O derradeiro Natal – “A Última Noite”

Sabe aquela sensação gostosa de assistir um filme de Natal, cheio de esperanças e sentimentos bons? Não é exatamente assim que “A Última Noite” nos faz sentir.

Esse longa acaba de chegar ao Brasil por distribuição da Paris Filmes, foi escrito e dirigido por Camille Griffin, contando com grandes nomes (que vou revelar daqui a pouco) e uma história nada natalina, mas que prende a atenção até o final.

A trama começa bem como filme de Natal, pessoas que têm alguma relação entre si estão indo passar essa noite especial em uma casa juntos, como forma de tradição pessoal.

Neste caso, a casa onde todos vão se reunir é de Nell e Simon, pais de Art e dos gêmeos Hardy e Thomas, eles vão receber amigos da época do colégio, quando todos se conheceram, e suas respectivas famílias: Sandra, Tony e a filhinha (insuportável) deles, Kitty; Bella e a namorada, Alex, que vem enfrentando obstáculos pessoais; e James com a namorada bem mais nova, Sophie.

Tudo parece certo, exceto, lógico, as intrigas internas que já fazem parte do grupo. Por exemplo, ninguém suporta Kitty, nem os pais, mas todos fazem cara de paisagem e fazem os gostos da menina. Ah, e também tem a implicância em Sophie, que começa incentivada pelo ciúme reprimido de Sandra por James.

Mas o clima está mais pesado por algo que todos tentam evitar falar ou se preocupar de verdade. Há uma nuvem de gás tóxico avançando pelo mundo, que já havia matado boa parte do mundo, sua origem não é bem conhecida, o governo do Reino Unido (onde se passa a trama) diz que são os russos atacando o mundo, mas alguns cientistas afirmam que é fenômeno da natureza, devido à exploração sem medidas de seus recursos.

O senso comum afirma que a morte por esse gás é certa e dolorosa, então o governo distribuiu pílulas para a população em geral, para que as pessoas morrerem com “dignidade”. Em outras palavras, não encontraram uma solução, então estão induzindo o suicídio da população.

O objetivo desse encontro de Natal em Nell era para que todos pudessem se despedirem entre si e tomarem as pílulas pela manhã, previsão para que a nuvem chegasse na casa onde estavam. Mas duas pessoas discordam, Sophie e Art, cada por motivos diferentes, mas isso faz com que os últimos momentos sejam piores e que a implicância na moça aumentasse.

Art, embora muito novo, questionava toda a aparente lógica por trás da pílula, queria encontrar uma forma de provar que poderiam sobreviver ao gás, mas não tinha recursos para fazer isso. Ele se revoltou porque ninguém o dava ouvidos, ele falava da Rainha, citou os moradores de rua (que não tinham recebido a pílula), acusou a mãe de querer o matar … Enfim, um pequeno rebelde que poderia ter razão (ou não).

É muito interessante ver a evolução dramática e de terror psicológico que o filme tem, mesmo durando apenas 1h30. Começa tudo bem, até com clima leve, tem cena que até parece propaganda de maquiagem de tão leve, mas as camadas de drama vão se acumulando, a sensação de que algo ruim realmente está para acontecer vai aumentando até o clímax.

A história do gás me pareceu ter sido inspirada na pandemia do COVID-19, mas a estória já havia sido escrito antes de tudo, até as filmagens já haviam terminado antes do primeiro lockdown no Reino Unido. Cômico como a imaginação das pessoas pode ser tão real, com coincidências como essa.

Sabem o que é mais cômico? Era um gás, algo que estava no ar, então a bendita MÁSCARA poderia pelo menos ter ajudado (adaptada, lógico)!

Também fiquei com a impressão que a escritora/diretora se inspirou em uma música de Natal, “Silent Night”, que nós conhecimentos como “Noite Feliz”, porque esse é o título original do filme. Além disso, a trilha sonora é formada de músicas natalina tocadas em versões mais tranquilas, incluindo “Silent Night”.

