Nenhum de Nós – Translúcido no Araújo Vianna

Quando uma banda tem uma grande perda na sua caminhada, a obra inteira de uma vida, no caso a carreira, a obriga a se readaptar, tanto psicologicamente quanto musicalmente. E com o Nenhum de Nós, foi mais ou menos isso que ocorreu. Um ano após a morte do João Vicenti, gaiteiro e tecladista responsável por uma parte robusta da sonoridade da banda, o grupo gaúcho teve que se reinventar. Com a decisão de se manter um quarteto (com Estevão Camargo como baixista no apoio), novos arranjos e desafios foram impostos à banda. Para mostrar essa nova fase, o grupo, depois de muitos anos, voltou ao Araújo Vianna para apresentar seu novo show, Translúcido. Figurinhas quase cativas do Theatro São Pedro, a volta para o disco voador musical da Redenção foi um evento marcante sábado passado na capital porto-alegrense. E o NoSet estava lá para acompanhar esse reencontro do Nenhum de Nós com o Araújo.
Com casa lotada de fãs que acompanham a banda há 39 (ou 40 anos, segundo o próprio Thedy, existem dúvidas do marco zero do Nenhum), a banda subiu ao palco às 21h30min abrindo o show com a canção Santa Felicidade, de 2007. Com Veco Marques e Carlos Stein à frente, Sady com seu acrílico controlando a bateria, Estevão discreto no fundo do palco e Thedy Corrêa, com um enorme casaco no fundo, tocava teclado e cantava. Seguiram com Milagre, de 2015. Com uma plateia gelada, ainda no ritmo de Theatro, o vocalista então fala com o público, pede palmas para João Vicenti e aí sim empolgam a galera com Amanhã ou Depois.



O baile segue com Eu Não Entendo, de 2001, e Uma Vida Ordinária, do álbum Doble Chapa, de 2018. Mas banda e plateia acertaram a simetria quando tocaram Eu Caminhava, super sucesso do longínquo 1989, do disco Cardume, ilustrado por um telão de uma câmera em movimento pelas ruas de Porto Alegre. Nessas alturas, já podemos perceber que mais estranho que o enorme capote de Thedy eram as falhas de sua voz, que prejudicaram bastante o show. Além, é claro, da equalização equivocada com guitarras em volumes altíssimos, baixo magrinho e o nosso querido Sady dando as sutis rateadas de sempre, o que não é um problema, apenas um show normal dele.
Esses problemas tiraram um pouco o encanto sonoro, mas a emoção e sucesso não abalaram a plateia, com músicas como a bela Telhados de Paris, de Nei Lisboa, com Thedy nos teclados, Julho de 83 e Sobre o Tempo, de 1990, essa a primeira com a galera cantando junto e ensaiando levantar dos assentos.
Segue com Igual a Você e depois Thedy dá uma explicação por que mudaram o fim do clássico Um Girassol da Cor dos Seus Cabelos, de Lô Borges, e tocam dessa vez diferente, em um grande momento do show, em que Stein e Marques mostram o talento com grandes duos de guitarra, ainda mais agora sem o João, os dois tem que se esmerar com novos arranjos para velhas canções. Em seguida, um telão ao fundo do palco mostra imagens do João Vicenti rindo, tocando, gravando e por alguns minutos matamos a saudade do talentoso gaiteiro. Para tocar o sucesso Diga a Ela é o próprio Thedy quem assume a gaita, e infelizmente, com mais vontade de não errar no instrumento, esquece de cantar, em uma constrangedora performance vocal, que é claro, a maioria do público não se importou.



Seguindo nas homenagens, tocam A Minha Casa, uma bela canção perdida de João Vicenti, uma pequena joia perdida apresentada pela banda em mais um momento tocante do espetáculo.
E a banda tocou Raul, numa bela interpretação de Gita e depois seguiu uma cartilha de hits certeiros como a lindíssima Você Vai Lembrar de Mim, com mais uma vez Thedy se esgoelando pra chegar no tom, um medley de boas canções como Luzia, Notícia Boa e Da Janela, do disco Paz e Amor, de 1998. Vou Deixar que Você se Vá, um dos maiores sucessos nacionais do grupo, sem a gaita do João, dá aquela sensação de que falta alguma coisa, mas Stein e Marques mandaram bem num rico arranjo e nessa hora o Araujo estava de pé cantando junto pra encerrar com Camila Camila, música que dispensa apresentações, e fez o Nenhum de Nós ser notado nacionalmente nos idos de 1987.
Para o bis, Thedy sem abandonar o capote, a banda toca Paz e Amor, aquela música perfeita pra cantar em coro ou numa roda de violão com uma fogueira e fecham o espetáculo com a indefectível Astronauta de Mármore, versão de Starman, que fez o Brasil inteiro cantar junto em 1989 e conhecer a versão antes da original (que é de 1972) do David Bowie. Com machado, nariz azul e manto negro a banda encerra um espetáculo marcado por um som inconstante e embolado, alguma falhas pessoais, mas banhado em emoção e canções que todo mundo gosta.



O Nenhum de Nós sempre foi um banda que fez o feijão com arroz básico, letras fáceis, arranjos pegajosos e tem como aliado o carisma dos seus músicos. Thedy é um cara elegante, simpático e bom comunicador, sabe que não é um grande vocalista mas compensa com muita vontade e sinergia com seu cativo público. Carlos Stein e Veco Marques também esbanjam técnica com arranjos criativos e uma performance acima da média no palco. E Sady Homrich, com sua pegada característica, atropeladas básicas em viradas, mas sempre preciso, quase que a alma da banda, além de ser uma figura única. Estevão Camargo, há 18 anos na banda, manda muito bem no contrabaixo e backing vocals. Um time fechado, que ressurge aos poucos da perda de mais que um músico, um irmão para eles, e mostram que seguem fortes, renovados e com quase quatro décadas de vida. Uma das bandas que mais gosta de palco no Brasil, com mais de 2 mil shows, pena que nessa volta no Araújo algumas coisas não saíram perfeitas, mas mesmo assim não apaga a emoção de vê-los de volta no templo da música gaúcha, com casa cheia, mostrando o quanto tem tanta gente que ama o hoje quarteto.


Crédito das fotos: Vívian Carravetta