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O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro

O Gigante Enterrado, de Kazuo Ishiguro
  • Publisheddezembro 13, 2016

Ambientado em uma Inglaterra medieval e fantástica, habitada por ogros, duendes, cavaleiros e uma dragoa, Ishiguro conta a história de Axl e Beatrice, um casal de idosos que sai em uma jornada até a aldeia de seu filho. Tanto bretões como saxões são afetados por uma névoa que apaga o passado da memória de todos. Quase ninguém se dá conta de que suas memórias são apagadas dia após dia, e o casal, talvez, sejam os únicos na aldeia que percebem o que de fato está acontecendo. Axl ama a sua mulher, e a chama carinhosamente de princesa. Mas um sentimento forte e rancoroso quer despertar e isso possivelmente abalará a vida dos dois. O mesmo acontece com Beatrice, mulher gentil e preocupada com o homem com quem está casada. Os dois se lembram de uma discussão que tiveram, após Beatrice sugerir que eles fossem visitar a aldeia do filho. Axl não recorda desse tal filho e pergunta-se se de fato esse filho existe. Essa névoa do esquecimento afeta de forma sutil mas cruel a todos que, mesmo quando começam a lembrar-se de algo do passado, no mesmo instante pensam na possibilidade de estarem fantasiando. Mas, após uma conversa onde o casal vai costurando o passado com pedaços fragmentados, decidem-se a viajar até a aldeia do filho, que, aparentemente, não sabem onde fica.

A fantasia apresenta-se de forma sutil, e é muito compreensível que seja assim. Não convém exigir ações frenéticas com elementos fantásticos entrando em cena a cada parágrafo, em uma narrativa onde o assunto principal seja a perda da memória, o que o passado pode revelar e como ele pode destruir a ordem das coisas e como ele põe o amor que uma pessoa sente por outra em dúvida. Até chegar à aldeia do filho, o casal de bretões param em uma aldeia saxã onde todos estão perturbados com a notícia de que ogros demoníacos raptaram uma criança. Axl e Beatrice conhecem o valente guerreiro saxão que libertou a criança da prisão dos ogros, o misterioso Wistan. O saxão acompanha os velhos, pois o menino Edwin que havia sido salvo por ele agora corria risco de morte na aldeia onde vivia, e juntos continuam a jornada que trará revelações assustadoras sobre os padres que viviam em uma antiga fortaleza e o terrível embate de um contra vários. Além do menino e do guerreiro, o cavaleiro sobrinho de Arthur, Sir Gawain, os protege de males futuros, como o perigo que enfrentam em um túnel subterrâneo ao fugirem dos homens do lorde Brennus.

Quando sai da aldeia, o passado vem de forma desconexa à mente de Axl, e este começa a ter uma ideia do que pode ter acontecido no passado e o mesmo acontece com Beatrice. Não sabemos ao certo se as lembranças dos personagens sobre o seu passado é de fato verdadeira, pois como podemos confiar se eles são afetados pela névoa do esquecimento? Mas conforme a narrativa prossegue, podemos ter alguma ideia sobre o passado deles. As divagações também são um empecilho para descobrirmos quem são aqueles velhos bretões e o que de tão assombroso aconteceu com eles. Wistan é um homem misterioso e, todas as vezes que conta algo de sua vida, nunca é de forma concreta. Ele solta uma coisa aqui e outra ali, mas sem revelar o real motivo dele estar tão longe de sua terra saxã. Também desconhece o que causa a névoa, mas logo sabemos que se trata de um blefe. Apesar de ter simpatia pelo casal bretão, jura ódio a todos os bretões. Sua missão, revelada no final do livro, é cruel para todos.

O título do livro não poderia ser outro, e acho que ele diz muito sobre o mistério que envolve toda a história. E, quando o gigante acordar, será caótico. E essa névoa do esquecimento, não como a do livro, mas uma mais nociva está nos afetando diariamente. Não é curioso nos esquecermos do que realmente importa? Ou será que nos esquecemos de coisas importantes por que queremos? Não é estranho o fato de que a amizade, a tradição, a família, o amor e os valores e virtudes estejam se perdendo dia após dia? E nessa aparente névoa, tudo aquilo que herdarmos dos nossos antepassados, está dando lugar à uma coisa mais perigosa, embora esteja embrulhada em um papel colorido e esteticamente belo.

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