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CRÍTICAS FILMES

O mito australiano – “A Verdadeira História de Ned Kelly”

O mito australiano – “A Verdadeira História de Ned Kelly”
  • Publicado em: novembro 3, 2020

Todos os países guardam em sua história algumas curiosidades, algo que faz aquela extensão territorial ter valor sentimental ou ser algo exótico para os estrangeiros, muitas vezes contando com mitos e lendas urbanas.

A Austrália tem em sua história o fora-da-lei Ned Kelly, gangster que viveu nos anos de 1870. Sobre esse personagem histórico já foram feitas algumas produções, a amais recente delas é “A Verdadeira História de Ned Kelly”.

O longa tem a direção de Justin Kurzel e é baseado em um livro de mesmo nome, do autor Peter Carey, o roteiro adaptado é de Shaun Grant. O lançamento oficial foi em 2019, mas chegou ao Brasil na semana passada, distribuído pela A2 Filmes.

Antes de resumir o filme preciso contextualizar.

A Austrália, assim como muitos outros países, foi colonizada pela Inglaterra no final do século XVIII. Começou sendo uma colônia penal, recebendo os condenados pela Coroa inglesa a mais de 05 anos de prisão. Estes presos não eram só ingleses, muitos deles eram irlandeses também.

O pai de Ned Kelly era um irlandês que fora condenado pelos ingleses e foi parar na Austrália. Embora tenha passado muitos anos na prisão, casou-se com uma nativa e teve quatro filhos com ela, o mais velho era Ned.

O filme mostra Ned narrando a carta que fez par ao filho, contando sua história.

A infância dele não foi das mais pacíficas, ele presenciou muita coisa dentro de casa que nenhuma criança deveria presenciar. O pai tinha se tornado alcoólatra e a mãe se prostituía para ganhar algum dinheiro e, assim, sustentar as crianças. A relação entre eles não era nada boa.

Um dos clientes da mãe era um sargento inglês, O’Neil. Foi ele que acendeu a chama da revolta ao Ned de 11 anos de idade, falando para ele que o pai havia sido preso porque se vestia de mulher, mas não explicou bem as razões para isso. Ned comprovou a história ao encontrar o tal vestido escondido e fez a suposição que poderia fazer com o pouco de informação: o pai era gay.

O homossexualismo era crime, uma abominação, na época. Ned se revoltou contra o pai, queimou o vestido e tentou se afastar da sombra dele, lutando para assumir o posto de líder familiar. A mãe dele dava apoio a ele.

Um dia ele matou um animal de caça para que a família tivesse o que jantar, o que foi visto como heroísmo pela mãe, mas era considerado crime (leis inglesas para nativos e afins). O pai de Ned se entregou no lugar dele, sendo morto na cadeia, depois de horas de tortura.

A família Kelly passou por dificuldades financeiras, a mãe recusou a ajuda de O’Neil (ele prendeu e matou o marido dela), mas fez algo pior, vendeu Ned para o mais famoso assassino de aluguel, Harry Power, para que o garoto aprendesse a “ser homem”. Power usou a pior forma para o ensinar, a vingança. Fez Ned (ainda com 11 anos) apontar uma arma para O’Neil e ameaçar sua vida.

Ned não o matou, fugiu de volta para casa, onde foi preso e torturado. Depois disso pegou estrada e tentou ao máximo ser só um Kelly aleatório, sem ligações com a família, tinha ódio da história do pai, supostamente gay, e do que a mãe havia feito com ele.

Nos 10 anos que ficou longe Ned construiu uma “carreira” como boxeador com o amigo, Joe Byrne, apresentando-se em festas particulares de autoridades, dessas que os nativos eram vistos como algo exótico. Ned era, literalmente, chamado de Macaco Branco.

Depois de tanto tempo ele sentiu a necessidade de voltar ao lugar onde a família estava, encontrando a mãe igualmente linda, agora noiva de um estadunidense que tinha quase a idade dele, George King, quem se tornou figura paterna para os irmãos, Dan e Kate (a caçula já havia morrido, ainda bebê).

George King não era bem visto pelas autoridades locais, logo Ned descobriu que ele ganhava a vida roubando gado e havia ensinado Dan e alguns amigos dele a roubar. Pior ainda, eles roubavam o gado usando vestidos, exatamente como o pai deles fazia e o que o fez ser preso da primeira vez.

Se antes o lugar era o parquinho particular do Sargento O’Neil, agora estavam sob a autoridade de Fitzpatrick, que conhecia Ned como o boxeador e viu uma brecha para chegar a George e Dan, que estavam sendo investigados. Passou-se por amigo, pagou uma noite no bordel da cidade e ofereceu acordo para que Dan não fosse preso.

A noite no bordel não foi de todo desperdício para Ned, ele conheceu Mary, uma jovem que trabalhava ali há pouco tempo, mas já tinha tido um filhinho. Ned se apaixonou por Mary e quis os assumir oficialmente, iniciando sua própria família.

Acontece que, como Fitzpatrick descobriu, a filhinho de Mary era de George, que frequentava secretamente o bordel (os vestidos que usava nos roubos eram de lá). Isso fez com que a mãe de Ned os expulsasse de casa e ele acabou fugindo, sabendo que poderia ser preso. Mesmo assim ela e Dan seriam presos, por associação.

