O impacto de um mal-entendido – “Desejo e Reparação”

As belas histórias de amor envolvem geralmente alguma superação, o casal passa por várias provações e no final conseguem viver seu amor, causando suspiros de quem assiste. É um dos clichês que mais funcionam, mas não é o caso de Robbie Turner e Cecilia Tallis.

O clássico da literatura inglesa, “Desejo e Reparação”, do escrito Ian McEwan, ganhou versão para cinema em 2007, recebendo o mesmo título, com roteiro de Christopher Hampton e direção de Joe Wright. Está disponível no catálogo nacional da Amazon Prime Video.

Cecilia era a filha de uma família de respeito da sociedade, tendo um irmão mais velho, Leon, e uma mais nova, a criativa e futura escritora Briony, de apenas 13 anos. Robbie era o filho da empregada da casa, ele havia sido abandonado pelo pai e, por isso, recebeu ajuda financeira da família Tallis.

Ele tinha uma certa amizade com Leon e com Briony, mas com Cecilia era diferente. Eles eram próximos na infância, mas depois, quando frequentaram a mesma universidade, ela se afastou, fazia questão de colocar a diferença social entre a amizade deles.

Mas eles sabiam que não era só amizade, havia algo mais e ela era orgulhosa demais para admitir. Em um dia de verão, quando a família se reuniu para receber Leon e um amigo, Robbie escreve um bilhete se abrindo para Cecilia, ele pede a Briony para entregar.

E aí começam os problemas que levam o casal a se separaram. O bilhete que ele entrega não era para ser entregue, por uma confusão dele ele acaba entregando um rascunho com teor obsceno e não o educado que havia escrito a mão.

Quem ler primeiro é Briony e ela se torna o centro dos mal-entendido. Ela tinha certo carinho (crush mesmo) por Robbie e, mais cedo naquele dia, havia o visto com Cecilia no chafariz e, partir dali, ela já começa imaginar mais do que poderia ver.

Para completar, a noite entrega duas situações inusitadas para a jovem escritora: 1º – Cecilia e Robbie juntos na biblioteca, a portas fechadas e luzes apagadas (se é que vocês me entendem); 2º – A prima, Lola, que estava hospedada na casa, é atacada por um homem de terno preto.

Unindo tudo que pensou que viu, o que leu e o que imaginou, Briony afirma que o culpado foi Robbie, levando-o a ser preso somente por seu testemunho.

Cecilia corta laços com a família, porque ela acreditava na inocência do amado, e vai estudar enfermagem na cidade, o que se torna preciso com a chegada da 2ª Guerra Mundial, alguns anos depois. Para Robbie a guerra significou uma escolha: continuar preso ou servir o exército na França. Ele escolhe a guerra. Antes de partir ele encontra com Cicília, que, mais uma vez, diz: volte, volte para mim. Eles vislumbram um futuro feliz depois de tanto sofrimento.

Nesse meio tempo Briony completa seus 18 anos, também vai estudar enfermagem, serve como enfermeira em um hospital que recebe feridos, mas é constantemente assombrada com as consequências de seu testemunho. Ela continua escrevendo um livro que começou naquele fatídico dia, que é muito mais um diário, uma ferramenta para reparar seu erro do que uma obra a ser lançada.

Ela tenta se resolver com a irmã, especialmente quando finalmente se dá conta que quem atacou (estuprou) Lola naquele tempo não tinha sido Robbie, mas sim Paul Marshall, amigo de Leon que havia ido para a casa como convidado naquela noite.

O livro dela acaba sendo o seu último romance publicado, momento em que finalmente pode mostrar para o mundo o que fez, esclarecer a verdade, mas também onde pode dar um pouco de felicidade a Robbie e Cecilia.

Ele não sobreviveu a guerra, fez parte dos muitos soldados presos a praia de Dunkirk, morrendo muito mais de desidratação no último dia de evacuação. Ela morreu quase em casa, no metrô inundado pela água da represa atingida por uma bomba.

Eles nunca viveram o amor deles plenamente e Briony viveu culpada.

A forma como essa história é contada talvez seja uma das razões para ter se tornado um clássico, porque prende atenção, faz o público querer saber a outra versão. Isso porque primeiro mostra como Briony presenciou, depois mostra o que realmente aconteceu, juntando as peças.

