Crítica: Napoleão

Uma coisa que sempre afirmo: se o cinéfilo ou espectador de filmes acha que vai aprender história com os filmes, está fazendo tudo errado. Se quiser aprender história leia, procure fontes, vá atrás de enfadonhos trabalhos acadêmicos (e como tem historiador que pega no pé de jornalista que faz muito mais pela história que alguns tais chamados doutores), assista, quem sabe, documentários com especialistas. Enfim, cinema é entretenimento e principalmente chance de desenvolver a imaginação. Qualquer película de teor histórico vem de encontro ao que o diretor projeta sobre quem está biografando, onde toma liberdade de criar o seu personagem através de um verdadeiro, e às vezes, na vida real, chato personagem. E citando o Ridley Scott, aos historiadores que andam criticando as liberdades poéticas dele no seu novo filme, Napoleão Bonaparte: vão arrumar o que fazer, porque quem garante com fidelidade o que ocorreu naquela época? Então, estreia essa semana o esperado Napoleão (Napoleon, 2023), do citado diretor inglês, onde infelizmente os erros históricos são apenas um detalhe que pouco importam. 

Sinopse de filme de vulto histórico é simples: o filme conta a ascensão militar do francês Napoleão Bonaparte, da Revolução Francesa até sua morte em 1821, sua chegada a General, o golpe que o transformou em Imperador, suas batalhas épicas em prol do Império e seu amor conturbado com sua amada Josefina.

Como falei antes, as incongruências históricas pouco me abalaram. Acho que o exercício de imaginação e de criar seu personagem histórico no cinema é obra da mente do diretor ou roteirista. Ridley Scott é um diretor veterano, mas que ainda produz bastante e muito da sua filmografia vem de obras épicas. Nessa sua nova incursão pelo gênero, infelizmente apresenta pouco para tanta pompa. Napoleão é um filme quadrado. Conta 30 anos da vida do General, condensados em duas horas e 40 minutos. Só que Ridley acaba fazendo uma grande miscelânea da vida do Imperador. Vamos combinar, um cara como Napoleão não pode ser condensado em menos de três horas e o erro foi tentar explicar todas as facetas do Imperador, e com exceção das batalhas, ele falha e trata superficialmente todas elas. Sua ascensão é tratada rapidamente, os diálogos com os poderosos funcionam pouco. O lado tirano também é pouco explorado, temos a noção de que ele era apenas um grande porra louca (era também, mas não só isso) que invadia e guerreava o tempo todo. E o final do filme é quase constrangedor, ao menos da maneira como tentou dar sua última estocada antes da queda final, como se ter feito a cabeça de meia dúzia de soldados no meio de um front fosse suficiente para manter o país em guerra.

Mas talvez o que mais incomoda é a relação de Napoleão com sua amada Josefina. O filme mostra ali como ele a conheceu, como abraçou uma viúva com dois filhos, a impossibilidade de ter herdeiros, a suposta infidelidade dela com o General, seu ciúme e amor doentio, tudo isso tirado de cartas trocadas entre os dois, mas Ridley acaba tornando todo esse relacionamento em massantes passagens, pouco convincentes, que acabam tomando boa parte do filme. Repito, um filme sobre Napoleão poderia render um épico dos bons, se pegasse apenas uma faceta do Imperador, abranger tudo isso acabou transformado o filme numa rasa experiência. O roteiro linear de David Scarpa tem uma função didática, não inventa moda, mas acaba nos dando uma visão superficial, atropelada, e digamos, um tanto preguiçosa do imponente personagem.

Claro que muita da expectativa foi gerada por mais uma atuação do ótimo Joaquin Phoenix, mas confesso que fora a semelhança física e os possíveis trejeitos do Imperador, mesmo com sua eterna cara de perturbado e visível entrega, ele não conseguiu criar uma marca para o personagem, parecendo mais uma caricatura e vindo de um ator deste quilate, podemos dizer que foi uma decepção. Josefina é bem interpretada por Vanessa Kirby, mas sua atuação oscila tanto quanto o filme e nas cenas com Napoleão, que eram pra ser o ponto alto, acabam sendo as passagens mais sonolentas da película, um casal sem sal e pouco convincente.

Mas o que não podemos discutir é que Ridley é um grande artesão. Se falhou em nos apresentar tão pouco de um gigante personagem, cria cenas de tirar o fôlego. A cena inicial, com a visceral decapitação de Maria Antonieta na sangrenta Revolução Francesa, as incríveis batalhas travadas no cerco de Toulon, com muita violência crua e realista e a impressionante recriação da batalha de Waterloo, onde franceses liderados por Bonaparte guerrearam brutalmente com os ingleses, liderados pelo Duque de Wellington, tudo isso com tomadas aéreas incríveis, movimentos militares fantásticos e muito sangue e mortes, que apesar de ser uma longa tomada, nos dá uma ideia de como cruéis e sanguinárias eram as batalhas do século 19. Um ponto negativo do filme é a trilha sonora pouco empolgante de Martin Phipps e a fotografia meio acinzentada de Dariusz Wolski, com muitas cenas quase na penumbra, com pouca luz, dificultando a apreciação. A passagem pela Rússia, onde Napoleão sacrificou milhares de soldados, também é pouco explorada, mostrando superficialmente o incêndio de Moscou e a marcha para a morte dos soldados franceses no inverno russo.

Como veredito, Ridley Scott tem mais erros que acertos no filme. Mesmo esquecendo os erros historiográficos, o filme peca em realmente não ter um norte principal, resolve abraçar tudo que vê pela frente e acaba tratando grandes passagens com pouco recheio. As próprias motivações do Imperador, o porquê de ser tão sedento por poder, violência, acabam esquecidas e o relacionamento entre ele e Josefina é de uma toxicidade, para padrões de hoje em dia, perturbadora. E Phoenix, por mais que sempre transforme sua atuação em algo grandioso e marcante, fez um previsível Bonaparte, com passagens por vezes constrangedoras e Kirby, com Josefina, mesmo com sua brilhante atuação, não consegue dar uma liga no polêmico casal. Enfim, Ridley Scott, em vias de fazer a continuação de Gladiador, nos dá um aquecimento frio, um burocrático filme, onde claro que a grandeza do nome Napoleão vai levar gente ao cinema, e talvez papar alguns prêmios técnicos no Oscar, mas em poucos momentos realmente empolga, ficando, quem sabe, a expectativa para sua versão final de quatro horas que a Apple TV vai apresentar, uma chance para algumas questões serem respondidas, algumas arestas serem aparadas e realmente o filme apetecer a gente, já que a versão para o cinema ficou devendo e bastante.

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