Nesse momento Ned descobre algo que faz mudar a sua lembrança do pai e o tal vestido. Dan conta a história que ouviu da mãe, anos atrás, enquanto Ned viajava pela Austrália. O pai deles fazia parte do movimento chamado “Filhos de Sieve”, rebeldes irlandeses que lutavam pela independência do país.

Eles se vestiam de vestido e pintavam o rosto com carvão, isso porque, nas palavras de Dan, julgariam que eles eram loucos e ninguém sabia lidar com loucos, logo era mais fácil não serem punidos.

Isso fez com que Ned criasse um senso de revolta em si, um respeito pelo pai e, talvez, remorso pelo o que havia pensado. Ele reuniu um exército de filhos de Sieve e sua principal intenção era tirar a mãe da cadeia, mas tudo se tornou uma ação maior do que ele entenderia.

O pelotão de Fitzpatrick conseguiu reforços, encurralando o bando e usando um espião, um refém que se passava de professor. A essa altura ele sabia que Mary estava grávida e sabia que precisava contar sua história, então escrevia a tal carta para o filho que teria.

O bando de Ned Kelly foi alvejado ali mesmo, ele foi o único sobrevivente, mas foi condenado a pena máxima, morte por enforcamento, não tendo sequer conseguido a libertação da mãe.

É perceptível o quão influenciado Ned foi pelas ações dos adultos que o rodeou durante a infância, ele não tinha uma boa base sobre o que era certo e errado nem os limites de algumas atitudes. Isso, junto a uma maturidade falha, fez com que ele realmente começasse uma vingança sem sentido, pelo menos na forma que o filme mostra.

Aliás, o filme mostra da forma mais dura possível, não é fácil de assistir, do começo ao fim tem cenas banhadas em sangue e de aspecto quase assustador, tanto no visual quando no aspecto psicológico. Ver uma criança tido como doce com uma arma na mãe não é fácil de digerir.

Contudo, é uma história que faz com que procuremos mais conhecer a Austrália. A história inglesa é conhecida, matéria obrigatória da escola (que eu amava estudar, nerd toda), mas pouco procuramos sobre as colonizações que o país fez para além das Américas, com esse filme temos uma pontinha de história irlandesa e um bom começo da história australiana.

É bom deixar claro que Ned Kelly realmente existiu, contudo, ele se tornou um mito australiano e Peter Carey, que escreveu o livro (como falei anteriormente), deu algumas licenças poéticas, a principal delas é o movimento “Filhos de Sieve”. Realmente existiu um movimento revolucionário pela independência irlandesa na época, mas era chamado de “Molly Miguires”.

Não sei de detalhes, mas fiquei sabendo disso já pela curiosidade que o filme deixou, fui pesquisar mais sobre a história e o sobre esse movimento em si.

O elenco precisa ser conhecido, além de muitos nomes conhecidos e que merecem atenção.

Ned Kelly foi interpretado por dois atores ao longa das duas fases da história. Ned de 11 anos foi Orlando Schwerdt, um jovem ator que fez sua estreia em filmes com essa produção e foi perfeito, ao mesmo tempo que ele conseguiu convencer do lado doce de Ned ele também entregava um olhar meio que vazio, um tanto quanto perturbado, digno de filme de terror.

À propósito, o segundo filme dele é o remake de “Colheita Maldita”, que está previsto para lançar ainda em 2020 (estava sendo filmada em pela quarentena).

Ned adulto é vivido por George MacKay conhecido por filmes como “Perter Pan”, “Capitão Fantástico” e “1917”. Ele foi responsável por mostrar a mudança de personalidade Ned para o que beirou a loucura, tirando um pouco do vazio no olhar e aumentando o aspecto de perturbado.

A mãe de Ned, Ellen Kelly, foi interpretada por Essie Davis, conhecida por filmes como “O Babadook” e “Assassin’s Creed”. Harry Power, o assassino a quem Ellen vendeu Ned, é interpretado pelo Gladiador em pessoa, Russell Crowe, que despensa apresentações e explicações.

As autoridades policiais das duas fases também foram vividas por atores conhecidos do grande público, capazes de provocar a repulsa pelo comportamento esnobe (dos personagens).

Sargento O’Neil é interpretado por Charlie Hunnam, que vem ganhando destaque desde a série “Sono f Anarchy”, além de ter estrelado filmes como “Z: A Cidade Perdida” e “Rei Arthur: A Lenda da Espada”.

Fitzpatrick é vivido por Nicholas Hoult, famoso desde a infância, com o filme “Um Grande Garoto”, comprovando o talento ao longo do tempo, com títulos como “Skins”, “X-Men” (franquia mais recente), “Fúria de Titãs”, “Tolkien” e “The Great”.

Mary, companheira de Ned, é interpretada por Thomasin McKenzie, que gradualmente vem ganhando espaço no cinema, tornando-se conhecido por filmes como “O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos”, “O Rei” e “Jojo Rabbit”.

Até mais!

Written By
Nivia Xaxa

Advogada, focada no Direito da Moda (Fashion Law), bailarina amadora (clássico e jazz) e apaixonada por cultura pop. Amo escrever, ainda mais quando se trata de livros, filmes e séries.