Noturno. O terror no traço de Salvador Sanz.
Por: Franz Lima.
Salvador Sanz é um desenhista e roteirista corajoso. Suas obras são sempre impactantes e até mesmo desagradáveis no melhor sentido, já que se tratam de histórias de terror e, definitivamente, ser desagradável é um adjetivo positivo quando falamos de medo. Noturno é um de seus trabalhos mais recentes onde assina o roteiro e desenhos. Caso não conheçam nada ainda de seus trabalhos, leiam a resenha de Legião, publicada também aqui.
O que me cativou na leitura de Noturno é o suspense embutido na trama. Desde a primeira cena há algo no ar que parece indicar que o caos se aproxima. Conforme a leitura prossegue, isso se confirma. Mas tudo ganha ares de um terror bem feito com o auxílio das detalhadas e belas ilustrações de Sanz. Há personagens que lembram monstros do universo de Hellraiser, totalmente corretos com o universo proposto nessa história.
Sanz consegue dosar uma narrativa fluente com arte despretensiosa em certos trechos e absurdamente detalhada em outros. Mas não é nos traços que devemos nos ater, já que o roteiro dessa graphic novel – que une suspense, terror e um cotidiano possível de acreditar – é o trunfo que o autor usa muitíssimo bem.
Então, que tal conhecer mais sobre o roteiro e a arte de Noturno? Preparem-se…
A arte de Salvador Sanz em Norturno.
Algumas das ilustrações de Sanz beiram a loucura. São cruas, destemidas e mostram exatamente aquilo que o leitor de terror quer ver. As criaturas resultantes de fusões entre homem e animal são, invariavelmente, nauseantes e causam mal estar.
As representações de humanos são mais simples na maior parte da história, principalmente na face, tendo algumas passagens onde o realismo é mais visível. As paisagens e construções ganham muita atenção por parte de Sanz, além de roupas e uniformes.
O traço em preto e branco é muito bom, mesmo em algumas partes cujo visual seja simples. Quando li a HQ tive a impressão de ver uma arte próxima a de Kelley Jones e, em outras ocasiões, mestres do terror são convocados e homenageados.
Similaridades visuais.
Esta graphic é claramente inspirada em alguns dos maiores sucessos da ficção-científica, terror e até no cinema. Há traços que remetem a Matrix, outros lembram o clássico filme Tropas Estelares e há o visceral presente em Hellraiser. Alguns pássaros têm a aparência parecida com as corujas de guerra da animação A Lenda dos Guardiões, enquanto outras lembram o monstro do filme A Mosca, com Jeff Goldblum.
A trama.
Noturno aborda uma suposta invasão de seres de outra dimensão. São criaturas aladas que querem dominar nosso mundo de forma silenciosa. Elas vêm ao nosso mundo por intermédio de um mago chamado Duque Cempés. Ele é um suposto ilusionista que tem o poder de enviar humanos para seu mundo e trazer pássaros para o nosso. Dois dos humanos enviados se chamam Lúcio e Lúcia. Cada um tem seus próprios problemas e, por algum tempo, não acreditam que realmente sofrem a mutação e se transformam em pássaros por um tempo.
As coisas passam a dar errado quando Lúcio desperta no mundo dos pássaros. Ele vê o inferno que aguarda a Terra e sabe que sua visão não é fruto de um sonho. Neste universo paralelo, Lúcio recebe uma inesperada ajuda de uma das primeiras experiências em transmutação… cujo resultado foi caótico.
Perdido de Lúcia, ele resolve buscá-la a todo custo. Juntos, talvez, eles possam acabar com essa invasão. Mas não contavam com a interferência de Cirilo, um cara que ajudou Lúcia algum tempo atrás. Cirilo alimenta uma obsessão por ela, além de começar a sentir o desejo de ser um dos Noturnos.
Guiados por Cempés, uma grande quantidade de Noturnos, sempre em pares, é convocada para uma região onde haverá uma suposta demonstração de hipnose e ilusionismo. Trata-se da cartada final do mago para trazer o mais poderoso dos pássaros para nosso mundo. Esse é o ponto onde Salvador Sanz se supera na narrativa gráfica com imagens fortes e terríveis.
O que acontecerá com a Terra após essa invasão? Quais as origens desse povo pássaro? Conseguirão Lúcia e Lúcio impedirem os invasores ou eles se unirão ao inimigo? Para descobrir as respostas de todos esses questionamentos, leiam Noturno, pela Social Comics.
Pontos altos e baixos da história.
Há vários pontos altos. Entre eles estão as ilustrações, a riqueza de detalhes, a coragem em ambientar a trama na própria Argentina e, sobretudo, a ironia em representar os estadunidenses como “gringos”, indo na contramão das histórias mais comuns que preferem assumir um tom de quadrinhos norte-americanos (inclusive na caracterização e ambiente). As cenas exclusivamente em preto e branco também ajudam a ampliar o impacto visual, relembrando a extinta revista Kripta em certos passagens.
O único ponto fraco é o fim da hq que ficou abrupto e duvidoso, isto é, deixa margem para questionamentos sobre uma possível continuidade. Mas, no geral, Noturno é uma primorosa graphic novel de terror e suspense, consistente e muito bem feita.
A inclusão de cenas de sexo e também de violência extrema estão enquadradas na proposta da HQ e não foram postas lá para chocar, o que mostra a competência de Sanz na Nona Arte.
Noturno foi serializada na revista argentina Fierro entre maio de 2007 e julho de 2009, e dá início à Coleção Fierro da Zarabatana Books.