O Debate – política e convívio familiar em um filme equivocado.

Antes de quaisquer críticas sobre o longa-metragem, deixo claro que essa foi uma das mais difíceis análises que já fiz, seja por causa da organização temporal do filme, seja por causa da ausência de bom senso ao lançar um filme tão politizado e embutido de ideologias às véspera das eleições presidenciais. 

Feitas as observações, vamos ao review…

Mais uma produção do cinema nacional, cuja estreia está programada para o dia 25 de agosto, O Debate é uma obra ficcional que busca retratar os bastidores de uma bancada jornalística composta por um ex-casal. É bem fácil identificar – inicialmente – os comportamentos e ideologias de cada um. Paula (Débora Block) é a âncora do programa, uma mulher de opinião forte, cujo ódio por um dos candidatos a faz gravitar entre o profissionalismo e o radicalismo. Marcos (Paulo Betti) é o diretor responsável pelo programa, um homem movido pela certeza de que a hora é para agir com frieza e inteligência, já que ações impensadas como a de Paula podem condenar os dois ao limbo do desemprego.

A trama mostra os entraves que envolvem a produção de um debate eleitoral à presidência. Obviamente isso não ocorre com total isenção, já que Paula, a jornalista, tem opiniões radicais sobre um dos candidatos

Tensão no ar.

Paula e Marcos são pessoas influentes. Seus trabalhos dão informações que podem conduzir outras pessoas em seus pensamentos, isto é, as notícias veiculadas tendem a formar a opinião dos espectadores. Ciente disso, Paula insiste em lançar uma pesquisa de opinião que tem conteúdo e resultado duvidosos, apenas por ter raiva do candidato de “extrema direita”. Paulo, por sua vez, não quer ver a carreira e, talvez, a liberdade irem por água abaixo, já que acredita piamente que há a possibilidade de que estejam sendo espionados.

Seja como for, a verdade é que eles também são frutos das próprias narrativas e crenças. Os resultados negativos da pandemia e do isolamento são sentidos mesmo após a situação ter melhorado. Eles ainda nutrem o medo do retorno da doença, sobretudo por haver uma nova cepa do vírus.

No conforto do claustro

Apesar de ser uma obra ficcional, é evidente que a produção de O Debate tem como base para sua história os árduos anos que englobaram a pandemia de Covid-19. Isso fica claro nos diálogos e na degradação do relacionamento de Paula e Marcos. Eles, assim como milhares de outros casais no Brasil, não resistiram ao confinamento obrigatório que a pandemia e os governantes impuseram.

Mesmo sendo donos de uma condição social atípica à maioria da população, dotados de recursos financeiros e de conforto, eles não obtiveram sucesso frente ao caos que é viver confinado com outra pessoa. Séries, livros, exercícios e todo tipo de fuga dessa situação se mostraram ineficientes, já que o isolamento pode trazer o melhor e o pior de cada um de nós.

Balança.

Paula e Marcos são versões contrárias um do outro. Paula é a alarmista, preocupada com as sequelas da pandemia, revoltada com ações do Governo e uma opositora ferrenha ao mesmo. Marcos, por sua vez, é um cara mais pé no chão, politizado e menos afeto ao descontrole que o isolamento e o medo impuseram à população. São, em essência, opositores do Presidente que concorre à reeleição, sendo que Marcos tem consciência de que o candidato dele, o candidato de oposição e que já foi Presidente, também não é flor que se cheire.

Há, durante boa parte do longa, uma conversa ríspida e tensa entre os dois, sempre pautada pelo uso correto da imprensa (por parte de Paulo) e pelo uso da mesma como forma de manipular a opinião do grande público.

Em suma, a balança estará equilibrada até que um dos dois ceda.

Temas complexos.

A abordagem de temas delicados e complexos como aborto, relacionamentos abertos, liberação das drogas, liberação do porte de armas e outros são pautas durante várias passagens da obra. Paula é a defensora da liberdade sexual, do aborto e de mais alguns temas polêmicos. Marcos, entretanto, não apoia isso. Ele sente na pele os efeitos negativos de algumas dessas “liberdades” e busca ser o mais próximo daquilo que taxamos como “conservador”. No entanto, ambos professam apoio ao candidato de oposição, o candidato da esquerda.

Em essência é fácil perceber que os dois têm pensamentos e ideologias conflitantes, algo corriqueiro nos dias atuais. Mesmo diante de tantas divergências, o ex-casal ainda trabalha junto, o que remete ao fato de termos que conviver com pessoas com atos e ideologias diferentes dos nossos.

Assim, com o decorrer da trama, um dos temas mais complexos é destrinchado na frente do público: a vida a dois e o fim desta. Com o uso de diálogos e flashbacks, Caio Blat (o diretor do longa) evidencia para os espectadores que não há relação duradoura sem diálogo e observação constante das pequenas dicas que a parceira ou parceiro dá ao longo do tempo.

