Pequenas Grandes Mentiras (2014, de Liane Moriarty) | Livro x Série da HBO
Nesses últimos meses, não sei se eu quem devorei um livro ou ele quem me devorou, porque Pequenas Grandes Mentiras é o típico best-seller que independente de ter me fisgado lendo-o por mais de 4 horas seguidas, nem me cansava, pois além do ritmo nunca ser maçante, é quase impossível não ler as passagens associando aos fatos vistos na série. São trechos idênticos, que apesar de certas alterações e por que não, omissões em seu decorrer, fizeram jus à fidelidade essencial de cada palavra escrita pela autora. Então é assim que, de tempos em tempos, somos surpreendidos por seriados excepcionais, cujos quais por intermédio de excelentes reviravoltas, mostram a que vieram sem o menor pudor, abordando conteúdos fortíssimos e, por conseguinte, chocando o público. É o caso de Big Little Lies, a recente série da HBO que foi a ganhadora do Emmy Awards, nas categorias de melhor minissérie, melhor direção, melhor atriz e melhor ator coadjuvante. Dirigida por Jean Marc Vallée (Livre, que 2 atrizes daqui o estrelaram), a obra é baseada no livro escrito por Liane Moriarty (O Segredo do Meu Marido) e inclui um elenco de peso, composto por Reese Whiterspoon, Nicole Kidman, Shailene Woodley, Laura Dern, Alexander Skarsgård, Zoë Kravitz e Adam Scott. Em meio a temas polêmicos e que, de tão reais, chegam a assustar, venha comigo e adentre neste universo repleto de mistérios, drama, amizade, confiança, paixão, traição e violência (não necessariamente nesta ordem) que a escritora nos prestigia em suas longas quase 400 páginas!
Na trama, com muita bebida e pouca comida, o encontro de pais dos alunos da Escola Pública de Pirriwee tem tudo para dar errado. Fantasiados de Audrey Hepburn e Elvis Presley os adultos começam a discutir já no portão de entrada, e, da varanda onde um pequeno grupo se reuniu, alguém cai e morre. Quem morreu? Foi acidente? Se foi homicídio, quem matou? Voltando no tempo até alguns meses antes desse incidente, Pequenas Grandes Mentiras conta a história de três mulheres: Madeline Martha Mackenzie, Celeste White (na série é White) e Jane Chapman, cada uma delas diante de uma encruzilhada. Madeline é forte e decidida. No segundo casamento, está muito chateada porque a filha do primeiro relacionamento, Abigail, quer morar com o pai e a jovem madrasta. Não bastasse isso, Skye, a filha do ex-marido com a nova mulher, está na mesma turma de jardim de infância que a caçula de Madeline.
Já Celeste, mãe dos gêmeos Max e Josh, é uma mulher invejável. É magra, rica e bonita, e seu casamento com Perry parece ser perfeito demais para ser verdade. Logo, Celeste e Madeline ficam amigas de Jane, a jovem mãe solteira que se mudou para a cidade com o filho, Ziggy, fruto de uma noite malsucedida. Quando Ziggy é acusado de bullying, as opiniões dos pais se dividem. As tensões nos pequenos grupos de mães vão aumentando até o fatídico dia em que alguém cai da varanda da escola e morre. Os envolvidos revelam impressões frequentemente contraditórias e não será fácil descobrir a verdade. Liane Moriarty reúne brilhantemente na mesma cena ex-maridos e segundas esposas, mães e filhas, bullying e escândalos familiares para nos lembrar das perigosas meias verdades que contamos a nós mesmos para sobreviver.
Primeiro de tudo, advirto a vocês leitores que é preciso prestar bastante atenção em cada detalhe tratado ao longo da história (tanto da série quanto do livro), por mais que seu conceito não seja difícil de compreender e o seu desenvolvimento às vezes pareça meio arrastado. No entanto, em meio aos seus 84 capítulos – que depois viraram 7 longos episódios de quase 1 hora cada um – o revertério mais mórbido ocorre no último episódio, que sem dúvidas é o melhor de todos, pois interliga passado e presente, ligando todos os pontos e, dessa forma, provando que a intenção dos produtores (bem como a da própria Moriarty) em deixar o público boquiaberto no desfecho certamente há de obter êxito. Aliás, a estratégia de cada personagem para com os telespectadores inclusive é inacreditável! Cada mistério envolto no decorrer das folhas, cada segredo oculto, cada intriga que permeia o cotidiano das protagonistas na sequência dos eventos só contribui pra que a “máscara caia” e suas vidas aparentemente perfeitas se transformem numa verdadeira desordem. Aos que apreciam temas realistas, tensos, necessários e que, infelizmente, ainda fazem parte de nossa sociedade, Pequenas Grandes Mentiras será um prato cheio, pois nada mais é o retrato da mulher moderna sendo muito bem apresentado e concluído em ambas a adaptação e obra.