Um ponto que chamou minha atenção foi que a trama é contemporânea, passava em 2020 (ano que as gravações terminaram), mas toda ambientação tinha clima de filme de época, inclusive os trajes da maioria dos personagens. 

Tem um momento que até achei que era de época, algo relacionado a Segunda Guerra Mundial (quando tinha ameaça de gás tóxico e câmara de tortura com isso), mas daí Art começa a olhar o iPhone escondido, depois fazem chamada de vídeo para a mãe de Nell, além de umas falas se referindo a aplicativos, video game e afins.

Essa evolução que comentei anteriormente, entre uma quase comédia romântica no comecinho e um terror psicológico do meio para o final, exigiria atores que soubesse fazer essa transição muito bem, senão a estória engoliria o elenco. Não aconteceu porque a escolha foi perfeita, com uma coleção de nomes já conhecidos.

Nell é vivida por Keira Knightley, perfeita em tudo que se propõe a fazer, não tenho mais palavras para a descrever, fã de carteirinha desde “Piratas do Caribe” e “Orgulho e Preconceito” (e etc). Seu marido, Simon, é vivido por Matthew Goode, repetindo a parceria vinda de “O Jogo da Imitação” e “Segredos Oficiais”.

Por serem os anfitriões, Nell e Simon tentam transparecer calma e tranquilidade, o que vai mudando cada vez que Art questiona alguma coisa, até Simon atingir o total desespero.

Art é vivido por Roman Griffin Davis, famoso por dar vida ao pequeno Jojo, em “Jojo Rabbit”, repetindo a grandiosidade de sua atuação, mesmo tão novo, na idade e na carreira. Art tem um colapso nervoso em algum ponto da trama e é realmente agonizante, poucos atores conseguiram fazer aquelas cenas sem se tornar caricato (com pouca experiência).

Detalhe interessante: a diretora, Camille Griffin, é a mãe de Roman, ela quem o dirigiu nas tais cenas agonizantes. E não para por aí, os irmãos de Art, os gêmeos Hardy e Thomas, são interpretados pelos irmãos de Roman da vida real, os outros dois filhos de Camille: Hardy Griffin Davis e Gilby Griffin Davis.

Um trabalho tranquilo em família, só envolve um apocalipse, de boas!

O segundo núcleo familiar (fictício) é formado por Tony, Kitty e Sandra. Tony é vivido por Rufus Jones, conhecido mais por trabalhos na TV. Kitty é interpretada por Davida McKenzie, sendo esta sua estreia nos longas, seguindo os passos de sua irmã, Thomasin McKenzie, que também estrela “Jojo Rabbit”.

Sandra é interpretada por Annabelle Wallis, famosa por ser a Grace Shelby (viva e fantasma) em “Peaky Blinders”. Foi muito bom ver outra “face” dela, Sandra é exagerada, egoísta, superficial e até cruel, com um disfarce cômico, uma personagem que eu não esperaria de Annabelle Wallis e ela fez muito bem, destacando-se até mais do que sendo uma mocinha/heroína.

O casal Bella e Alex é vivido pelas atrizes Lucy Punch e Kirby Howell-Baptiste. Lucy é conhecida por filmes como “Caminhos da Floresta” e “Professora Sem Classe”, já Kirby é conhecida por “The Good Place” e “Cruella”. Aparentemente Lucy era o alívio cômico, usando o sarcasmo seco inglês, o que foi bom e bem complementado pela serenidade da atuação de Kirby.

O último casal é James e Sophie, vividos por Ṣọpẹ Dìrísù, conhecido por “O Caçador e a Rainha do Gelo” e “Gangs of London”, e Lily-Rose Depp, conhecida por “O Rei” (ao lado da irmã de Davida McKenzie) e “Voyagers”.

Particularmente, amei ver Keira Knightley em um filme de Natal mais uma vez, mas ainda a prefiro olhando para os cartazes de “Simplesmente Amor”.

“A Última Noite” é uma produção bem feita, com rostos que amei ver reunidos, mas quem está agoniado com a pandemia, variantes e demais complicações atuais (especialmente nós, brasileiros), talvez seja muito fora da zona de conforto.

Até Mais! 

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