“O último capítulo (da vida) tem que ser o melhor de todos. Ao invés de pensar sobre o que já fez, é melhor pensar sobre o que fará. Você está vivo!” – diz Paula para Marcos.

Conversas e fumaça.

O “fumódromo” da TV Nacional, local onde os protagonistas trabalham, é o ponto de encontro para os debates mais pertinentes. Apesar de uma maior presença de diálogos favoráveis à oposição (leia-se aos esquerdistas), há vários diálogos onde as críticas ao ex-presidente que nada fez são bem impactantes. Para ser sucinto, vejo que o filme busca a todo instante mostrar que sempre teremos duas versões da história, restando a nós, coadjuvantes, optar por escolher qual se adequa às nossas crenças e ideologias.

Sequelas.

Um dos fatos mais corriqueiros em nosso país é a forma como a imprensa manipula seu público para acreditar em suas narrativas. Por meio da imprensa brasileira homens e mulheres ascenderam ou foram arremessados para o limbo da desgraça. A verdade é uma só (e isto está muito bem retratado em O Debate): uma imprensa imparcial e justa tende a ajudar o país a crescer; em contrapartida, quando os interesses escusos e as ideologias se sobrepõem à ética, os resultados são catastróficos.

Quando um veículo jornalístico tem poder de manipulação para modificar o pensamento de seus espectadores ou tem força para transformar uma mentira em algo crível, certamente o equilíbrio da balança da democracia estará ameaçado.

Os fins justificam os meios.

Como já citei, O Debate aborda não apenas o drama do último debate presidencial antes da eleição, mas também mostra os bastidores do jornalismo brasileiro. Partidarismo, ideologias, opiniões pessoais, crenças e até mesmo a ausência de caráter são partes desse mesmo jornalismo – segundo o filme – que tem sua parte extremista personificada por Paula, enquanto o lado mais conservador e comedido é mostrado por Marcos.

Mesmo não concordando totalmente com o Presidente que é candidato à reeleição (uma clara indicação de que se trata de Jair Bolsonaro), Marcos não quer contrariar a verdade que está a sua frente: ele é o candidato com mais popularidade e o mais convincente. A centelha da dúvida paira na mente dele que, como dito antes, ainda é um apoiador do candidato da esquerda (cada vez mais identificado como o Lula).

O longa-metragem se encaminha para uma luta de opiniões e egos entre Paula e Marcos. Além dos problemas pessoais que os levaram à separação, as convicções políticas e profissionais deles também destoam.

O único porém está no fato de que Marcos ainda nutre amor por Paula. Diante do entrave sobre apoiar as opiniões da ex-mulher ou optar por ser imparcial diante das narrativas expostas no debate político dos candidatos, está sob a tutela desses ex-amantes a chance de influenciar no resultado das eleições ou permitir que o povo escolha livremente quem o governará por mais quatro anos.

Tendencioso?

Apesar de ser nomeado como O Debate, este filme não foca no debate entre os candidatos. Na verdade, o debate em si ocorre entre Paula e Marcos. Suas dúvidas, certezas, raivas, amores, a lucidez e a loucura… tudo isso permeia o parlatório entre eles.

Entretanto, um ponto que me incomodou muito durante toda a projeção do filme foi a forma usada para apresentar e narrar os feitos de cada candidato. O atual presidente é mostrado quase que integralmente como uma pessoa instável, suscetível a todos os “ista” (fascista, racista, machista, etc) que a imprensa e uma parte dos políticos, banqueiros e juristas brasileiros resolveram taxá-lo.

Por sua vez, o candidato opositor é mostrado como alguém que também cometeu erros, ainda que estes não sejam vociferados, anunciados de forma explícita por aquele que faz o papel de “acusador” no filme, isto é, Marcos. Há uma abordagem branda a todos os estragos feitos por Lula, sempre mostrados de forma rápida e debatidos sem o ranço mostrado por Paula (e até mesmo Marcos) contra o atual presidente.

Lançar um filme como esse em plena campanha eleitoral é dar munição para os que já buscam motivos para a desordem. Ainda que O Debate tenha protagonistas interessantes, cujos intérpretes foram muito bem na personificação de suas personagens, não há como desvincular a obra de uma propaganda negativa contra o atual Presidente da República. Proposital ou não, o fato é que esta crônica dos dias atuais (com sua dose de ficção ao incluir um avanço de uma variante do Covid) poderia acrescentar mais como um debate sobre as sequelas da pandemia, do isolamento obrigatório e das intrigas políticas que levaram governadores, Supremo Tribunal Federal, prefeitos, Câmara, Senado, banqueiros, imprensa e empresários a fomentar o ódio contra Bolsonaro.

Creio que O Debate perdeu uma grande oportunidade de ser um objeto de questionamento e reflexão sobre o período mais difícil para a humanidade, sem que isso soasse como propaganda política. Talvez o pouco tempo de filmagem e a visível falta de recursos, além da pouca experiência de Caio Blat na direção, tenham colaborado para transformar um drama sobre relacionamentos em uma campanha gritante a favor da Esquerda.

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