Não é à toa que, em inúmeras partes, peguei-me desprevenido com os revertérios apresentados, pois os mesmos nem sequer passaram pela minha cabeça que poderiam ocorrer de tal forma, o que só reforçou a razão de ele ter se tornado um dos meus livros/seriados favoritos. Desse modo, foi uma grata surpresa ter conferido uma produção de qualidade tão alta, tão bem desenvolvida pelos atores, com performances que nos deixam apreensivos o tempo todo e reviravoltas cuidadosamente trabalhadas, inseridas sem defeitos aparentes. Inclusive, é de uma sinceridade imensa ao demonstrar tamanha realidade, apresentando figurantes tão humanos do início ao fim, que sem as incríveis atuações de Nicole Kidman como Celeste e Reese Whiterspoon como Madeline, isso não seria possível. A química entre as protagonistas o é ponto alto da série, enquanto a direção e roteiro sabem muito bem o que estão fazendo, pois vão formulando perfeitamente seus movimentos para ter um produto final bem executado. Com relação ao cenário, o mesmo é de uma beleza exorbitante. Situado em Monterey, California (e na série, em Pirriwee, Australia), as locações são ora vibrantes – dadas as cores quentes –, ora melancólicas – com a constante presença de tons de cinza e preto. Fundamenta-se, acima de tudo, na fusão dos dois lados que toda história possui e constrói seus personagens carismáticos que comprovam que a ficção imita a vida.
Destaco adiante certos aspectos que ficaram de fora da série (afinal, obviamente que sempre que um livro serve de inspiração para o cinema e a TV haverá diferenças, já que cada meio tem sua linguagem e recursos próprios).
AVISO PARA POSSÍVEIS SPOILERS:
- A violência contra Jane é mais detalhada (ela não foi parar naquela cidade por mero acaso e ainda sofre uma agressão verbal, que a deixa traumatizada psicologicamente e a faz adquirir novos hábitos).
- A atitude de Bonnie na festa é bem mais contextualizada (amplo aprofundamento no passado da personagem)
- Ed é um marido querido e amado, cuja personalidade é oposta à da série (com cara de coitado e mal-amado).
- Renata não faz as pazes com Jane até a festa, mas é a primeira a sair em defesa do grupo de mulheres.
- O leilão da virgindade de Abigail é discutido com muito mais histeria, frieza e comoção por Madeline e a filha.
- O depois da festa: como cada personagem ficou (os eventos posteriores à noite do concurso de perguntas).
- Celeste vai fazer terapia sozinha (mesmo sofrendo violência doméstica, a advogada mantém-se em silêncio).
Ademais, a união dos personagens é bastante simples, mas assim como acontece na vida, as ligações entre eles seguirão caminhos não planejados, passando por curvas, subindo e descendo, e não em linha reta. No começo não existe uma sincronização harmoniosa, mas ao decorrer do caminho algo começa a surgir, nasce um sentimento de amizade e companheirismo entre as mulheres, ao mesmo tempo em que as suas boas ações parecem favorecer a estadia de quem é um novato inofensivo em uma cidade pequena. Todavia, nem tudo é um “mar de rosas” naquele lugar. São personagens bem estruturados, já que vemos de longe que o passado de uma das moças foi deveras conturbado, e enquanto uma delas parece mais preocupada com seus problemas, outra se demonstra perdida e frágil. Aliás, é através de dilemas, choques e subversões que o livro quebra a barreira entre amor e medo, e nos afunda em uma belíssima homenagem à Sétima Arte. Assisti-la ou lê-lo é simplesmente aprender mais sobre as artes, o mundo real e até se deparar em uma reflexão sobre nós mesmos.
Em síntese, é com enorme prazer que lhes recomendo este livro maravilhoso, lançado aqui no Brasil pela Editora Intrínseca. Guardem este nome: Pequenas Grandes Mentiras, e se surpreendam tanto com o best-seller como com a minissérie disponível na HBO GO; façam uns favores a si mesmos e não deixem de conferir ambos o livro e seriado, porque uma coisa eu te garanto: Big Little Lies não te decepcionará. Ainda estou tentando digerir se o livro é melhor que a série, ou vice-versa (sim, sempre haverá críticas negativas por partes dos fãs), mas posso assegurar que é uma leitura cuja narrativa é densa, crua e, sobretudo, angustiante. Portanto, merece a sua atenção por um momento; fica a minha pequena grande dica de hoje. Abraços e até breve, caro leitor!
(Obs.: aguardo ansiosamente a 2ª temporada, ainda mais sabendo que a HBO já pode a estar desenvolvendo! Aguenta, coração!!)
Título Original: Big Little Lies
Direção: Jean-Marc Vallée
Duração: 376 minutos
Nota:
Veja o trailer da série: