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Lute por sua liberdade – “Marshall – Liberdade e Justiça”

Lute por sua liberdade – “Marshall – Liberdade e Justiça”
  • Publicado em: setembro 1, 2020

A segregação racial nos EUA era uma realidade legalizada mesmo depois da abolição da escravidão, resultando na condenação de muitos homens e mulheres negros por crimes que não cometeram.

Thurgood Marshall era um advogado de Maryland, um dos primeiros advogados negros do país, que lutou pela liberdade desses inocentes, foi uma cruzada pessoal dele. Ele tornou-se símbolo da luta contra a desigualdade social e racial, sendo o primeiro juiz negro a se tornar membro da Suprema Corte dos EUA.

O filme “Marshall – Liberdade e Justiça”, de 2017, dirigido por Reginald Hudlin e escrito por Michael e Jacob Koskoff, retrata um dos casos mais emblemáticos de sua carreira. O motorista negro de Bridgeport, Connecticut, Joseph Spell, estava sendo acusado de estuprar e tentar matar sua patroa, Eleonor Strubing.

Eleonor Strubing era a descrição perfeita de uma mulher da alta sociedade do sul dos EUA daquela época: branca, loira, olhos claros, religiosa, fiel ao marido (grosso e abusivo), boa educação. Então a sua palavra contava muito mais que qualquer prova naquelas circunstâncias.

O escritório de Marshall, que era uma organização voltada para a proteção daqueles negros acusados indevidamente, logo ficou sabendo e ele mesmo foi até Bridgeport defender Spell. Eles precisavam de apoio local, então contactaram o modesto advogado de seguros Sam Friedman, ele só iria dar início ao processo para que Marshall pudesse atuar e levar para nível nacional.

Mas em Connecticut, com uma vítima da sociedade e um acusado negro e pobre a justiça não seria justa. O juiz (imparcial) não aceitou que Marshall atuasse no caso, só auxiliasse, e Sam teve que assumir seu primeiro caso criminal. Contra ele estava o advogado do estado, o riquinho, metido e filho do ex sócio do juiz (quando ele ainda era advogado) Loren Willis.

Marshall e Sam tiveram que superar as diferenças entre eles e procurar provas válidas da inocência de Spell, enfrentando todos os privilégios que o juiz dava para o outro lado.

Os obstáculos não foram poucos, mas eles conseguiram mostrar que Spell, apesar de não ser o exemplo de bom cidadão que a sociedade espera, não tinha culpa alguma ali. Que a verdade era algo mais simples, mas que poderia ser mais grave aos olhos de uma sociedade racista (não vou dar spoiler, vale a pena ver).

Depois de vencer o caso, Sam Friedman passou a lutar pelos direitos humanos, atuou em muitos casos envolvendo segregação racial. Ele tomou como algo pessoal, quando percebeu o quanto também sofria, antes por ser judeu e depois por ter se afeiçoado a causa de Marshall.

Essa é mais uma história que serve como alerta para nós, brancos privilegiados, parar e ouvir as vítimas, saber como a segregação realmente acontece. Não é só com a separação de “banheiro para branco/banheiro para negro” ou insultos no meio da rua e locais públicos, está nas entrelinhas também.

É um juiz imparcial, que aceita os argumentos do advogado de “linhagem pura”, mas subjuga o negro ou que defende negro. É pergunta se um é parente do outro porque os dois negros. É achar que um marido abusivo não é tão grave quanto um negro que supostamente agrediu uma mulher da sociedade. É querer calar quem precisa ter voz.

Ao ler a sinopse me preocupei de que a luta contra o racismo, nesse caso, anulasse a gravidade que é o estupro ou minimizasse denúncias, mas logo no começo do filme já deu para perceber que isso não aconteceria. Ao ser questionado se achava que venceria o caso, Mashall falou que sim, ele acreditava na inocência do cliente.

Quem o perguntou foi a esposa do colega que o abrigou em Bridgeport, ela respondeu o lembrando que uma mulher não mentiria sobre um estupro, então haveria de ser algo série e era por ali que ele deveria começar. Ela estava certa e a solução mostrou a vulnerabilidade de Eleonor, mas não rebaixou a gravidade de um estupro e de sua denúncia.

Thurgood Marshall, com toda sua confiança, inteligência e charme foi interpretado por Chadwick Boseman, o Pantera Negra. No começo eu achei que a confiança do personagem era exagerada, isso talvez atrapalharia o processo, mas depois percebi uma coisa, era preciso ter muita confiança no que estava fazendo e em si mesmo para enfrentar tudo que ele enfrentou, então foi a dose certa.

Boseman viveu Marshall depois de “Guerra Civil”, mas antes do filme solo “Pantera Negra”. Deixou em seu curto legado mais um personagem que faz as pessoas repensarem suas atitudes, mas com um sorriso contagiante.

Joseph Spell foi interpretado por Sterling K. Brown, famoso pela série dramática “This Is Us”. Nunca assisti essa série, mas lembro de o ver ganhando o Emmy de Melhor Ator dramático por ela, ao ver esse filme e “Pantera Negra”, onde ele interpreta o príncipe N’Jobu, vi a razão de se dar destaque a ele. Sua veia dramática é o que Spell precisava para mostrar o cenário completo de sua situação.

Sterling e Chadwick não chegaram a dividir cena em “Pantera Negra”, o encontro entre eles aconteceu em “Marshall – Liberdade e Justiça” para compensar.

Sam Friedman é vivido por Josh Gad. Foi a primeira vez que eu vi esse ator em um personagem dramático, sério, e foi uma bela surpresa, ele é tão bom quanto nas comédias. Na verdade, conheço mais a voz dele, porque ele é o Olaf, de “Frozen”, mas também deu vida ao atrapalhado LeFou do live-action de “A Bela e a Fera”.

Eleonor Strubing é interpretada por Kate Hudson. A segunda boa surpresa dos dramas, embora ela tenha feito outros filmes dramáticos, eu lembro muito mais dela em filmes como “Noivas em Guerra”, “Como Perder Um Homem em 10 Dias” e “Um Presente Para Helen”, além da participação em “Glee”. Mas foi perfeita como essa mulher sofrida que vivia de aparências.

Loren Willis, o advogado de acusação, foi interpretado pelo inglês Dan Stevens. Começo elogiando o trabalho de voz dele, porque ele sumiu com o charmoso sotaque inglês e assumiu o sotaque forte dos Sul dos EUA. Não é novidade para ele ser advogado, em “Downton Abbey” ele viveu um, mas com um coração mais generoso. Meu querido Mathew Crawley estaria do lado de Thurgood Marshall e Sam Friedman com toda certeza.

Ah, aqui temos outro encontro, mas do live-action de “A Bela e a Feera”, LeFou enfrentou a Fera (Dan Stevens) com classe, sem música, mas com muita argumentação.

Quem fez uma aparição pontual, mas que fez toda a diferença, foi Sophia Bush (a eterna Brooke de “One Three Hill”).

A luta de Marshall e Friedman foi linda, mas a segregação ainda existe, de formas diferentes, com argumentos diferentes. A luta continua e histórias como essa nos lembram que ela vale a pena.

Até mais!

Written By
Nivia Xaxa

Advogada, focada no Direito da Moda (Fashion Law), bailarina amadora (clássico e jazz) e apaixonada por cultura pop. Amo escrever, ainda mais quando se trata de livros, filmes e séries.