Close
MÚSICA

Kleiton, Kledir e Vitor Ramil – Araújo Vianna

Kleiton, Kledir e Vitor Ramil – Araújo Vianna
  • Publishedjulho 14, 2025

Kleiton e Kledir são patrimônios culturais da música do Rio Grande do Sul. Desde os anos 1970, com o surgimento dos revolucionários Almôndegas, e posteriormente com o sucesso da dupla que atravessou as fronteiras do Rio Mampituba, poucos souberam fazer essa junção do urbano com o regionalista com tanta maestria. E essa junção, com deliciosas pílulas de música pop em canções que até hoje estão na cabeça de quem gosta de boa música. E o que dizer do irmão mais novo deles, Vitor Ramil? Prodígio, desde cedo soube se descolar da sombras dos manos mais velhos para brilhar como uma estrela, numa sólida e respeitada carreira, com canções mais intimistas, líricas, com sua estética do frio em letras marcantes. Os três irmãos Ramil, filhos da saudosa Dona Dalva, matriarca da nobre casa musical Ramil, reuniram-se na sexta-feira passada. Essa junção, em formato acústico, se deu obviamente no Bom Fim, no meio da Redenção, no disco voador musical que é o nosso Araújo Vianna. E o NoSet estava lá conferindo esse momento histórico da música popular gaúcha e brasileira.

Como se diz aqui no Sul, o Auditório Araújo Vianna estava apinhado de viventes, ocupando todos os assentos e lotando as galerias do local para prestigiar esse encontro. No palco minimalista, apenas um praticável com três cadeiras e diversos instrumentos que iriam ser usados pelo trio. Com um (mais um) atraso de aborrecer, por volta das 21h35min, os três filhos de Pelotas subiram ao palco. Kledir no lado esquerdo de quem assiste, Kleiton no lado direito e Vitor ao centro. Começam com um número instrumental de nome Couvert, com o violino característico e marcante do Kleiton, mas é com o clássico do Almôndegas, que segundo Kledir era da época que os dinossauros andavam na Terra, Canção da Meia-Noite, que começamos a saborear o cardápio musical e talento dos três irmãos. Vitor, que teve problemas técnicos, chega a brincar ao fim da música que sempre quis entrar nos Almôndegas, mas tinha apenas 10 anos, e os manos diziam que ele não deveria tocar para não atrapalhar, e como acontece tal incidente com seu retorno, ele diz: “acho que eles tinham razão”. E é nesse clima familiar de quase um ensaio aberto que eles seguem com a hipnótica Loucos de Cara, do Vitor, com três violões de arrepiar e um arranjo vocal de pura contemplação.

Depois seguem com Fonte da Saudade, aquela do “fecha luz e apaga a porta”, uma das músicas mais lindas dos anos 1980, cantada magistralmente por Kledir. O espetáculo continua com Foi no Mês que Vem, de Vitor, lançada em 2013. E entre uma canção e outra, eles brincam entre si, os irmãos mais velhos brincam que uma vez deram abacate estragado ao Vitor, que passou anos detestando a fruta. Ou que Kledir roubou Paixão do Vitor, já que o início de uma canção dele é igual à do Kledir, e que segundo o Vitor, foi mostrada antes para o irmão. Momentos de pura descontração que provocavam gargalhadas na numerosa, mas tímida plateia, que sentadinha, só se limitava a bater palmas. Teve ainda Nem Pensar, da dupla, Tierra, do Vitor Ramil, oriunda do disco Campos Neutrais, de 2017, mas é com Paixão, talvez uma das músicas mais lindas de contemplação a um parceiro, que o povo canta junto de vez. Não tem como não se arrepiar com Kledir cantando, sem nem mesmo tocar violão, deixado para os dois essa imcubência, nos encantar com versos como “amo tua voz e tua cor, e o teu jeito de fazer amor”. Sublime momento. 

O set segue com Grama Verde, do Vitor Ramil, em que contam pela enésima vez que a música foi inspirada pelo filme Blow Up, do Antonioni, quando o diretor, não satisfeito com a cor verde desbotada do parque onde iria filmar a cena, mandou pintar a grama de um verde vivo e mais gritante. Demonstram o lado regionalista com o clássico do gênero, Roda de Chimarrão, em uma empolgante versão, e segue o baile naquele que é quase um hino não reconhecido do regionalismo feito por seres urbanos, a lindíssima Deixando o Pago, do Vitor Ramil, essa também cantada com veemência pela já, nesse momento, menos contida plateia. Estrela Estrela, primeiro sucesso do Vitor, também emociona, com Kleiton tendo bastante protagonismo vocal nas passagens agudas da bela canção. Os três começam a falar de uma das suas paixões, Os Beatles, os irmãos falam que viram moleques aquela exceção dos garotos de Liverpool, e que na adolescência assimilaram bem essa influência na sua música. Vitor, mais novo, já pegou outra era dos Beatles, mas assume que Revolver é seu disco preferido e que nos ensaios deles, Beatles, em suas diversas fases e formas, se fazem presente sempre. Então os três fazem uma versão à la Ramil de You’ve Got a Hide Your Love Away, não do Revolver, e sim do Help, de 1965.

Dali pra frente era só emoção, com a plateia desta vez levantando aos poucos dos assentos. Kleiton puxa Vira Virou, sucesso inesquecível da dupla, com seu arranjo vocal de arrepiar e violões sublimes. Semeadura, de 1984, do Vitor, do clássico disco A Paixão de V Segundo Ele Próprio, segue o clima de empolgação da galera e o show finda com aquele hino de saudades que qualquer nativo ou adotado pela tão sofrida capital dos gaúchos ainda grita a plenos pulmões, Deu pra Ti, que levanta o povo presente com suas referências à capital e aquele ar de uma saudade de uma época onde nossa cidade parecia ser mais mágica, mas que mesmo assim, ainda arrepia em qualquer volta e chegada a ela. 

Claro que teríamos bis, e com muita categoria. Os três retornam às suas cadeiras e Vitor apresenta aquele épico de Satolep, na sua versão de Joquin,de Bob Dylan, num dos momentos mais lindos da noite. E isso que, em certo momento, Vitor ficou quase afônico num verso, coisas de que só quem pisa num palco sabe que acontece. E o show termina com outro hino não oficial do Rio Grande do Sul, dos tempos dos Almôndegas e de quando Fogaça era compositor, a emocionante Vento Negro, essa cantada em coro por um Araújo Vianna de pé e emocionado, sabendo que quem vai embora sempre saberá que isso é viração. E isso que Kleiton, ao fazer o antológico solo, ainda errou pela primeira vez, começando de novo a música. Pequenos erros perdoáveis, num show que era quase que uma apresentação informal de três irmãos numa sala de estar.

A combinação Bom Fim, Redenção, Araújo Vianna, Oswaldo Aranha, inverno gaúcho e os irmãos Ramil não tinha como dar errado. Com um clima leve e e descontraído, de muita prosa e histórias de família, o trio de manos nos emocionaram com quase 20 canções com o jeito Ramil de ser. Músicas que estão no nosso imaginário e são veneradas e cantadas por décadas. Uma junção esperada, mesmo que tenha demorado a ocorrer. Um show para a história, e torço que esse projeto continue, quem sabe eles colocando uma banda para acompanhar, nem que siga nesse formato acústico mesmo, porque os três tem um talento incrível em conduzir seus magistrais violões. Em suma, mais um show para a história do quase centenário Araújo e uma noite para se emocionar com os rapazes que vieram do Sul do estado e desbravaram o Brasil e o mundo e tem Porto Alegre como sentimental esteio.

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

Written By
Lauro Roth