O filme O Banquete [2018], da diretora e roteirista, Daniela Thomas, é um suspense psicológico que muda gradativamente até se revelar, ao final, um drama.
Passado no Brasil do final dos anos oitenta, retrata um jantar de amigos e conhecidos para comemorar os dez anos de casados de Mauro (Rodrigo Bolzan) e Bia (Mariana Lima). Um evento que, descrito assim, soa normal e inócuo e que já foi explorado em diversos outros filmes como Perfeitos Desconhecidos [Perfetti Sconosciuti, Itália, 2016]. A primeira cena do filme, contudo, dá o seu tom. Nela, uma mosca anda desatenta por sobre uma planta carnívora, até ser capturada. A tensão está presente desde aquele primeiro momento, embora o espectador ainda não saiba os motivos.
Integralmente filmado em uma sala de jantar, sua forma narrativa e estética são as de uma peça de teatro. Daniela tem fortes raízes nos palcos, tanto como diretora quanto como coreógrafa. A composição do cenário claustrofóbico – um espaço com paredes de concreto armado, teto baixo e sem janelas – transmite ao público a ideia de asfixia e prisão.
A trilha sonora dissonante e sem ritmo, que aparece em poucos momentos do filme, é utilizada apenas para marcar cenas específicas e acrescer inquietação.
A história tem referências evidentes e outras nem tanto. A primeira, indicada pelo próprio título, é o texto clássico de Platão. Nele Sócrates, Fédon e outros, reunidos na casa de Agatão, acabam discutindo Eros, o deus do amor. E o amor, suas consequências e formas de manifestação, são o tema central da narrativa do filme. A segunda, é o conto Os Mortos, de James Joyce, uma história de sutilezas e descobertas de um casal, que se passa em um noite de festas.
O filme abusa de planos fechados, que servem para destacar as atuações de cada artista. O trabalho de câmara é todo realizado para os atores brilharem. E eles brilham.
A melhor é Drica Moraes. Ela interpreta Nora, a anfitriã e organizadora do jantar. O encontro ocorre no exato dia em que Mauro, editor de um grande jornal, publicou um editorial contra o presidente Fernando Collor de Mello e está em vias de ser preso pela aplicação da Lei de Imprensa.
Há, portanto, uma clara vinculação entre o personagem e Fria, muito embora não se consiga precisar até que ponto as histórias de ambos se confundam. Esta vinculação é tão evidente, que a morte de Frias, no dia 21 de agosto deste ano, fez com que Daniela Thomas retirasse o filme da mostra competitiva do Festival de Cinema de Gramado. Segundo ela “o momento [seria] inoportuno para o encontro de ficção e realidade e as possíveis interpretações equivocadas que a ficção pode suscitar”.
A trama política é utilizada para acrescentar um elemento de tensão – a sensação de que a vida daquelas pessoas pode mudar no dia seguinte. É este pensamento que impulsiona os personagens durante a noite, onde os laços e a história dos personagens se revela aos poucos, de acordo com a chegada dos convidados de Nora.
A excelente atuação de Drica é secundada pelas ótimas atuações de Caco Ciocler, que interpreta seu esposo, um advogado fraco e bêbado, com um sentimento de adoração por Mauro. Os três foram colegas de faculdade, fato que define grande parte da trama. Há, ainda, Fabiana Gugli, uma crítica de teatro e ex-amante de Mauro; Gustavo Machado, um inteligente articulista do jornal, homossexual declarado, que concede um leve alívio cômico à tensão crescente, Ted, (Chay Seude) o garçom que a tudo observa; Bruna Linzmeyer e Georgette Fedal, com papéis secundários, mas que compõem bem o caleidoscópio de personalidades ao redor da mesa.
O Banquete é um filme que se desenvolve de forma lenta e que deve ser assistido com atenção aos detalhes, onde gestos e olhares explicam a trama tecida pelo amor e executada pela fraqueza humana.