Nos idos anos de 1995 eu concluí a leitura (em duas partes) de It – A Coisa, uma das mais extensas obras de Stephen King. Assim como Capitães de Areia, do imortal Jorge Amado, os personagens de It são apaixonantes, complexos e perfeitamente interligados. É uma leitura fluente, apesar do grande número de páginas (algo em torno de 1200 páginas na versão dupla e pouco mais de 800 na nova versão, apesar da letra bem pequena). O livro foi um sucesso por ter elementos complexos em sua estrutura: assédio de crianças, assassinato, traição, espíritos, o atualíssimo bullying, violência, mas também conta com inocência, parceria e a rotina de uma cidade pequena em plenos anos 80.
A leitura dessa obra foi algo muito marcante para mim. A história dos párias de uma cidade que se tornam mais fortes por meio de sua união é muito interessante, principalmente se levarmos em conta que mesmo sendo uma narrativa de horror, algumas das piores e mais sombrias passagens são proporcionadas pelos humanos, não pela criatura chamada Pennywise.
Assim, não se assustem com o fato de que o filme It é, na verdade, a primeira parte da história, assim como ocorre com o livro da década de 80 publicado pela Francisco Alves. Tal como aconteceu com a edição original de O Senhor dos Anéis, a partição da obra foi uma forma de atrair o público, pois é preciso relembrar que os livros não eram muito acessíveis por ocasião do lançamento de It ou de LotR. Mas qual o motivo para essa explanação sobre os livros? Simplesmente para que saibam que o diretor e os produtores tiveram o zelo de não fazer um filme corrido, cuja narrativa original seria cortada de forma drástica e reduziria o impacto do que foi escrito por Stephen King.
It é um filme que respeita os fãs de King e atrai com inteligência os admiradores de Stranger Things e 13 Reasons Why. Vamos prosseguir e descobrir os motivos que embasam essas afirmações?
A história.
Derry é uma cidade que aparece com muita constância nos livros de King. Desta vez, entretanto, o mal parece ter se alojado na cidadezinha e está impondo sutilmente sua vontade sobre os moradores. Nesse contexto nós somos apresentados – de forma gradual e correta – às sete crianças que são o pilar da trama. Cada uma delas tem seu próprio inferno pessoal, já que são frágeis e vítimas. Ver a narrativa do contexto das crianças é um acerto absurdo, já que a verdadeira face de Pennywise, sua essência maligna, estará presente no segundo filme.
“Sim, eu acredito que os sustos e as versões do palhaço serão ainda maiores e mais aterrorizantes na parte 2.”
Voltemos à trama…
As sete crianças são mostradas em situações que reforçam suas rotinas, os traumas e tudo que é capaz de pô-los para baixo, fatos que diminuem sua auto-estima e coragem. Eles sofrem tanto que chegam a formar um grupo, chamado por eles de O Clube dos Perdedores. Os integrantes desse clubinho são:
Bill Denbrough (Jaeden Lieberher) é o menino gago que perde seu irmão logo nos minutos iniciais do filme. A culpa o persegue por toda a história.
Ben Hanscom (Jeremy Ray Taylor) é o gordinho do grupo, uma criança educada e boa, também vítima da perseguição e dos maus tratos do mais forte. Psicologicamente é muito forte, fato que supera suas limitações físicas. Ele é um estudioso do passado de Derry e é peça-chave na busca e localização do covil da entidade assassina.
Beverly Marsh (Sophia Lillis) é a única menina do Clube dos Perdedores. Ela é inteligente, linda e romântica, o que não impede que seja vítima de falsos boatos e da humilhação na escola. Ela desperta o interesse de Bill e Ben.
Richie Tozier (Finn Wolfhard) é uma enciclopédia dos palavrões, uma ferramenta que ele usa para escapar das tensões e do medo, além da ofensa propriamente dita. Richie garante os mais divertidos momentos do longa.
Eddie Kaspbrak (Jack Dylan Grazer) é o usuário de medicamentos compulsivo. Tem uma mãe super protetora, obesa e que atribui todos os problemas do filho aos amigos.
