teve críticas por usar Ben Platt, que brilhou na Broadway com o papel de Evan, mas que devido aos seus 27 anos, não convence como adolescente. Estranho que Michael J. Fox convencia nos anos 1980. Enfim, Platt está brilhante no filme, sua idade passa despercebida e ele é o retrato perfeito do jovem problemático, ansioso e, talvez ambicioso, Evan. Por mais que possamos achar de mau gosto a ideia dele de se passar por um amigo que nunca foi, é tentadora a hipótese de que sua vida possa melhorar através de um fato novo na vida, mesmo que isso seja fruto de uma mentira. Amy Adams, como a mãe de Connor, passa muita emoção e Julianne Moore, sempre ótima, passa com muita garra o papel de uma mãe solo que faz de tudo por um filho, mesmo assim não consegue impressioná-lo, mas jamais o abandona. Kaitlyn Dever, como Zoe, a irmã de Connor, também trabalha bem e impressiona. O mesmo com Amanda Stenberg, como a popular, mas gente como a gente Alana, que com suas multitarefas de sua agitada vida, maquia suas profundas angústias.

O filme é um musical, claro, e as canções adaptadas da peça são de um lirismo e emoção únicos, apesar de simples, são muito bem interpretadas e fazem bem seu papel, que é causar impacto, apesar dos clichês naturais de um filme do estilo, mas que mesmo o mais durão não deixará de se emocionar e entrar na alma das músicas. Uma das cenas mais legais do filme é quando Evan conversa com Alana e ambos ficam trocando confissões de que tipo de medicação eles usam e que são indicadas pelos seus terapeutas, um retrato aberto dessa geração angustiada e insegura, mas que ao contrário de outras, que se acham duronas, procuram ajuda para enfrentar seus intensos problemas. Falar sobre suicídio é sempre algo meio tabu, muitos podem até achar uma atitude antiética do rapaz, mas também é um filme sobre conforto, ajuda, e como diria Cazuza: “Mentiras sinceras interessam”, e Evan, apesar de tudo, apenas quis o bem da família de Connor, mesmo que ele se beneficiasse indiretamente disso, isso nunca foi um intuito pessoal dele.

Querido Evan Hansen, é um filme atual, uma adaptação difícil, mas eficiente, de um fenômeno teatral, e que mesmo com o tema pesado e a história inusitada, tem o intuito de informar, mostrar, representar uma época, uma era em que somos o que um algoritmo deseja, a fama é a consequência do que somos nas redes e o principal: por mais que tenhamos todo o mundo em um clique na nossa frente, nunca fomos tão solitários e dependentes de afeto, e como diz a bela canção do filme: “por mais que tudo possa conspirar, ninguém está sozinho”. Belo filme, e ao menos que você seja daqueles que não suporta ver gente do nada sair cantarolando (é um musical, né…), vá com lenço e coração aberto pare refletir, se entregar e se emocionar.

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