Jovens Tardes Segunda Edição em Porto Alegre

Costumo torcer o nariz com expressões do tipo: “bom era no meu tempo”, ou quando se tem nostalgia por uma época com a máxima: “os bons tempos voltaram”. Tempo é agora, quando terminei de escrever esse texto já será passado e bom tempo é sempre. Mais ou menos com essa prerrogativa, o Araújo Vianna recebeu no fim de tarde de domingo, a segunda edição do show As Jovens Tardes, mais uma vez capitaneadas pelos quase sessentões Fevers, e que nessa edição teve a companhia dos sessentões Renato e seus Blue Caps e os cinquentões Pholhas.

Com um bom público prestigiando uma volta ao passado musical, mas tendo o privilégio de vermos no presente essas tremendas bandas, o NoSet  esteve lá e participou dessa viagem no tempo dos primórdios do rock nacional. Quem abriu os trabalhos foram Os Pholhas. O quarteto paulistano que foi um dos melhores exemplos de bandas que faziam sucesso na década de 1970 cantando em inglês e muitas vezes, para o ouvinte, eram considerados gringos. Mas os brasileiríssimos Bitão na guitarra, Paulinho Fernandes na bateria e vocal, João Alberto no contrabaixo e Elias Jô nos teclados mostraram que o tempo só fez bem para a banda. Com uma qualidade técnica vocal e sonora hipnótica, tocaram grandes sucessos como Forever, I Never Did Before, My Sorrow, Get Back, todos da fase setentista onde brilhavam nas rádios e paradas do país. Homenagem a outra banda da época, que fazia muito sucesso, o Light Reflections, com Tell me Once Again, presente em todas as rádios que povoam suas programações com canções dos “bons tempos”’. 

A banda segue depois com um momento de homenagem ao rock com Pretty Woman, Venus, do Shocking Blue com direito a solo de batera do Paulinho, Have Ever Seen The Rain, Back in URSS e pra finalizar seus dois maiores sucessos, She Made me Cry e encerram com My Mystake, que embalou muito romance, mesmo com uma letra que era sobre feminicidio… coisas dos falsos gringos e seu inglês para rimar. Enfim, Os Pholhas continuam com um som impecável, arranjos de voz afiados, grandes músicos e uma experiência de mais de 50 anos, que serviu de primoroso aquecimento para o resto da noite.

Chega então ao palco, por volta das 19h15min, a lendária Renato e seus Blue Caps. Com a alcunha de se considerarem a banda de rock  mais antiga em atividade no planeta, mesmo com a morte de Renato Barros, seguiu em frente pra alegrar por mais uma hora os fãs no Araújo. Com Cid Chaves, desde os primórdios no grupo nos vocais, Chi Lenno na guitarra, Bruno Sanson no baixo, Darci Velasco nos teclados e Fabricio Motta na bateria, a banda praticamente fez um baile ininterrupto, uma aula musical, começando com Ela é Tão Linda, mas aí desfilam sucessos como A Primeira Lágrima, Como Num Sonho, Como há Dez Anos Atrás (que falam dos tais tempos antigos), Meu Primeiro Amor, entre outros, quase uma corrida musical, empilhando sucesso atrás de sucesso.

Num momento emocionante do show, Cid fala de Renato Barros, como o amigo está presente sempre e com ele no telão, em homenagem, cantam Não te Esquecerei, Devolva-me, Vivo Só, Sheila Garota Malvada. Mas depois da Malvada eles prestam homenagem ao Tremendão com a Gatinha Manhosa em uma delicada interpretação. Ainda teve tempo para Amar Você da época dos The Originals. Um dos destaques da banda é o guitarrista Chi Lenno, que substituiu muito bem a lenda Renato, além da animação de Cid e os arranjos vocais do conjunto.

