Marina Lima e o Show Rota 6.9 no Bar Opinião
Difícil qualquer artista no Brasil conseguir atravessar cinco décadas de carreira e ainda se manter com o status de ícone. Poucas pessoas podem ter o privilégio de Marina Correia Lima. Essa carioca passou por toda a ebulição sonora desde o fim dos anos 1970, e mesmo com os percalços que teve que enfrentar na vida, sempre manteve sua imagem e talento intactos para o grande público. Essa imagem e talento a ser contemplado, teve endereço sábado passado no Bar Opinião. Com o sugestivo nome de Rota 6.9 e prestes a completar sete décadas voltada para a arte, a cantora trouxe para Porto Alegre um show que é um apanhado do melhor que ela produziu nessas 69 primaveras, num show que com certeza já entrou para a história do templo da música da Cidade Baixa.
Com ingressos esgotados, mais de 1.600 pessoas lotaram o Bar Opinião, em busca de não um fugaz passatempo, e sim uma Fullgás experiência. Para aquecer os trabalhos, uma DJ fez o povo dançar, com destaque para muito samba de qualidade na sua playlist. E precisamente às 20h30min, um telão mostrando fatos da agitada vida musical da artista passa no fundo do palco, com direito a todas as capas de seus discos. No fundo, a canção Solidão, de Dolores Duran, com a voz de Marina, do seu álbum de estreia, Simples como Fogo, de 1979. A banda de quatro integrantes se posiciona com seus instrumentos, e eis que surge cintilante e magnética, Marina. A primeira canção é Charme do Mundo, do seu disco de 1981, Certos Acordes. E para calar a boca de muitos, sua voz inebriante ainda hipnotiza, faz muito bem aos nossos ouvidos. O que se seguiu ali em diante foi uma sucessão de canções, para um público apaixonado que cantou e dançou do início ao fim. Acho que Dá, do LP Desta Vida, Desta Arte, de 1982, e O Lado Quente do Ser fizeram a galera voltar para o início dos anos 1980. Com Me Chama homenageia seu colega de aventuras nas noites cariocas dos setenta e oitenta, Lobão, e faz o Opinião cantar junto.




A cantora sai de cena, a banda assume o show, faz dançar a bailarina do espetáculo, Carol Rangel, e então Marina, com outro figurino, ressurge para bailar com ela, ao som de I’m On Fire, de Barry White, num momento de puro êxtase. Surgem no palco algumas pessoas escolhidas da plateia para dançar com ela e o palco do Opinião fica uma festa com a versão bem pessoal de Lunch, de Billie Eilish,seguida por Mesmo que Seja Eu, do inesquecível Tremendão Erasmo Carlos, com o refrão cantado com esmero pelo povo. No palco é colocado um sofá branco que serve como cenário na canção Difícil, do álbum Todas, de 1985, aquela do “sexo é bom”, em seguida toca Na minha Mão e Virgem, do disco homônimo.

No telão, com imagens, homenageou seu irmão, responsável por grandes músicas ao seu lado, o imortal Antonio Cicero, que segundo ela, vai estar para sempre no coração da artista. Em outro momento marcante, presta outra homenagem, dessa vez para outro poeta, na lindíssima Preciso Dizer que te Amo, do Cazuza e da Bebel Gilberto. Surpreende o público com Beija-Flor, sucesso de 1993, do Timbalada, que casou demais com a voz da cantora. Marina então apresenta sua banda de maneira enérgica e calorosa. No contrabaixo e teclados Carol Mathias, na bateria seu produtor Arthur Kunz, no violão Giovanni Bizzotto, na guitarra Gustavo Corsi (um dos fundadores da oitentista Picassos Falsos) e a dançarina Carol Rangel. No show, Marina toca guitarra e violão, mostrando seu talento como instrumentista, uma das marcas registradas de sua carreira.




Segue repassando a consagrada carreira com Acontecimentos. Cita o poema Guardar, de seu irmão antes de cantar Pessoa, composição do Dalto e Claudio Rabello, do seu disco de 1993, num momento de introspecção, a plateia contempla sua interpretação. Mas a calmaria dura pouco e Marina canta Keep Walking, do seu disco de 1991, depois emenda num medley Bloco do Prazer, de Moraes Moreira e Pierrot, canção de sua autoria. Árvores Alheias, umas das suas mais recentes, de 2018, fecha mais um momento do show.
Com guitarra em punho, ataca de Pra Começar, mega sucesso abertura de novela de 1986, do seu antológico Todas Ao Vivo. Para delírio da galera, que quase vai abaixo, com o mega hit À Francesa de Cláudio Zoli e seu mano, com seu arranjo dançante, não deixa ninguém parado. Eu Não Sei Dançar, do parceiro Alvin L, segue o contagiante momento do show, que encerra com mais um clássico da música brasileira, Fullgás, com direito à Billie Jean, do MIchael Jackson, abrindo a música, com coreografia da Carol Rangel e fazendo as 1.600 pessoas cantarem junto com ela a classuda canção.


Depois de uma breve despedida, a cantora e a banda voltam para o bis. Com uma camisa branca com a imagem da recém falecida Preta Gil, ovacionada pela plateia, canta Eu te Amo Você, composição do “senhor” Kiko Zambianchi, com o erro gramatical mais bonito do pop dos anos 1980. Segue com uma versão lindíssima de Nada por Mim, do Kid Abelha, homenageia a rainha Rita Lee, com Nem Luxo, Nem Lixo e encerra obviamente com seu hino mais pop, Uma Noite e Meia, com o Opinião inteiro cantando os versos “essa noite eu quero te ter, toda se ardendo só pra mim”. Fechava assim com grande estilo um show antológico, um dos melhores do ano, com sobra, em terras porto-alegrenses. Um show que reflete com maestria quase cinquenta anos de carreira, mesclando modernidade e passado, numa impecável viagem musical atemporal de brilhantes canções.


Marina Lima mescla elegância com explosão sonora. Sua voz continua sexy e contagiante, a sua banda sabe conduzir o show, cadenciar e deixá-la brilhar. Um show que ficará guardado para sempre, animado, intimista, sofisticado, mas nunca deixando de ser popular. Ode à boa música, à poesia, ao público, às pessoas que ajudaram a construir a sua carreira e à persona Marina Lima. Marina, mulher tão importante na cena popular do Brasil e que continua intacta e portentosa. Como adendo, encerro meu texto com uma reflexão. Semana passada, uma outra Marina também lotou o Opinião. Em vez de Lima, a Sena. Jovem mineira, que com seus seguidores, colocou 3.200 pessoas no mesmo Bar Opinião. Não gosto de julgar ninguém, gosto é gosto, as duas Marinas tem seu público e seu talento. Talvez a grande diferença é que não creio que a Sena, com 69 anos (espero que esteja errado) lotaria um Opinião (ou algum bar que existir). Duvido muito também que alguma canção dela fique tão grudada na memória afetiva de tantas pessoas por tanto tempo. Falando em português claro, não acredito que a outra Marina terá uma canção como À Francesa, Uma Noite e Meia ou Fullgás, que tenho certeza, ainda serão cantadas por muitas décadas. E se depender de quem tanto ama a Marina, a Lima, irão ecoar ainda por muito tempo.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta