Neve Negra (Nieve Negra) é um surpreendente thriller de suspense hispânico-argentino, dirigido por Martín Hodara e com grandes nomes do cinema argentino como Ricardo Darín, Federico Luppi, Leonardo Sbaraglia e outros. O destaque espanhol fica por conta da linda e talentosa Laia Costa, do ator Mikel Iglesias que vive um Salvador adolescente e da jovem e talentosa Liah O’Prey cujo papel é o da jovem Sabrina, além de Iván Luengo que dá vida ao menino Juan, responsável pelo ponto de partida da trama.
O roteiro tem como base o reencontro de irmãos após o falecimento do pai. Um dos irmãos, Marcos (interpretado por Leonardo Sbaraglia) sai da Espanha e retorna à Argentina para tentar vender uma grande área que pertencia ao pai. Para isso, ele e sua esposa Laura (Laia Costa) terão que convencer o quase ermitão Salvador (Ricardo Darín) a concordar com essa venda. O valor surpreendentemente alto, 9 milhões de dólares, é um atrativo para qualquer um, porém Salvador é irredutível em sua decisão de não vender e permanecer na propriedade, apesar do clima inóspito e do isolamento do local.
Entretanto, o que parecia apenas um impasse entre irmãos por causa de uma herança, acaba ganhando ares de um drama muito bem concebido. Por que? Simples. O roteirista conseguiu tecer uma história que fala sobre a maldade humana, das consequências dos atos, o peso da mentira e, tecnicamente, trabalha o uso do flashback perfeitamente. Logo de início vimos um menino, Juan (Iván Luengo) ser morto. Quem o matou e os motivos são perguntas que o espectador levará toda a película para descobrir, porém adianto que vale cada segundo de espera. Antes de prosseguir, vamos a um rápido trailer para dar mais ênfase ao que diremos depois.
Neve Negra tem certas nuances que o tornam um filme memorável. A escolha de um elenco adolescente e infantil muito competente, somado à presença de um pai quase ditador interpretado por Andres Herrera, fazem com que o mistério por trás do passado da família permeie toda a trama e nos deixe sempre na dúvida sobre o que ocorreu. Isso ganha força com a teimosia de Salvador que não cede sequer ao apelo financeiro da venda da propriedade. Algo o prende àquele local e isso só piora as coisas entre ele e Marcos. Tudo isso é acompanhado de perto por Laura que não consegue entender a complexidade por trás de tal atitude.
No decorrer da narrativa, o espectador se deparará com revelações que aparecem gradualmente, fato que comprova a eficácia do script e da direção, muita tensão e um final que chocará pela crueza da realidade. Não há pretensão de impor lições de moral ao público. De forma simples e direta, o que se vê é a correlação entre erros e medo. Vocês irão se questionar acerca das motivações de cada um dos personagens e chegarão a conclusões que só ressaltam o quanto a índole humana é mesquinha. Vamos acrescentar a isso as belas locações, a trilha sonora que dá força ao clima de suspense e interpretações ótimas.
Usar desenhos da irmã de Marcos como recurso de narração foi uma tirada sensacional. Outro recurso perfeito está na transição entre as cenas do passado e do presente, isso comprova o apuro da direção e das equipes de apoio para transformar o que poderia ser mais uma “Sessão da Tarde” em uma obra de inquestionável qualidade, fluente e tomada pela tensão nervosa e suspense.
Esse filme poderia ter como subtítulo “crime e castigo”, ainda que nem sempre o julgamento venha no tempo que queremos. Uma obra à altura do nosso imortal Nelson Rodrigues.
Vingança, ódio, amor, cobiça, passado e presente, ações e suas consequências… tudo isso está embutido de forma correta e competente num filme que merece ser visto. Essa parceria entre Espanha e Argentina deu certo, mas o que mais deu certo é a relação entre espectador e filme, uma simbiose perfeita.
P.S.: o final do filme pode parecer brusco, porém não se deixe enganar. O que você verá é a manifestação humana de malícia e sede de poder.
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