Mike Hanlon (Chosen Jacobs) é um jovem negro que presenciou seus pais serem queimados até a morte. Mike sente a essência maligna de Pennywise em toda a cidade, herança de seus pais.
Stanley Uris (Wyatt Oleff) é um menino judeu, acuado pela insistência do pai rabino para que seja um verdadeiro seguidor da fé. Stanley é o mais cético dos integrantes do Clube dos Perdedores.
Direção e roteiro.
Andrés (Andy) Muschietti dirige o longa-metragem. Ele já dirigiu o ótimo “Mama” e também está confirmado para a sequência de It. Ele é um dos principais responsáveis pela escolha de Bill Skarsgård para interpretar o Pennywise.
A importância da parceria entre ele e sua irmã (Barbara Muschietti) foi a de trazer harmonia ao resultado final, além da óbvia coerência e dos vários acertos do longa. Optar por priorizar a ótica das crianças ao invés de focar só no palhaço foi uma ideia perfeita que deu dinâmica ao filme, manteve a essência do livro e trouxe o espectador para mais perto dos integrantes do Clube dos Perdedores. Esse é o
Alguns se equivocam ao pensar que A Coisa é uma refilmagem do telefilme de 1990. A versão anterior It – uma obra-prima do medo foi feita exclusivamente para a TV. Mas alguns refugos dessa antiga produção permanecem na obra de Muschietti. A cena inicial usa os cavaletes que também estão na versão de 90. O destaque fica por conta do diálogo entre Georgie e Pennywise que se mostra carismático, alegre e fatal.
A versão para a TV começa já com os protagonistas adultos e usa muito o recurso do flashback. Nessa nova produção o roteiro é mais linear e permite a proximidade entre as crianças e os espectadores. Em suma, este novo It funciona bem melhor.
Pontos extras ao diretor por despertar nos espectadores a vontade de torcer pelo fim dos comparsas de Henry Bowers, o valentão da escola que se vale da idade e do tamanho para impor o terror nos menores.
Atuações.
Cada uma das crianças tem atuações impecáveis, o que reforça ainda mais o trabalho do diretor e produtores, mas não podemos deixar de destacar as interpretações ótimas de Bill Skarsgard, Nicholas Hamilton como o covarde e violento Henry Bowers e seus comparsas, mas também é possível destacar várias cenas onde a crueldade das crianças assombra.
O irmão de Bill, Georgie, interpretado pelo ator mirim Jackson Robert Scott é outro ponto alto, muito convincente.
O pai de Bowers (Stuart Hughes) é um policial extremamente severo que sente prazer ao humilhar o próprio filho. Apesar da crueldade de Henry Bowers, há um momento em que o público se compadece de sua situação.
Enfim…
It é uma obra feita com carinho e respeito pelos fãs do best-seller de Stephen King, assim como por aqueles que amaram o telefilme de 1990. Cheio de citações à cultura dos anos 80 e com locações que oscilam entre o lindo e o aterrorizante, o filme tem tudo para se tornar um marco para essa nova geração que, certamente, não olhará jamais para um palhaço com a mesma inocência de outrora. Filme recomendadíssimo!
Extras!
Outras referências de It no cinema.
A Casa Monstro (Monster House) é uma animação que bebeu muito na fonte de Stephen King. Há uma cena onde a casa atrai um jovem através de uma pipa vermelha (Do you want a kite?). A Casa lembra muito a de It. Alguns dos garotos também são bem parecidos com as versões atuais de A Coisa.
Pennywise, o da versão de 1990, aparece bem rápido em uma cena. Vejam abaixo essas referências:
Uma experiência em realidade virtual.
A Warner Bros. Pictures Brasil nos concedeu essa interessante experiência que permite vermos cenas do filme em versão dublada, feitas em CGI e em 360 graus.
A câmera escondida do Silvio Santos.
Como não podia faltar, a produção do programa Silvio Santos resolveu fazer uma nova câmera escondida. Apesar de não haver a produção como a que vimos em Annabelle, Pennywise garantiu bons momentos de terror.
Entrevista com o diretor, a roteirista e as crianças de It – A Coisa:
3 Comments
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