E as cenas finais causam uma estranha sensação de impotência, que cabe perfeitamente na trama, finalizando um drama muito bem contado, com a dose certa de emoção. As pistas que são dadas do começo ao fim nos fazem entender ou supor a inocência de Robbie, mas ver quem realmente é o culpado e que ele continuará impune e casado com a vítima é de cortar o coração.

Também é mostrada a “reparação” de Briony, ou seja, no livro dela ela fala que conseguiu falar com Cecilia e Robbie, retratar-se com eles, que havia voltado de Dunkirk e ela não teria morrido no metrô, vivendo na casa de praia de paredes brancas e janelas azuis, que tanto ele sonhou no leito de morte.

Quando é mostrado que isso é apenas a narrativa dela no livro o coração, que ainda está sangrando por ter visto Lola se casando com Paul, termina de se estraçalhar.

A reflexão do filme é algo bem útil para nossa atualidade: tomemos cuidado como interpretamos aquilo que vemos, por vezes nossa imaginação complementa o que não sabemos, isso pode prejudicar seriamente as pessoas em volta.

Não posso terminar sem falar desse elenco, outra razão de ser um clássico dos anos 2000, segundo pesquisas feitas por mim mesma, da minha cabeça =P

Briony é vivida por três atrizes, porque ela aparece em três momentos da vida. Saiorse Ronan é Briony com 13 anos, tendo sido o terceiro filme da carreira dela e o primeiro que a fez se destacar em filmes de grande porte, depois disso veio “Hanna”, “Brooklyn”, “Lady Bird”, “The Seagull”, “Adoráveis Mulheres”, dentre outros.

Romola Garai vive Briony de 18 anos, ela é conhecida por obras como “Dirty Dance 2: Noites de Havana”, “As Sufragistas” e “Emma” (a série de 2009). Vanessa Redgrave é Briony idosa, lançando seu último romance, e ela tem uma carreira com grandes títulos, como “O Retorno a Howards End”, mas eu conheço pelo delicado “Cartas para Julieta”.

Keira Knightley de novo nessa coluna? Lógico, rainha dos filmes de época dramáticos que eu amo. Ela dá vida a Cecilia, arrogante no começo, mas apaixonada e destemida, sem medo de dizer o que pensa e de amar quem ama.

O par romântico, o sofrido Robbie, é vivido por James McAvoy. Ele é um dos atores que ganham o público (no caso, eu mesma) só pela intensidade no olhar, não atoa ele ganhou destaque com o famoso “Fragmentado” e suas 21 personalidades. Além disso, é a versão jovem de Professor Xavier na franquia “X-Men” e está em “It, a Coisa – Capítulo 2”.

Juno Temple vive Lola e Benedict Cumberbatch Paul Marshall. Na primeira vez que assisti “Desejo e Reparação” eu não os reconheci, mas assistindo novamente foi difícil ver a fadinha verde de Aurora (em “Malévola”) ser atacada pelo Dr. Estanho.

Aliás, é difícil para mim ver Cumberbatch em um papel tão cruel, até em “12 Anos de Escravidão”, em que ele vive um senhor de escravos, ele não tem uma personalidade ruim de fato.

Harriet Walter interpreta a mãe de Cecilia e Briony, ela é conhecida por trabalhos como “Star Wars – Episódio VII”, “A Jovem Rainha Vitória”, “Razão e Sensibilidade”, mais recentemente, “Killing Eve”.

Duas participações menores merecem o destaque. Primeiro Alfie Allen, conhecido por “Game of Thrones” e “Jojo Rabit” deu vida a Danny, o filho do caseiro que, aparentemente, gostava de Briony. Fiquei com a impressão que, se tivesse tido espaço, ele teria sido para Briony o que Robbie foi para Cecilia (sem os desencontros).

E, por fim, mas não menos importante, Brenda Blethyn vive Grace Turner, mãe de Robbie. O curioso é que dois anos antes, em 2005, ela foi a mãe de Keira Knightley, a Sra. Bennet de “Orgulho e Preconceito”.

Mesmo com o fim trágico, vale a pena ver o amor de Robbie e Cecilia e o icônico vestido verde da fatídica noite.

Até mais!

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