Paula Toller apresenta Amorosa em Porto Alegre

Poucas artistas têm o poder de unir carisma, pioneirismo e talento. Além de simpatia, que fazem tanta falta a alguns cânones da MPB. Uma dessas artistas é a carioca Paula Toller. Vocalista do Kid Abelha, uma das bandas mais icônicas dos anos 1980, uma verdadeira fábrica de hits que povoam a cabeça dos brasileiros, além de ser uma das poucas representantes femininas do movimento Brock, a cantora, depois de uma breve pausa, está de volta  aos palcos com a turnê Amorosa (nome inspirado pelo clássico disco Amoroso, de João Gilberto, de 1977). Sábado passado o show aterrissou no Araújo Vianna, em Porto Alegre, numa gelada noite de inverno. E o NoSet conta para vocês como foi a volta da cantora aos palcos gaúchos. 

Platéia cheia. Gente que curtia o Kid Abelha desde os anos 1980, outros que na adolescência tiveram sonhos com a banda nos anos 1990, e até uma geração mais nova que foi embalada pelo acústico classudo de 2000, que vendeu muitas cópias e renovou os fãs, abarrotava as cadeiras e laterais do auditório, esperando a musa Paula. E esperou bastante, com um cansativo atraso de mais de 40 minutos, a banda pisou no palco mais de 21h40min, mas delirou com a chegada da cantora, que começa o show com uma inserção de I Gotta Feeling, do Black Eyed Peas, quem emendada com Fixação, sucesso do primeiro disco do Kid Abelha, de 1984, faz o auditório virar um grande coro. Calma Aí, do seu quarto disco solo, de 2014, segue o set, em mais um hit dançante. Voltou ao Kid com Educação Sentimental II, do segundo disco da banda e mais uma vez cantada efusivamente pela plateia que começava a se soltar.

Vale destacar Paula Toller. Com mais de 40 anos de carreira, e 60 de vida, continua com seu carisma e beleza intactos, além de ter evoluído muito musicalmente. Hoje é uma das melhores cantoras do Brasil, com sua voz suave e afinadíssima. Destaque para seu visual, toda de preto e usando um tênis prateado. O cenário do show também era um primor, assinado por Gringo Cardia, uma bela tela brilhante e repleta de cores vivas para o deleite visual da plateia.

Paula faz uma homenagem para aquela que chutou todas as portas e mostrou que mulher é no pop, no rock, na MPB, e principalmente é pra brilhar nos palcos. Com Agora Só Falta Você, de Rita Lee, Toller emula a rainha do rock tupiniquim com uma qualidade e responsabilidade e tanta. Destaque para Liminha, uma das maiores lendas da música brasileira, produtor de dezenas de clássicos discos da nossa música (parceiro de Rita nos Mutantes) e hoje diretor musical, fazendo parte no violão da banda de Paula. Um prazer imenso ver essa entidade num palco acompanhando uma de suas pupilas (a maioria dos discos do Kid e da carreira solo dela foram produzidas pelo cidadão).

A Fórmula do Amor é outra que faz todo mundo cantar junto (chega a ser redundância, que música do show não faz todo mundo cantar junto de tão boas e tão populares?), até que chega o momento que Paula Toller senta num banquinho e a banda toca aquela versão intimista com toda a classe de Lágrimas de Chuva, com a cantora dando show na interpretação. Com a canção Palavras ela presta uma homenagem a Beni Borja, primeiro baterista do Kid Abelha , falecido em 2021.

Aí em diante o que segue é um festival de sucessos (curiosamente todos começando com a letra N) com No Meio da Rua (a do disco voador), do disco Tomate, de 1987, onde a banda começou a seguir uma tendência mais madura, trocando o rock de juvenil de bermudas por um som mais, digamos adulto, seguindo com a música de Herbert Vianna, Nada por Mim (gravada no ao vivo de 1986 do Kid). Depois fazendo todo mundo dançar com Não Vou Ficar, de Tim maia, gravada pela ex–banda no disco Kid, de 1991, que também contribui pro  set com No Seu Lugar e encerrando a saga das canções com a letra N, eles embalam Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda, canção de Hyldon, mas que fez um sucesso estrondoso na voz de Paula. Uma sucessão de sucessos pop perfeitos que transformam o Araújo Vianna num salão de festas com gente feliz, dançando, cantando, filmando sem medo e venerando uma musa da nossa música que esbanja talento e simpatia, ao contrário de algumas veteranas da MPB, que só tem talento… mas isso é outro assunto.