Lembrando o início de tudo, que foi a Jovem Guarda, a banda toca quase como pot-pourri clássicos dos anos 1960, como Festa de Arromba, Pica-pau, Vem Quente Que Estou Fervendo, Alguém na Multidão, Mar de Rosas, a forasteira mas tiro certo de animação, Whisky à Go-go, do Roupa Nova, fechando com Era um Garoto que Como eu. Atacam depois com um dos seus maiores sucessos, Feche os Olhos, seguindo com Não me Diga Adeus, Meu Bem Não me Quer. Fecha o show e bailão do Renato e seus Blue Caps com Menina Linda, animando a plateia. Diga-se de passagem, para quem foi prestigiar os três conjuntos não faltou disposição, cantando junto os sucessos, dançando e curtindo a máquina do tempo daquela tarde/noite de sábado, em suma, fazendo valer o ingresso e se entregando a boa música.

Para fechar mais essa edição, os donos da festa, Os Fevers, com seus 58 anos de vida, diversas fases na carreira e os reis do baile do Brasil. A banda mais popular do Brasil, tem na formação o lendário baixista Liebert Ferreira, desde 1965 no pulsante baixo da banda e um dos melhores baixistas do Brasil, Luiz Cláudio, desde 1969 comanda a massa, com sua voz incrível e performance cancheira, Rama, um excelente guitarrista, esmerilha o instrumento, conta ainda com a bateria de Otavio Henrique, com sua preciosa pegada e nos teclados, Claudio Mendes comanda os efeitos, fechando o time de primeira. E para alegria da massa, a banda começa por volta das 20h45min com Hey Girl, sucesso histórico da banda. A festa embala com o sucesso de 1971, Vem me Ajudar, e completa  a trinca de ouro com Agora eu Sei, de 1969. Por Causa de Você, do Michael Sullivan, sucesso romântico de 1986, segura uma onda do frenesi inicial, mas parecia uma música atual, tamanha animação, cantada por todos. Já Cansei, um dos primeiros êxitos da banda, mantém o nível do excelente repertório.

Mas chega o momento de lembrar da época que a banda gravava sucessos internacionais em coletâneas, emulando nota por nota os artistas gringos. E com Rock and Roll Lullaby emociona o auditório, mas é com o cover Skyline Pigeon, de Elton John, em uma interpretação incrível, que a plateia delira. Ainda tinha Hey Jude, fazendo um misto da versão do Kiko Zambianchi com Beatles. Grande momento, mostrando a cancha da banda conquistada nos bailes da vida.                

Voltando aos sucessos da banda, tocam Candida, de 1970, e Mar de Rosas, mostrando a riqueza do cancioneiro dos Fevers. Não Devo Mais Ficar, curiosa versão da banda para Have Ever Seen the Rain, do Creedence, segue o baile. O mega sucesso dos anos 1980, Guerra dos Sexos, na época que a banda era figurinha carimbada nas trilhas das novelas globais, fez todo mundo cantar. Mas é com o medley Jovem Guarda que o Araújo literalmente cai na dança, com sucessos com pérolas como Eu te Darei o Céu, Pensando Nela, Alguém na Multidão, Menina Linda, Era um Garoto, fechando com Festa de Arromba, lembrando daquelas velhas tardes de domingo que embalavam o Brasil dos anos 1960.

Mudando a ficha, tocam Uni Duni Tê, do Trem da Alegria, na época que a banda gravava em estúdios os arranjos dos sucessos dos anos 1980, tamanha qualidade dos músicos. E o show termina com aquele que com certeza é o sucesso que renovou o público nos anos 1980, a vibrante Elas Por Elas, com direito à apresentação da banda e solos dos exímios músicos. Quando parecia que tinham acabado, como inimigos do fim, voltam e tocam um medley rock and roll anos 1950 e terminam com Mar de Rosas novamente! Um grande show, animado e com uma competência de quem sabe fazer bem, ou como diria o Faustão, sabe fazer bem ao vivo.

Jovens Tardes Segunda Edição provou mais uma vez a força desses gigantes e pioneiros do rock do Brasil, que mesmo passando décadas, perdas na formação, mudanças de modismos, ainda mantém acesa a chama do pop rock de qualidade que faziam e continuam provando que o tempo de hoje ainda tem espaço pra tardes como essa. Os Pholhas, Renato seus Blue Caps e principalmente os Fevers são a prova viva de que música boa não tem época, tempo e nunca sai de moda.

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