Viver às sombras de alguém, sempre tentando alcançar as expectativas de todos a volta, é, mínimo, angustiante. Agora imagine que essa outra pessoal é a falecida esposa de seu marido.
Confuso? Um pouco, talvez, mas vamos entendendo melhor ao longo da trama de “Rebecca – A Mulher Inesquecível”.
A produção foi uma das estreias da Netflix do mês de outubro de 2020, prometendo apresentar um pouco de mistério e suspense. O filme é a terceira adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome de Daphne Du Maurier, cujo roteiro adaptado é assinado por Jane Goldman, Joe Shrapnel e Anna Waterhouse, a direção é de Bem Wheatley.
A história começa com a Sra. de Winter narrando seu sonho, que a mostrava chegando na mansão Manderley, lembrando dos momentos de angústia e de como ela foi para lar com tal título.
Ela era jovem, não tinha riquezas nem muita instrução, os pais já havia falecido e não tinha muitas conexões. Isso na década de 1920 dava poucas escolhas para as mulheres, uma das melhores opções era a de ser dama de companhia de senhoras ricas.
Ela era a dama de companhia da Sra. Van Hopper, uma mulher insuportável, mas que gostava de viajar. Em um verão específico elas estavam em Monte Carlo, em um hotel chiquérrimo, só elas duas.
A Sra. Van Hopper descobre que Maxim de Winter estava no mesmo hotel e pede que a sua dama de companhia faça o arranjo para que ela almoçasse próximo a ele, queria ter a desculpa de falar com ele.
Maxim era um recém viúvo. Rebecca, sua esposa, era conhecida por sua beleza e eles eram visto como um casal perfeito, mas há alguns meses ela viera a falecer, deixando-o sozinho (mas ainda rico) na mansão que pertence a família dele, Manderley.
Embora fosse a patroa que quisesse se aproximar, para ter essa conexão, foi a dama de companhia que ganhou a atenção de Maxim. Eles passaram uma semana de quase lua de mel, sempre ela conseguia escapar dos olhos da patroa (que estava tão doente que precisa de repouso absoluto).
No momento que a patroa descobre e avisa que elas saíram dali o mais rápido possível, a jovem se despediu de Maxim com pesar e ele, sentindo que não poderia a deixar ir, pediu que ela se casasse com ele. Ela aceitou, estava apaixonada e não sabia exatamente o que lhe esperava.
A nova Sra. de Winter era inexperiente e até ingênua, nunca havia visto uma mansão daquela dimensão, com criadagem completa, liderada por uma governanta e com tanta história de suas paredes. Não sabia das tradições e de tudo que deveria fazer ali, Maxim não ajudou muito, não lhe contou sequer o que havia acontecido com Rebecca.
Logo sentiu a hostilidade vindo da governanta, Sra. Danvers, que tinha um comportamento acolhedor e protetor pela casa, pelo patrão e pelas memórias de Rebecca. Aos poucos a Sra. de Winter foi vendo o quão a Sra. Danvers, poderia ser nociva, tentou até a demitir, mas nesse momento a governanta se passa de desentendida e manipula a nova patroa dizendo que iria a ajudar.
Na verdade, o plano da Sra. Danvers era envenenar esse novo relacionamento, influenciar o tanto que podia dentro da mansão e tentar descobrir ao máximo os detalhes da noite da morte de Rebecca. Esse sentimento de proteção e de vingança se dava porque ela era a dama de Rebecca desde sempre, a falecida patroa era sua vida e sua morte suspeita havia a destruído.
Rebecca aparentemente havia morrido afogada, tinha pego o barco da família e ido velejar, atividade em que era especialista, mas era uma noite de tempestade, o barco se perdeu por dois meses, ninguém sabia dela, até que um corpo apareceu na margem.
A virada da história se dá justamente ao ser mostrado que a verdadeira personalidade de Rebecca e as circunstâncias de sua morte. O casamento não era feliz, Rebecca não se via casada, tinha casos amorosos conhecidos e Maxim não suportava mais a situação, mas não poderia se divorciar, mancharia o nome da família. Rebecca se aproveitava disso.