Com Céu Azul, Paula presta sua homenagem a outro ícone recente da nossa música, o Chorão e o Charlie Brown Jr. Com sua versão doce e sutil, mostra que a poesia bem interpretada funciona sempre e ainda emenda na música Dreams, sucesso do Fleetwood Mac, dos anos 1970. Não podemos deixar de destacar a excelente banda de apoio da cantora. Com um formato semi acústico (ausência de guitarras, mas muita ênfase aos teclados e programações), temos Gustavo Camardella no violão e voz, Pedro Dias no baixo, Gê Fonseca nos teclados e barulhinhos e o gaúcho e super baterista Adal Fonseca, que graças a sua pegada incrível, sempre usa aqueles acrílicos na frente de sua bateria. Eu Amo Brilhar, canção recente da cantora, mantém o ritmo de grande festa com uma pegada disco setentista. Mas é com Alice, que é apresentada com energia por Paula, que mais uma vez o Araújo vai abaixo com o sucesso oitentista.

Existem músicas que são hinos de uma banda, o Kid Abelha tem vários, mas com certeza Como Eu Quero é aquele que marcou a banda nos anos 1980. E o que vemos é uma plateia iluminando o local com seus celulares e uma emocionada interpretação da cantora com um coral brilhante, feliz e em perfeita sintonia artista e plateia. Outro hino, só que desta vez da geração dos anos 2000, que conheceu a banda graças ao acústico, é Nada Sei, que também faz a casa cantar junto com o refrão clássico do sou errada sou errante / sempre na estrada sempre distante / vou errando enquanto o tempo me deixar. Emoção pura, mas tinha mais, dessa vez com o hino dos anos 1990, a contagiante Eu Tive um Sonho, que anima rodas de violão até hoje, e quando foi executada, poucas vezes vi um Araujo tão alegre com uma música. Momento tão marcante de um show com três hinos seguidos que a ótima e pulsante Te Amo Pra Sempre, que acaba o set inicial, serviu mais para a galera respirar mesmo.

Depois de uma pausa, Paula Toller vem ao palco com violão no colo (explica que anda fazendo aulas) e junto com Gus, o violeiro da banda, resolvem tocar duas músicas mais lado B no momento voz e violão. Atacam de Todo Meu Ouro, de 1987, e tiram do fundo do baú Hoje Eu Não Vou, do disco de estreia do Kid Abelha, quando ainda eram os Abóboras Selvagens, uma das poucas que não foram singles do consagrado disco.

Na parte final do show Paula emenda os dois grandes sucessos da fase mais adulta dos anos 1980, Amanhã é 23, que foi trilha sonora da novela O Outro, de 1987, e lembra que Paula faz aniversário em 11 dias e a lindíssima Grand Hotel. Momento de classe, qualidade e elegância com uma interpretação fantástica da cantora, ovacionada pelo auditório. Por Que Não Eu?, segundo grande sucesso, isso por 1983, segue o baile para abrir alas para o primeiro sucesso da banda, uma daquelas canções que com certeza são as mais conhecidas da nossa música, aqueles hinos não oficiais, falo é claro, de Pintura Íntima, cantada com tanta vibração pelo povo que Paula Toller só precisava reger a massa. Sucesso absoluto, encerrando uma noite mágica de um pop perfeito, dançante, poético e agradável, que há 40 anos faz parte da história do brasileiro.

Paula Toller parece ter o elixir da juventude, e como bons vinhos, quanto mais tempo passa, melhora. Hoje é uma cantora madura, que sabe usar seu timbre doce e suave, sabe o que o povo quer ouvir e mesmo mudando alguns arranjos, não fere a estrutura dos clássicos que todo mundo conhece. E como ela mesmo fala, nessa noite iria cantar muita música que todos querem ouvir. Em suma, sem experimentações, firulas ou histrionismos. Um show direto, muito bem montado, com visual deslumbrante, com uma banda incrível, a lenda Liminha no seu lado esquerdo e um público feliz e que com certeza saiu realizado, transformando a noite fria porto-alegrense, que devido a tanto calor humano presente, acabou numa noite quente. Uma artista que respeita seu público, seus músicos, o local que abriga o show com seu talento, simpatia e musicalidade. Paula, volte sempre! 

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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