Lucas Inutilismo e Minha Playlist de Funk no Araújo Vianna
Umas das coisas mais instigantes para quem faz crítica musical ou trabalha com arte é realmente sair da zona de conforto e experimentar o novo. No caso, o novo tem nome. Lucas Vinícius, que há anos tem um canal no YouTube, onde debate de tudo e com muito humor, o Inutilismo. O garoto é realmente um fenômeno, conhecido por ter poucos desafetos, agradar a milhões e ter um talento único, sendo um exímio instrumentista. Lucas, ao se deparar com playlists de famosos, que postavam nas redes o que curtiam musicalmente, teve a ideia de fazer sua playlist de funk, mas com um detalhe: todas as músicas tocadas com arranjos pesados, com guitarras distorcidas, bateria raivosa e arranjos complexos. Junto com o baterista Daniel Mazza, criou uma banda que repaginou os sucessos, nesse peculiar crossover metal e funk. E a banda hoje é um sucesso juvenil, lotando casas de espetáculo pelo Brasil afora. Porto Alegre já teve sua presença ano passado com esse show em um Araujo Vianna lotado. E no domingo passado, Lucas esteve de volta ao Araújo Vianna, com seu show Minha Playlist de Funk, e nós do NoSet fomos conferir essa incrível novidade.
Com um público de idades que variam entre 16 aos 25 anos, jovens meninos cabeludos com camisetas de bandas de heavy metal, outros com visual mais despojado, meninas de preto com jaquetas de couro, outros vestindo um visual puxado da cultura pop asiática, alguns de calça de moletom e tênis, enfim, diversidade de estilos pode ser a característica visual dos adeptos do Lucas Inutilismo. E por volta de 20h30min, depois de um aquece promovido por um desanimado DJ, a banda chega ao palco e manda a sua versão pesada de Bonde do Tigrão, Cerol na Mão. Nesse momento não tinha ninguém mais sentado e aquela juventude em catarse dançava, pulava, batia cabeça e cantava com seu ídolo. Não temos como negar o talento do Lucas, um exímio guitarrista, com uma simpatia e carisma únicos e com uma idolatria juvenil poucas vezes vista. Emenda referências à Anitta com Vai Malandra, MC Kevinho, funks com letras pesadas, enfim, um verdadeiro baile funk dominado por guitarras pesadas, uma bateria com dois bumbos agressivos e muita animação. Outro diferencial é que todos os cinco músicos da banda Inutilismo, Lucas, André Casagrande no baixo, Felipe Hervoso na guitarra, Jonathas Peschiera nos sintetizadores e programações de efeitos e seu escudeiro, o gigante baterista Daniel Mazza, parecem caras comuns da plateia num palco, todos usando figurinos básicos, como se tivessem saído de casa direto para o palco, o que gera uma identificação imediata com os fãs.
O show segue com releituras furiosas de MC Kevinho, Bum Bum Tam Tam, de MC Fiotti, Evolui, de um pool de funkeiros, músicas sobre gaiolas, do MC Livinho, tudo isso temperado com solos de guitarras, tappings, riffs e uma bateria sensacional. Admirável a aceitação do público que se diverte muito com esses arranjos de metal misturados a pouco audíveis letras de funk. Infelizmente a massa sonora do show prejudica a compreensão do vocal de Lucas e muitas canções são de difícil entendimento da letra. Mas nada que a gurizada presente sinta e não se entregue de vez para o artista preferido. Muitos “Lucas, eu te amo” e odes à banda, que pra eles é a melhor do Brasil, emocionam o artista de São Paulo, que retribui com muito carinho as declarações de amor de seu público com discursos emocionados e como Porto Alegre e seu super lotado show do ano passado foi importante para o Inutilismo.
Se dessa vez não tínhamos um auditório entupido de gente, tínhamos uma plateia muito animada, diversificada e com jovens que se identificam muito com o artista, uma galera de paz, de gratidão, loucos de cara, que para ser feliz basta ouvir e se encantar com Lucas, um cara como eles. Um belo momento de contemplação dessa juventude tão criticada por outras gerações, mas que tem seu modo pessoal de se divertir e é despida de preconceitos, ranços e bengalas, se entrega de corpo e alma pro Lucas Inutilismo. Outro momento marcante também é quando eles tocam Vermelho, de Gloria Groove, com direito a um público ensandecido com frenéticos celulares iluminados na mão, naqueles momentos de contemplar mais a plateia que o próprio artista. Happier Than Ever, de Billie Elish, outro exemplo dessa geração, é cantada a plenos pulmões pela galera e por um Lucas visualmente emocionado, essa num arranjo mais calmo e um momento emocionante da apresentação.
Segue cover pesado de Luiza Sonza e músicas como Popozão no Chão, de MTG. E ainda tem aquele momento que homenageia a banda preferida de Lucas, Metallica, tocando uma versão competente do clássico Master of Puppets. Neste momento não deixa de ser emocionante ver aqueles jovens todos vibrando, batendo cabeça, fazendo sinal de guampinhas com a mão exaltando o metal pesado, vibrando com guitarras, baixo e bateria e música feita de verdade, uma mostra que tocar um instrumento ainda tem seu valor, ou como diria gente como eu, o rock ainda respira, mesmo que com uma música de quase 40 anos…
O show ainda tem alguns momentos com funks turbinados como Se Tá Solteira, de FBC & VHOOR, e finda com Lucas agradecendo a todos por mais uma noite fantástica na sua carreira. Mas quanto ao título do espetáculo, talvez a minha constatação ou sensação é que o funk é apenas um pretexto para a super banda exibir sua brilhante técnica nos instrumentos. Suas versões são apenas detalhes e a execução instrumental da gurizada, com seu peso visceral, é que comanda a massa e é mote para o guitarrista Lucas mostrar seu talento. Esse peso todo das canções é que norteia o show e o funk é apenas um detalhe para cantar junto naquele show instrumental de virtuose dos garotos, mas que funciona muito bem unindo a diversidade de fãs que contemplam seu trabalho.
Simplificando, sair da zona de conforto faz muito bem, estar antenado ao que acontece fora da bolha é algo gratificante, e conhecer Lucas Inutilismo foi uma experiência e tanto. Elogiar seu talento, seus arranjos complexos e banda incrível nessa união do peso com o popularíssimo funk é um baita gol do artista, que consegue fazer aquilo que a gaúcha Comunidade Nin Jitsu já falava: “o roqueiro entrou no baile e achou que era confusão…”. No caso, no baile do Lucas, o funkeiro, o roqueiro, o geek, o kpop, o normalzão, o tímido, o extrovertido, enfim, a juventude toda tem portas abertas pra curtir 1h45min de inclusão e identificação imediata e sai saciada com o talentoso artista e sua banda.
Crédito das fotos: Vívian Carravetta