Neve Negra é um filme escuro, sujo e opressivo. Nos seus noventa minutos, não espere ver um raio de luz ou uma cena luminosa. Tudo é sombra e meia-luz, incluindo os personagens.
O filme hispano-argentino começa com o casal Marcos (Leonardo Sbaraglia) e Laura (Laia Costa), grávida, retornando da Espanha para Argentina. O pai de Marcos morreu; a irmã, Sabrina (Dolores Fonzi), sofre de problemas psiquiátricos; o irmão, Salvador (Ricardo Darín), vive sozinho, quase como um ermitão, em uma cabana perdida no meio da neve, há trinta anos. Salvador foi abandonado lá pelo pai depois de ser considerado culpado pela morte do irmão mais novo, Juan, durante uma caçada.
Marcos recebe as cinzas do pai juntamente com o último desejo dele: quer permanecer ao lado de Juan, enterrado perto da cabana. Muito embora Marcos não queira se encontrar com Salvador, o irmão que não vê há muitos anos, tem ainda um outro motivo para visitá-lo. Há uma proposta milionária pelas terras que eram do pai e onde está localizada a cabana. Para realizar a venda, tem que convencer Salvador a aceitar o negócio.
A trama se desenrola lentamente. Talvez seja um pouco lenta demais. Flashbacks aos poucos revelam o que ocorreu no fatídico dia em que Juan morreu, bem como expõem o caráter e o passado de cada um dos personagens. Para o expectador atento e que está acostumado a tramas de suspense, há elementos que permitem antecipar parte do final da história.
O filme flerta, em alguns momentos, tanto pela estética quanto em sua caracterização dos personagens, com a obra de Lars von Trier, embora em nenhum momento tenha a mesma crueza da qual o diretor dinamarquês abusa. A caracterização dos personagens e os cenários são perfeitos, uma imersão no ambiente do sudoeste da Argentina.
Infelizmente, o personagem Marcos é mal explorado por Leonardo Sbaraglia e isso prejudica a dualidade e a dramaticidade das cenas entre ele e Salvador, vivido por Darín. Quanto a este, muitas vezes se deve dizer apenas o óbvio e o esperado. Está soberbo no seu papel, que foge ao modelo de homem urbano de meia-idade que geralmente interpreta. Em Neve Negra, por vezes, beira o irreconhecível, não fosse por seus olhos. Seria interessante ver uma interpretação efetivamente ruim de Darín para se ter algum parâmetro de julgamento. Já Laura, que completa o tripé de sustentação da narrativa, cumpre bem a figura de elemento estranho àquela trama familiar. Serve ora como motivo para as explicações sobre o passado ora como contraponto aos irmãos e, ao final, como condutora da própria narrativa. Seu papel cresce com o correr da trama e Laia Costa consegue sustentá-lo de forma convincente.
A trilha sonora serve apenas para acentuar o tom dramático e opressivo. O silêncio é largamente utilizado, como de regra em filmes rodados na neve, acentuando a sensação de isolamento dos personagens. Aliás, o filme tende para o drama, embora a construção do seu roteiro, que leva às revelações finais, seja a de um filme de suspense.
A fotografia consegue acentuar a desolação e a ansiedade necessárias à trama. Não espere tomadas magníficas como em O Regresso. A opção, aqui, é por planos médios – mesmo quando os personagens estão em paisagens amplas – e por tomadas em ambientes fechados.
Comparados os seus acertos e erros, pode-se dizer que Neve Negra é um bom filme, em especial para quem gosta de dramas familiares, de suspense e não se importa com tramas que se desenrolam com um certo vagar. É uma pedida certa, também, para a legião de fãs que assiste a todas as películas estreladas por Darín.
https://www.youtube.com/watch?v=JZW9IivDfC4
FICHA TÉCNICA
Neve Negra
2017
Suspense
Produção Argentina/España
Duração: 90 minutos
Diretor: Martín Hodara
Elenco: Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Laia Costa, Federico Luppi e Dolores Fonzi