Não Nessa Dimensão – “O Elefante Desaparece”
Viver histórias como se estivéssemos em outra dimensão, talvez por lá elas sejam verdadeiras. Talvez seja esse o objetivo reflexivo de “O Elefante Desaparece”, o principal livro de contos do escritos japonês Haruki Murakami.
É uma coletânea de 17 contos, sendo somente o último intitulado “O Elefante Desaparece”. Em todos é possível ver a marca intrigante do autor, são histórias envoltas de mistérios, algumas com um toque ácido de humor, outras nos reportam a outro tempo, mas todas muito bem elaboradas.
No conto que dá o nome ao livro o narrador se recorda de quando a sua cidade teve que se responsabilizar por um elefante velho. Na verdade o elefante pertencia ao zoológico da cidade, que foi fechado e os animais levados para outros zoológicos, exceto o elefante, porque não se tinha espaço para ele em canto nenhum.
Depois de discussões entre gabinetes, assembleias públicas e muitas negociações, o tal elefante ficou como responsável pelo elefante, logo o hospedando em um “viveiro” só dele e de seu cuidador. Porém um dia eles desaparecem, vira notícia e investigação por muitos meses, mas nunca foi descoberto como um animal enorme saiu pela cidade sem ninguém notar.
O narrador ainda comenta que usou a tal história em um primeiro encontro com uma jornalista, meio que sem querer, tornando a conversa quase uma entrevista e arruinando as chances de um segundo encontro com ela.
Posso destacar mais cinco contos, os que mais chamaram minha atenção durante a leitura: “Mensagem de Canguru”, “Sobre a Garota Cem Por Cento Perfeita que Encontrei em uma Manhã Ensolarada de Abril”, “Sono”, “Caso de Família” e “O Anão Dançarino”.
Em “Mensagem de Canguru” um jovem resolve mudar um pouco a ordem de seu trabalho, que é fiscalizar mercadorias e responder a reclamações por carta. Ele encontra uma carta diferente, não era bem uma reclamação, era alguém que havia comprado algo pensado que era outra coisa.
A carta lhe chama tanta atenção que ele não escreve uma resposta padrão, ele pega seu gravador de voz, senta na frente da jaula dos cangurus do zoológico (uma mania dele) e começa a gravar uma mensagem para ela explicando quem era, qual era o seu trabalho e porque estava fazendo isso para ela.
A mensagem de “Sobre a Garota Cem Por Cento Perfeita que Encontrei em uma Manhã Ensolarada de Abril” é, possivelmente, uma das mais bonitas do livro. O narrador simplesmente afirma ter avistado a garota perfeita para ele, dizendo que não era bonita nem tinha atributos especiais, mas que ele sentiu ser a cem por cento perfeita para ele.
Detalhe, ele não fala com ela e reflete como é que seria se tivesse acontecido algo diferente.
Em “Sono” uma mulher jovem, casada e com um filho, que só vive para eles, relata que não tem consegue dormir e sabe que não é insônia, porque desse mal ela já sofreu. Ela simplesmente não dorme mais, não se sente cansada ou fadigada, continua com sua rotina normal durante o dia, mas a noite volta a ler como quando era adolescente, agora com uma taça de conhaque na mão.
“Caso de Família” é interessante porque mostra a convivência de um casal de irmãos. Os dois saíram de casa para estudar e agora dividem um apartamento, são companheiros, mas um não se mete na vida do outro, até que a irmã fica noiva de um rapaz que o irmão não aprova muito, causando trincados em seu relacionamento.
“O Anão Dançarino” é um dos contos que mais usei a imaginação. Começa com alguém sonhando com esse anão que era o melhor dançarino de todos os tempos, mas depois ele descobre que o tal anão é procurado pela polícia de verdade. Mesmo assim ele faz um acordo com o anão no sonho que acaba arruinando sua vida.
Detalhe importante para a imaginação, o moço trabalha em uma fábrica de elefantes e descreve como é que um elefante é feito e porque começaram a fabricar elefantes a partir dos verdadeiros.
Só o fato de todas essas histórias terem um elemento que saí do comum já dá para nos transportar para outra dimensão, o fato de ocorrem todas no Japão também ajuda (não conheço o país, logo seria sim um mundo diferente do meu), isso tudo em conjunto com o fato de Haruki Murakami não dar fim aos seus contos é o acabamento perfeito para essa sensação de sair de si mesmo.
Todos esses contos acabam no momento em que poderia ser considerado o ápice da história. Não sabemos se a destinatária da mensagem do canguru a recebeu ou como a recebeu, se o moço conseguiu reencontrar a garota cem por cento perfeita, se a mulher que não dorme consegue entender seu problema ou se consegue voltar a dormir, se os irmãos conseguem entrar em acordo (ou ele se ajeitar na vida), se o moço consegue explicar sua aproximação com o anão e salvar sua via ou como é que o elefante desaparece.
Em alguns contos essa forma de escrever me incomoda, porque eu sou daquelas que gosta de “contos de fadas”, histórias com começo, meio e fim (que não precisa ser perfeito), daí esses contos parem ser incompletos. Mas deve confessar que depois de refletir bem sobre isso vi uma qualidade, você pode trabalhar mais sua mente, as coisas não estão lá “mastigadinhos” para você. Depois de ler dá para sonhar um pouco sobre o depois do ponto final.
Uma característica que só vim perceber já no final do livro foi que raros são os personagens com nomes. Ele se refere a “mulher”, a “esposa”, o “marido”, a “menina”, o “filho”, o “irmão”, a “irmã”, enfim, raramente se usa nomes. Ele usou um nome para dois personagens, de contos diferentes, Noboru Watanabe foi o noivo da irmã em “Caso de Família” e tratador de elefante em “O Elefante Desaparece”.
Nesse caso a minha mente ficou criando teorias como: Será que o noivo mudou de profissão e terminou a vida como tratador? Será que o narrador é o irmão? Ou será que o autor não gosta de nomes?
De toda forma, mais um elemento para refletir nesse tipo de leitura, que vicia a cada página, mesmo com as histórias “incompletas”. A imaginação e a forma inusitada de Haruki Murakami escrever te faz sair do seu mundinho e entrar nos vários que ele cria.
Beijinhos e até mais!