Crítica | O Escândalo

The Mike Douglas Show era um talk show de sucesso nos Estados Unidos nos anos 60. Era um programa regional transmitido apenas em Cleveland, mas devido ao grande sucesso se transferiu para a Filadélfia em meados dos anos 1960. Certa feita, um dos convidados do programa se impressionou com um dos produtores. O tal convidado era Richard Nixon e o produtor era Roger Ailes. Nixon não perdeu tempo e logo contratou o visionário produtor para assumir sua campanha presidencial em 1967. Ailes fez mágica e transformou o sisudo republicano em carismático político, culminando com a eleição de Nixon. Ailes começava ali uma carreira de sucesso como coordenador de campanhas televisivas de muitos candidatos nas próximas décadas, ajudando Ronald Reagan a ser reeleito em 1984 e lustrando a imagem de George Bush pai nas eleições republicanas de 1988, pavimentando sua eleição. No início dos anos 90, Ailes, o homem que praticamente mandava em imagem política nos Estados Unidos, volta a seu nicho primário fazendo televisão comercial novamente. Seu sucesso ininterrupto o transforma no CEO da Fox americana, um estágio a menos do todo poderoso Rudolph Murdoch. Um dos seus filhotes preferidos era o Fox News, programa baluarte da política conservadora e republicana. Ailes só faltava mandar chover. Até que um dia, um livro de 2014, acusou o mandachuva da Fox de assediar funcionárias, que se prestassem favores sexuais, ganhariam aumento e promoções. Em 2016, Gretchen Carlson, veterana âncora da Fox formalizou uma denúncia de abuso sexual contra Ailes. Uma enxurrada de acusações começou a inundar a reputação do outrora todo poderoso Roger Ailes. As denúncias de Gretchen Carlson e Megyn Kelly contra os abusos sexuais e morais de Roger viraram filme no chocante O Escândalo (Bombshell, 2020), dirigido por Jay Roach.

O filme conta a decadência moral do CEO da Fox, Roger Ailes, a partir de 2015, veterano da mídia que vê sua reputação ir aos ares devido a denúncias de assédio sexual e moral pela veterana e recém-demitida âncora da rede Fox, Gretchen Carlson, que depois de demitida resolve abrir o jogo e acusar Roger de anos de perseguição e assédio. Gretchen consegue testemunhas e depoimentos e a confirmação deles pela âncora política que cobre a campanha de Donald Trump, Megyn Kelly, torna sólida a denúncia e, juntamente com a iniciante produtora Kayla Pospisil, vítima recente de assédio de Roger, fazem uma campanha interna na Fox para derrubar o poderoso assediador.

Jay Roach em ritmo frenético, quase em tom jornalístico e documental, passa para a telona uma ferida recente da mídia televisiva norte-americana, o famoso caso Roger Ailes. Seu grande mérito é passar uma manada de informações e denúncias em quase duas horas que parecem minutos tamanha velocidade e dinamismo de edição. Mesmo assim, o filme com roteiro afiado de Charles Randolph, com tiradas precisas e forte argumento ainda deixa um pouco confuso quem não está inteirado profundamente no grave caso de assédio que abalou os Estados Unidos. Por mais que ele use explicações rápidas em narrações ou flashbacks parece que no filme ainda falta alguma coisa a mais.

Porém, se o filme se perde um pouco em soluções mais pragmáticas para o roteiro e edição final, não podemos nos queixar da trinca excepcional de atuações das três protagonistas do filme. Três gerações de talento reunidas numa química regada a muita maquiagem, é claro, mas sobrando talento. Charlize Theron está fantástica como Megyn Kelly, a poderosa âncora da Fox que literalmente prega o caixão em Roger. Tudo nela funciona, semelhança com a jornalista da vida real, seu tom de voz, sua presença forte, enfim, gigante atuação de uma atriz que dispensa mais comentários. Nicole Kidman está muito bem também como a “veterana” Gretchen Carlon. Nicole é mais comedida, mas encarna com genialidade única a pivô do caso. Margot Robbie como a conservadora e ambiciosa Kayla Pospisil encarna um papel difícil, na única personagem fictícia do filme, mas que representa o que era o inferno: as mulheres que queriam subir na emissora e como eram submetidas aos excessos maníacos sexuais do CEO Roger. Aliás, John Lithgow está brilhante e quase irreconhecível como Roger Ailes, com ares de médico e monstro, onde fica aquela pergunta como um cara tão genial podia ser tão baixo, realmente escroto. Fica também a nota de um Malcolm McDowell fazendo um Rupert Murdoch, papel pequeno, mas é sempre bom, ironicamente falando, ver quem um dia fez Alex de Large, o delinquente de Laranja Mecânica, no papel de um bilionário das comunicações – viva o cinema.

O Escândalo é um filme perfeito para o nosso momento. Não se limita a levantar bandeiras e sim é um filme denúncia que mostra com crueza o que os bastidores da velha mídia e seus dinossauros poderosos podiam fazer com as pessoas. Roger vive a velha televisão onde o poder e status dele lhe davam uma licença moral para fazer praticamente tudo. Mas graças às denúncias corajosas de mulheres que, sem medo de enfrentar a besta, conseguiram mudar o rumo da história. Se o filme peca em não ir mais ao fundo e ser mais elucidativo, ele é um filme de atuação, onde todo mundo que está ali faz e muito bem seu papel nos passando uma mensagem de que graças ao barulho podemos calar o oprimido silêncio.

Sinopse: Estrelando as vencedoras do Oscar®, Charlize Theron e Nicole Kidman , os indicados ao Oscar® John Lithgow e Margot Robbie, baseado no verdadeiro escândalo, `O Escândalo´ traz um olhar revelador dentro do mais poderoso e controverso império de mídia de todos os tempos, com a história pulsante das mulheres que afrontaram e derrubaram um infame homem à frente deste império.

Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Allison Janney, Malcolm McDowell, Kate McKinnon, Connie Britton, Liv Hewson, Brigette Lundy-Paine, Rob Delaney

Direção: Jay Roach

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