Nada é mais perigoso que a verdade – “Segredos Oficiais”

As relações internacionais são tão delicadas em seu cerne, embora estejam revestidas de belas palavras de apoio, apertos de mãos e uma política muito bem feita. Quando um detalhe não sai como o planejado, como segredos vazados, esse equilíbrio pode se perder.

O longa “Segredos Oficiais”, de 2019, dirigido por Gavin Hood (que também contribuiu com o roteiro) e escrito por Gregory Bernstein, Sara Bernstein, Marcia Mitchell e Thomas Mitchell, mostra justamente um desses segredos vazados e a repercussão dele nas relações internacionais e na vida da espiã que o vazou.

Katherine Gun poderia ser considerada uma espiã, afinal ela trabalhava com tradutora em um escritório da inteligência britânica, mas ela encarava só com um trabalho rentável, ajudando-a a construir a vida que sonhava em ter com o marido, Ysar Gun (muçulmano imigrante).

Um dia passou por Katherine uma correspondência que continha uma informação assustadora, os governos dos EUA e da Inglaterra estavam tramando uma forma de manipular a votação da ONU referente aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 e suas consequências.

Em outras palavras, uma votação que permitiria que Saddan Hussein fosse deposto porque ele estaria envolvido nos tais ataques e a invasão no território do Iraque.

Isso atingiu Katherine, tanto porque ela conhecia parcialmente a realidade do Iraque quanto porque sabia o quanto essa permissão seria injusta. Hussein não era um anjo, mas não tinha nada comprovando a sua ligação aos ataques, além disso, sua deposição poderia resultar em guerra interna (o que aconteceu de fato).

Ela se sentiu na responsabilidade de agir de alguma forma, impedir que isso aconteceu. Entregou a informações para uma amiga, que também trabalhava em escritórios da inteligência (não o mesmo), Jasmine, que, por sua vez, repassou para outra agente, Shami, que se tornou informante para um jornal londrino chamado The Observer.

A informação chegou nas mãos do ambicioso, mas também idealista, jornalista Martin Bright. Os chefes dele não queriam aceitar a publicação de uma história dessas, totalmente contra o governo inglês (e a Coroa), mas ele teve o apoio de dois colegas, Peter Beaumont e Ed Vulliamy. A história foi publicada poucas semanas depois.

O governo começou a investigar e, mesmo sabendo de todos os riscos, Katherine se entregou. Ela poderia ser acusada como traidora e isso lhe custaria muito, principalmente a permanência de seu marido no país.

Yasar não conseguiu o visto logo quando havia chegado, enfrentou problemas com a imigração. Isso e o fato de ser muçulmano levantou suspeitas de que eles fossem espiões iraquianos, o que nunca foi verdade.

Katherine precisou provar a inocência do marido e a sua, uma vez que nunca agiu pensando em nenhuma recompensa, mas sim seguindo a sua consciência. Para ajudar a provar isso ela teve um advogado à altura, Ben Emmerson.

O caso até chegou ao tribunal, mas na ocasião o representante do governo informou que não haveria acusação e eles estavam desistindo da ação. Aparentemente eles só quiseram a assustar, deixar meses em suspense para ensinar que não se mexe com gente poderosa.

Essa história é baseada em uma história verdadeira pouco contada, que se desenrolou em 2003 e os nomes usados são os dos verdadeiros personagens. No final do filme até aparecem as filmagens do dia do tribunal e entrevista que Katherine cedeu após o “julgamento” (que não aconteceu).

Há algumas semanas eu publiquei aqui uma resenha do filme “The Report”, também de 2019. Ao assistir “Segredos Oficiais” eu tive a sensação de que um filme complementa o outro, um mostrando como a invasão se iniciou e como os EUA (principalmente) conseguiu permissão de prender muçulmanos e o outros mostrando como eles tratavam esses homens.

A ordem “certa” de assistir seria primeiro “Segredos Oficiais”, depois “The Report”.

Em “Segredos Oficiais” vemos mais aquele citado equilíbrio, há uma preocupação com a relação entre países e com os resultados de uma ação fraudulenta. Vemos também o trabalho de uma imprensa séria, correndo atrás da realidade de uma informação que chegou até eles, mas cuja informante não poderia ser revelada.

Também é uma pontinha de esperança, daquelas que a gente diz “ainda tem gente boa nesse mundo”. Katherine só pensou em fazer o bem, não sabia como fazer, mas fez e foi admirada em segredo por muitos colegas (se eles se manifestassem perderiam o emprego e seriam presos também) e pelos jornalistas. Ela foi corajosa.

O papel do advogado também foi interessante. A estratégia mais segura era ela confessar a traição e negociar a pena, mas ela continuava dizendo que não vazou por traição e Ben Emmerson acreitou, buscando uma estratégia grandiosa para a defender.

Essa estratégia poderia até desmantelar algumas tramas políticas que aconteciam nos bastidores do poder. Talvez esse foi um dos motivos de o governo ter desistido do processo.

O filme estrelado por Keira Knightley, que já listei aqui como uma das minhas atrizes preferidas e repetirei sempre. Mas ela conseguiu ganhar ainda mais pontos comigo, porque eu sempre a tive como a rainha dos filmes de época, aliás, duquesa, mas esse foi diferente.

É certo que é de época, afinal o filme é de 2019, mas retrata uma história de 2003, mas o visual é totalmente diferente. É uma jovem inglesa de classe média, sem muita vaidade, jeans, moletom e quase sem maquiagem. Contudo, a história é tão profunda e bem contada, como ela sempre consegue fazer.

Ben Emmerson é vivido por Ralph Fiennes, que já trabalho com Keira em “A Duquesa” (ela era a duquesa e ele duque) e a química permaneceu. Não conhece Ralph Fiennes? Ele está em filmes dos mais variados estilo, desde “Encontro de Amor”, “A Lista de Schindler”, “O Paciente Inglês” até “Nanny McPhee e as Lições Mágicas” e “007 – Operação Skyfall”.

Ah é, ele é o Voldermort para o menino Harry na saga “Harry Potter” (sim, aquele que não se pode ser pronunciado tem um nariz, pasmem).

O jornalista do The Observer Martin Bright é vivido por Matt Smith. Ele ficou famoso no mundo por causa de “Doctor Who”, mas, como eu nunca assisti essa série, para mim ele sempre será o jovem príncipe Philip, o Duque de Edinburgh, marido da Rainha Elizabeth I em “The Crown”.

Um dos superiores de Martin, que o ajudou na investigação, foi Peter Beaumont, interpretado por Matthew Goode, conhecido por filmes como “Curtindo a Liberdade”, “Casa Comigo?” e o “Jogo da Imitação” (mais um trabalho com Keira Knigley) e pelas séries “The Good Wife” e “Downton Abbey” (terá resenha da série em breve).

Jasmine, a amiga de Katherine, também pode ser lembrada por “Downton Abbey”, é a atriz MyAnna Buring. Mas ela também aparece nos dois últimos filmes da saga “Crepúsculo” e, mais recentemente, como Tissaia, a mentora da poderosa Yennifer em “The Witcher”.

Até mais!

Mais do NoSet