Os 10 Mandamentos – O Filme

O filme produzido pela Rede Record, adaptação da novela homônima de 2015, conta uma das mais famosas passagens da Bíblia: a saga de Moisés, desde seu nascimento até a chegada de seu povo à Terra Prometida, passando pela fuga do Egito através do Mar Vermelho e o encontro com Deus no Monte Sinai. Livre adaptação dos livros Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O longa-metragem tem a direção geral de Alexandre Avancini, e tem no elenco principal os atores Guilherme Winter (Moisés) e Sergio Marone (Ramsés), Gisele Itié, Samara Felippo, Mel Lisboa, Sidnei Sampaio, Camila Rodrigues, Petrônio Gontijo, Denise Del Vecchio, Paulo Gorgulho e Larissa Maciel.

A novela Os Dez Mandamentos (março de 2015), impactou cerca de 133 milhões de telespectadores (Atlas de Cobertura Nacional 2015) e levantou os índices da faixa 20h30-21h35, chegando a dobrar a audiência da Rede Record, garantindo a vice-liderança. No dia em que foi exibido o capítulo com a abertura do Mar Vermelho, a Record ficou dez pontos acima da Globo, uma audiência histórica. Sem entrar em qualquer mérito ou polêmica, o filme já fez história ao vender mais de 2,5 milhões de ingressos apenas no período de pré-venda e ser o responsável pela maior abertura de um filme nos cinemas, com mais de mil salas em todo o território nacional.

Adaptar um livro para o cinema nem sempre é uma coisa fácil, como eu costumo falar sempre que comento algum exemplo. São mídias diferentes, formas diferentes de se contar uma história, e sempre terá que se cortar ou modificar trechos ou personagens para conseguir um ritmo adequado ou melhor fluidez na história visualmente contada. Agora imagine adaptar uma novela inteira para o cinema, tendo que condensar 176 capítulos exibidos em quase 8 meses para apenas 2 horas de projeção! E ainda mais prometendo material “inédito”!!

E para complicar mais um pouquinho as coisas, a novela/filme aborda a história de Moisés. Ou seja, estamos falando de um épico religioso, que traz um dos personagens bíblicos mais importantes da humanidade, com mais de 100 anos de uma história rica em detalhes. Por mais “encheção de linguiça” que a novela tenha, ainda assim é uma tarefa árdua e complexa. Tem coisas que você releva ou nem percebe na tv, mas é preciso se conscientizar que não é apenas mostrar a novela no cinema, mas criar um novo produto. Ver uma novela várias vezes não é tão comum quanto rever um filme.

O foco do filme se concentra na história de Moisés, narrada desde o nascimento até o Monte Sinai, passando por todo o período no Egito, as pragas e a fuga pelo Mar Vermelho. Basicamente, é o roteiro da animação “O príncipe do Egito” em live action nacional. Para isso tudo ficar bem contado já seria necessário um bom tempo de projeção (o clássico “Os Dez Mandamentos” de 1956, com Charlton Heston no papel de Moisés, tem quase 4 horas de duração). A “solução” foi transformar a novela em um grande trailer de 2 horas.

Então não precisa ser bom em raciocínio lógico para saber que MUITA coisa ia precisar ser cortada. Para início de conversa, esqueça toda e qualquer história paralela. Se o personagem não teve contato direto com Moisés ou estava presente em algum momento importante, foi cortado sem dó nem piedade. Isso é bem complicado para quem não acompanhou a novela ou vai querer rever o filme depois de algum tempo, já com os personagens não tão presentes na memória. As pessoas aparecem e somem do nada, e muitos sequer tiveram chance de pronunciar seu nome. Personagens históricos importantes acabam virando coadjuvantes ou mesmo figurantes.

Quanto às atuações fica difícil julgar, já que os atores seguiram um texto de roteiro de novela. Os atores são bons, mas a forma de atuação é diferente. Muitas cenas do filme, principalmente as conversas, tiveram que ser “picotadas”, durando no máximo um ou dois minutos. O máximo que você pode dizer é comentar se naquela cena específica eles estiveram bem ou mal. Pelo sucesso absoluto da novela como maior fenômeno da tv em 2015, é de se esperar que as atuações tenham sido boas. Por mais que o tema bíblico por si só já seja suficiente para garantir a audiência, não é todo mundo que aguenta – por mais fiel que seja – uma boa história contada por atores ruins.

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Esse formato de super trailer trouxe outros problemas graves tanto à narrativa quanto á qualidade técnica e visual. O filme tem muitos cortes de cena bruscos. Se você piscar o olho, é capaz de perder umas duas pragas. E, mesmo a gente compreendendo todo o problema de cortar, copiar e colar meses em horas, algumas passagens acabam não surtindo o mesmo efeito. Por exemplo, é como se para o Faraó algumas pragas fossem só um contra-tempo. Fazendo uma comparação bem maldosa forçada, é como se o Vídeo Show fizesse um especial daqueles tipo “novelão” resumindo tudo o que se passou na novela durante uma semana, e depois juntasse todas as cenas exibidas nos programas de segunda a sexta, e resolvesse exibir como um filme. As cenas adicionais e final inédito (na verdade, estendido) serviram mais para antecipar a segunda temporada da novela, mas a narração feita por Josué (Sidney Sampaio) ficou didática, quase uma voz em off que justificou de certa forma o ritmo rápido da trama.

Os efeitos visuais, figurino e cenário também foram prejudicados. Mesmo em épocas de tv’s em alta definição (HD), algumas cenas criadas digitalmente utilizando computação gráfica, se não feitas adequadamente, não ficam legais na tela grande. E criar efeitos especiais de qualidade demanda um orçamento considerável. Enquanto algumas cenas merecem muitos elogios, como a travessia pelo Mar Vermelho, outros efeitos ficaram péssimos! O efeito parece aqueles filmes dos anos 80 tipo “Labirinto” ou “A história sem fim” sendo vistos nas tv’s de Led hoje.

Pra não dizer que o filme é só problemas, a história é bonita e tranquila de acompanhar – do contexto religioso e histórico. Mesmo que você seja leigo (ou ateu), a história de Moisés é muito conhecida. Então, mesmo que por “osmose”, você consegue acompanhar a trama, ainda que com todos os problemas de edição. Realizar obras épicas não é comum no Brasil, então é interessante avançar nesse gênero. Além da já citada excelente cena do mar vermelho, tivemos outras passagens muito boas. A ideia de transportar novelas para filmes é um recurso interessante, que “preserva” e imortaliza a obra nos cinemas. Só é necessário que se tenha mais cuidado para evitar que outros fenômenos de audiência virem filmes apenas como caça-níquel, e que se invista em qualidade na adaptação.

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P.S. Sério que Moisés ficou com raiva e quebrou as tábuas da lei logo depois de forjada? Dessa eu não sabia!!!

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