Na noite em que faleceu Rebecca mandou um bilhete para o primo, Jack Favell, um de seus amantes, dizendo que precisava falar com ele. Mas não deu tempo de eles se encontraram, o fez Jack se aliar a Sra. Danvers para encontrar provas que a história da morte de Rebecca não estava bem contada.
As suspeitas caíram sobre Maxim, somente aí que ele viu a necessidade de contar tudo para a nova Sra. de Winter, somente assim ela poderia decidir se continuaria ao seu lado ou não.
Em termos de mistério e até de suspense o filme cumpre o prometido, a trama toda passa uma sensação de angústia, até depois mesmo, quando eles resolvem tudo e nem vivem mais na tal mansão, há uma sombra na felicidade deles.
Embora seja um filme visualmente lindo, desde a fotografia até os figurinos (especialmente os simples e esportivos da protagonista), a trama é lenta, as coisas demoram a acontecer de fato, os detalhes da história são lentamente entregues. Particularmente, eu gosto disso em filmes de época, mas não é todo mundo que se agrada com isso.
Detalhe, eu nem li o livro nem assisti as outras versões, não sei se essa é uma proposta dessa versão ou se já vem das anteriores.
Um elemento que me chamou atenção, embora seja sutil, é a ausência de nome pessoal na protagonista. Hora nenhuma ela fala o nome dela, primeiro ela é a empregada de alguém, depois é a esposa de alguém, patroa de um alguém que não tinha apresso por ela e tentava manter a presença da falecida patroa.
Esse é um contraste com o fato de antiga Sra. de Winter ser conhecida pelo nome próprio. Não sei se é a intenção, mas impressão passada que é a importância de Rebecca e a vontade de que ela não saísse de cena, mesmo com o novo casamento do dono da mansão.
O elenco é formado por grandes nomes.
Maxim de Winter é vivido por Armie Hammer, falei dele por aqui na resenha de “Suprema”. Só tenho elogios sobre a atuação dele, é um personagem que eu esperaria que ele fizesse, mas tenho crítica sobre um detalhe: o sotaque. Aparentemente, Maxim é inglês, mas Hammer é estadunidense e não me pareceu que usou o sotaque britânico.
Desculpa parecer a fiscal do sotaque ou das nacionalidades, mas o trabalho de adaptação de sotaque vem chamando minha atenção, até então positivamente, nesse filme pareceu desconexo.
A nova Sra. de Winter é interpretada por Lily James. Já disse aqui e repito, ela foi feita para filmes de época, não importa qual gênero, do romance clássico, como “Cinderela”, até filmes mais sérios, como “O Destino de uma Nação”, passando por musicais e comédias românticas.
A Sra. Van Hopper é vivida por Ann Downd, conhecida pela série “O Conto da Aia”. Ela também não é britânica, mas dá para perceber que tem sotaque ou toda a alegoria da personagem dela tornou a questão do sotaque secundário, não senti a desconexão no caso dela, só raiva mesmo (da personagem, o que quer dizer que fez um excelente trabalho).
A Sra. Danvers é interpretada por Kristin Scott Thomas, que também está no longa “O Destino da Nação”, mas também é conhecida por filmes como “A Outra”, “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom”, “A Festa”, “Tomb Raider” e a participação na premiada série “Fleabag”.
O primo/amante de Rebecca, Jack Favell, é vivido (muito bem) por Sam Riley, conhecido por Diaval, de “Malévola” e “Malévola: Dona do Mal”, mas também já incorporou a maior referência de papel masculino em comédias românticas, Sr. Darcy, em “Orgulho, Preconceito e Zumbis”. Sempre gosto de o ver e Favell é diferente dos personagens que já o vi fazendo, ele não decepcionou.
A Lizzy Bennet desse Darcy é a própria Lily James!
Bill Paterson faz uma aparição importante, ele faz Dr. Baker, quem ajuda a explicar qual o segredo que Rebecca queria contar a Favell no dia de sua morte. O ator é conhecido por ter estado no elenco de “Convenção das Bruxas” (o de 1996) e, mais recentemente, por ser o pai de Fleabag na série homônima.
Até mais!