
Lá no começo da minha cinefilia, eu não gostava muito dos filmes de David Lynch. Afirmava para os colegas de curso de audiovisual que ele fazia os filmes dele pra ele mesmo e a gente tinha que correr atrás de um significado pra fingir que gostou. Além de achar os filmes dele, particularmente, estadunidenses demais.
Hoje eu acordo encharcado de suor no meio da noite lembrando que eu tinha coragem de dizer essa barbaridade em voz alta. David Lynch é o diretor que conseguiu captar os sonhos, ou pesadelos, de todo o mundo e compilar em poucas horas em seus filmes. Isso, desse jeito, ninguém mais fez.
Já Wes Anderson sempre configurou entre meus diretores favoritos. Como era possível um texano de 40 anos fazer um filme para um mineiro de 15? Sua narrativa era universal! Seus dramas envolvendo mulheres paraguaias, adolescentes superdotados, crianças descobrindo o amor ou uma raposa que rouba galinhas dizia tudo e mais um pouco sobre o universo particular da minha juventude. Como um cara consegue desvendar tudo que eu penso da forma que eu penso?
Hoje eu acordo encharcado de suor no meio da noite lembrando que eu tinha coragem de pensar isso recorrentemente.

O Esquema Fenício talvez seja a maior prova que tenho razão sobre ter pesadelo com as minhas opiniões de adolescente. De uns anos pra cá, as últimas realizações de Wes Anderson têm sido criticadas por serem “mais do mesmo”, mas acredito que o problema recente de sua filmografia está em outro lugar. O diretor atingiu um patamar onde ele realmente não precisa pensar em seu público, que já é cativo, e pode fazer filmes para ele mesmo com histórias que só ele gosta e com diálogos, situações, piadas e insinuações que só ele entende. Se algum expectador enteder uma ou outra coisa? Parabéns.
Veja, eu não sou contra a pessoalidade em nenhum tipo de obra. A gente precisa tornar nossos trabalhos íntimos e eu só gosto de escrever textos que eu possa falar sobre mim mesmo. Essa história toda que você leu sobre o começo da minha cinefilia, é um recorte que escrevo pra mim, pra organizar minhas ideias. Se eu tentar me tirar do que escrevo, é mais fácil pedir para a Inteligência Artificial da vez escrever uma crítica do filme pra mim.
Mas pra você acompanhar meu raciocínio, eu tenho que te situar. Muitos parágrafos atrás eu já devia ter dito que O Esquema Fenício conta a história de Zsa-Zsa Korda (Benício del Toro), um homem que construiu sua fortuna de maneira criminosa, aplicando golpe em várias autoridades pelo mundo. Por conta de sua má-fama ele sofre repetidas tentativas de assassinato e após sobreviver a mais uma delas decide nomear sua filha Liesi (Mia Threapleton), uma noviça que ele não tem quase nenhum contato, como sua única herdeira, mas com a condição de que ela largue o convento e o ajude em um último grande esquema. E também tem o Michael Cera. E tantos outros atores famosos, mas principalmente o Michael Cera.

Viu, é assim que funciona uma crítica, a sinopse do filme não interessa muito. Mas ela tem que estar aqui para nortear a leitura.
Wes Anderson já entendeu como se faz cinema, isso a gente já sabe, mas isso não dá a liberdade dele romper com todas as práticas cinematográficas que ele queira (pelo menos não pra fazer um filme tão dentro da caixinha). Ele substitui uma boa contação de história pra ficar fazendo uma centena de piadas sobre pessoas, locais e referências que só ele mesmo entende e a gente fica lá no cinema tentando entender uma delas pra ver se podemos participar da patotinha do realizador. Quem sabe se eu entender uma piada específica do começo do século XX sobre granadas na Lituânia eu possa fazer uma ponta no próximo filme autorreferente do cara não é mesmo?
E é por aí que segue os seus longos 100 minutos de projeção: piadas e mais piadas que ninguém ri. Sequências de cenas que até você entender como elas se conectam umas às outras já começou mais um novo capítulo na história que ele finge querer contar.
Inclusive, indo ao contrário do que a maioria diz. Talvez a única coisa que nos situe e torne a experiência inteligível seja a linda estética repetida da maioria de seus outros filmes.

Por fim, o que experienciamos com O Esquema Fenício não deixar de ser aquela sensação de “mais um filme da história do cinema” e a gente só não sai da projeção com um gosto ainda pior na boca porque pelo menos Anderson soube a hora de terminar.
Quando aparece “epílogo” na tela, a gente torce pra que não demore muito, e não demora.
Nota 5/10
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