O Terno apresenta show no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre
Quando questionam se o rock brasileiro anda sumido, escanteado, ou para os mais radicais e saudosos, morto, sempre respondo, que ele vai bem, muito bem. Pode não ter mais a força do mainstream dos anos 1980 e 1990, mas existe uma geração que se renova a cada ano de gente fazendo música boa e com altíssima competência. Entre esses expoentes de uma banda não tão nova assim, o início data de 2009, O Terno assina embaixo naqueles dois quesitos acima, e com uma geleia misturada do melhor que os anos 1960 e 1970 produziu, mas com a cabeça de uma geração que nasceu no fim do século passado. Com a turnê do último disco deles abruptamente cancelado pela pandemia, O Terno, quatro anos depois, resolveu encerrar com shows esse ciclo do álbum Atrás/Além, de 2019. Porto Alegre foi um dos locais escolhidos para findar essa fase, com um show no Araújo Vianna, e o NoSet conferiu sexta passada o que o trio paulistano preparou para o fim dessa etapa na carreira.
O Araújo estava com um ar diferente. Um público com mais de 3.500 pessoas jovens, comportados, com ar de contemplação à magnética sonora e poética do grupo, lotavam a casa e pacientemente esperaram até às 21h30min o início do espetáculo. Enfim, eis que num breu (“ótimo” para os fotógrafos…), Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Biel Basile subiram ao palco, acompanhados de um quarto nos naipes, abrindo os trabalhos com Atrás/ Além, do último disco, para delírio dos serenos fãs. Continuando no último disco, tocam Tudo o Que Eu Não Fiz e em seguida a lindíssima Pegando Leve, praticamente declamada pelo povo. Um início arrebatador. Seguem com A História Mais Velha do Mundo e Não Espero Mais, mantendo o clima sonoro de sempre. Diga-se de passagem, o esmero instrumental do trio, acrescido pela parede impactante dos naipes, mostram o porquê do Terno ser umas das melhores bandas surgidas no século 21.
O set list segue com as excelentes Nó e Nada/Tudo, abrindo o caminho para a poética Depois Que a Dor Passar. Tim Bernardes canta e agrada com sua voz suave e macia, e com seus timbres sessentistas na guitarra, mostra todo seu talento. E ainda tem tempo para ir ao piano mostrar toda sua versatilidade artística. Um jovem e talentoso poeta.
Com quatro álbuns na carreira, muitos fãs carregavam os LPs da banda, seguiram ótimas canções como O Bilhete, do último disco, e Deixa Fugir, do disco Melhor do Que Parece. Lua Cheia, Orgulho e Paixão, Pra Sempre Será e Eu Vou fecham mais um bloco do show. Com a canção O Cinza a banda mostra toda sua técnica, emendando uma jam com pitadas psicodélicas, toques de Tropicália, Mutantes e guitarra a la Lanny Gordin.
O Terno é de difícil definição, qualquer rótulo pode reduzir a banda. Eles tem toda aquela aura sessentista, Beatles, Kinks, os já citados Mutantes, mas tem muito de Clube da Esquina, Caetano Veloso, misturados em poesias que são a cara da geração que acompanha a banda, recheada de dores de amores perdidos, muitas vezes platônicos, inseguranças da idade e crises particulares de uma geração. E era essa geração que estava em peso ali sentadinha acompanhando seus ídolos, dando o mínimo trabalho para os seguranças, tamanha a educação. Enfim, cada um sabe qual a melhor atitude e maneira de contemplar um show. Mas voltando, depois de Tim, Guilherme e Biel esmerilhar numa poderosa jam, emendam Volta e Meia e depois o divertido sucesso Ai Ai, Como Eu Me Iludo, cantado com muita alegria pela galera. Com Eu Vou Ter Saudades o clima mais tristonho toma conta do ar, com aquela canção de perda do amor. Clima que se quebra com a irônica e realista Morto, uma das melhores grupo.
Profundo/Superficial, do último disco (com canções cheias de barras separando as palavras nos títulos), segue o baile do Terno, mas é com Culpa que a galera começa a se animar e ensaia levantar e cantar junto. Fato que ocorre com a ritmada Biel/Bielzinho, uma espécie de O Leãozinho da banda, essa sim, fez o Araújo levantar. De pé o povo continua e acompanha com a dramática Volta, causando arrepios e emoções, sucesso do disco de 2016, Melhor do Que Parece.
Tim, no alto da sua timidez apresenta a banda, toda a equipe do show e agradece ao auditório pelo carinho recebido. Na última vez que a banda tinha passado por Porto Alegre, tinham tocado no Theatro São Pedro, que ao meu ver combina mais com o estilo quase minimalista da banda, um trio acanhado que não precisa de muito palco para brilhar e a própria galera que curte mais contemplar a banda que vibrar com o show. Mas pela lotação do show, um Araújo apinhado de gente, acredito que a banda aprendeu a força de seu cartaz aqui no Sul e a timidez foi compensada pelas pedradas sonoras apresentadas em conjunto (diga-se de passagem, com uma equalização ótima de som) de deixar boquiaberta a plateia. Para finalizar o show, Tim anuncia que irão tocar duas últimas do último álbum, as fracas, Passado e Futuro e E No Final, deixando de lado Minas Gerais, pedida em coro pela galera, mas enfim, a banda toca o que quiser, não é?
Já com alguns ingênuos indo embora depois da primeira despedida da banda, eles voltam para o bis iniciando com a ótima Melhor do Que Parece e encerram o show com o hit 66. Tim se solta, chega perto da galera com microfone em punho, se mexe no palco com a divertida canção que abriu os caminhos pra banda, fechando com estilo o excelente show.
Sempre tive curiosidade de assistir O Terno ao vivo. Em estúdio são craques, com composições de altíssima qualidade e sonoridade rebuscada. Tendo esse privilégio de vê-los ao vivo, presenciei toda a força do trio, logicamente acrescido pelo naipe que recheia as viagens musicais da banda, nas incríveis melodias, às vezes rebuscadas, outras vezes cruas. Não precisam esbanjar virtuosismo, sim, dominam com elegância e maestria suas singelas canções, uma miscelânea musical de melhor qualidade, que por mais que venha de pescarias de influências de outras época, não cheira a saudosismo e cópia, e sim saudável influência, com uma marca pessoal e moderna dos garotos. Com suas agruras pessoais e visões do cotidiano de uma era, aliadas a um lirismo e sensibilidade únicos, provam ser uma das melhores bandas surgidas no Brasil nos últimos anos. Os quase 4 mil fãs tiveram o prazer de venerar, de uma maneira tímida, mas com certeza com muito coração e verdadeira paixão.