Há algumas versões dessa frase, “Há três tipos de amor”, com interpretações diferentes, todas refletindo o quão poderoso pode ser e o quão perigoso pode ser o explorar de forma errada. No filme “Um Amor Impossível” cita-se essa frase, mas seu uso acaba sendo trágico. O drama é uma adaptação do livro de mesmo nome de Christine Angot, com roteiro adaptado por Laurette Polmanss e Catherine Corsini, que também assina a direção.
A produção é de 2018, chegando ao Brasil graças à distribuição da A2 Filmes e, atualmente, está disponível na Prime Video.
Rachel e Philippe poderiam se passar por um belo casal símbolo dos anos de 1950, mas não era bem assim. Ela havia chegado aos 26 anos sem ter se casado, o que, na época, era motivo para ser taxada como solteirona, e tinha um ar inocente, doce e sonhadora. Ele era charmoso, com personalidade cativante, ambicioso e perigoso.
Eles tiveram um romance de alguns meses, eram completamente apaixonados, mas alguns sinais estranhos já poderiam ser vistos, talvez não para ela, mas estavam lá.
Philippe começou a falar de dinheiro e de liberdade, afirmando que nunca se casaria, mas que isso nunca mudaria a relação deles. Em outras palavras, ele a queria livre para ele, mesmo se ela se casasse com outro e ele fosse só o amante. Proposta completamente indecorosa para alguém como Rachel.
Mas ela estava “sob o feitiço” dele, então deixou passar o comentário.
Ele era tradutor e trabalhava para uma grande empresa, por isso ele estava morando na cidade onde Rachel nasceu e se criou, Châteauroux, no interior da França. Depois ele foi mandado para Paris, deixando Rachel com a tal proposta indecorosa e outra responsabilidade.
Algumas semanas depois ela descobriu que estava grávida e o avisou por carta, já que eles trocavam correspondência com certa frequência. A resposta dele foi primeiro o silêncio, depois disse que não se sentia responsável e, por fim, quis se encontrar com ela.
Eles foram viajar juntos e pareciam ter a mesma boa relação de sempre e ele deixou bem claro que a gravidez dela não mudaria em nada isso. Quando a filha deles nasceu, Chantal, Rachel o avisou, ele só foi conhecer a menina 05 meses depois, ainda sem querer criar laços.
Rachel não queria nada demais de Philippe, havia deixado claro que não precisava enviar dinheiro, ela só queria que a filha conhecesse o pai e que ele a reconhecesse, colocando o nome dele na certidão de Chantal. Mas ele tinha pouquíssimo interesse nisso.
Ao longo da infância de Chantal ela só viu o pai duas vezes, em uma viagem de férias e em uma visita que ele fez a elas. Ambos os momentos eram muito mais para que ele tivesse noites românticas com Rachel do que para ter momentos de qualidade com a filha, muito menos para a reconhecer.
O inevitável aconteceu, Philippe casou-se e falou isso na maior tranquilidade para Rachel, falando, inclusive, que estava muito feliz com isso, que a sua esposa era muito superior a ela. Isso a fez se afastar totalmente dele por muitos anos.
Quando Chantal já tinha seus 12 anos, Philippe voltou a fazer parte da vida delas. Ele procurou Rachel e passou a trocar cartas com Chantal, fazendo a menina sonhar com a ideia de ter um pai extraordinário.
Chantal herdou algumas características do pai, a aparência, os gostos e o temperamento. O lado B, quando ninguém está vendo. Ambos tinham a tendência de ficarem muito agressivos quando contrariados.
Talvez essa fosse a chave de Philippe para manter Rachel sob o tal “feitiço”, porque ela era muito calma e pacificadora, não gostava de contrariar as pessoas nem de enfrentar esse temperamento forte, ela preferia chegar a um acordo e não incomodar.
Embora isso a tenha prejudicado, tornando-se amante de Philippe durante anos, sempre aceitando seus carinhos e desculpas quando ele resolvia aparecer na vida delas, surtiu efeitos piores ao longo do tempo.
Chantal passou a ter um relacionamento próximo com o pai, além das cartas. Depois que ele finalmente a registrou como filha dele, ela passou a o visitar e a sair para passear com ele, sempre que a família oficial dele estava ausente. Ela sempre voltava para casa irritada, passava horas em silêncio, trancada no quarto, ou brigando com a mãe.
Como Rachel não queria enfrentar e achava que a raiva de Chantal era por voltar para casa, ela deixou quieto, não questionava a filha. Anos depois ela descobriu que, na verdade, Chantal estava sendo abusada por Philippe desde que ela tinha 12 anos, a irritação era uma reação mal canalizada do que ela estava passando e deixando em segredo.
Ainda assim Rachel não enfrentou Chantal, achou que a filha iria a procurar quando sentisse necessidade. Isso não aconteceu tão rapidamente, nos anos seguintes a relação dela foi se tornando mais difícil, mais distante.
Elas só conseguiram se re-aproximar anos depois que Philippe faleceu, depois que Rachel passou a fazer terapia, tratando de uma depressão surgida por causa desses atritos, e Chantal ter começado a querer se abrir sobre tudo o que sofreu, embora ainda tivesse um pouco de rancor e irritação envolvidas (mas agora canalizada).
É uma história muito delicada de ser contada, primeiro por causa das personalidades contrastantes dos personagens (poderia ficar exagerado para algum lado, desequilibrado) quanto pelos temas abordados.
Podemos ver a total negligência de um playbloy com lábia, com total apoio da família (tem uma cena com o pai dele, ignorando a neta), colocando o status social e a conta bancária acima de qualquer sentimento, regra social e moral. Seu charme foi capaz de envolver Rachel de uma forma que nem ela entendia.
Além disso, tem um terrível fato que poucos ignoram, o de que meninas e mulheres podem ser abusadas, inclusive sexualmente, por parentes muito próximos, como o próprio pai. No caso de Chantal, ela não morava com o pai e passou anos longe dele, mas ainda tinha essa ligação sanguínea, que, muitas vezes, isenta abusadores de seus crimes.
A parte inicial, com o romance de Rachel e Philippe, poderia ser facilmente uma comédia romântica, a estória, a fotografia e o idioma ajudam a passar essa ideia. Mas nem se engane, é quebrada bem cedo, com os sinais “estranhos” que ele começa a dar, que citei no início.
O elenco principal conta com:
- Virginie Efira, como Rachel. Ela é conhecida por filmes como “20 anos a Menos” e “Um Amor à Altura”, comédias românticas que eu adoro, mas foi muito bom a ver em um drama;
- Niels Schneider, como Philippe. O ator é conhecido por filmes como “Polina”, “Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte” e “Sybil” (onde também trabalhou ao lado de Virginie Efira);
- Chantal foi interpretada por 04 atrizes, para representar seu crescimento -> Ambre Hasaj (03 a 05 anos), Sasha Alessandri-Torrès Garcia (06 a 08 anos), Estelle Lescure (adolescente) e Jehnny Beth (adulta). Mas preciso destacar o trabalho de Estelle Lescure, ela teve a responsabilidade de transformar a inocente Chantal, sonhando com o pai, em uma Chantal cheia de cicatrizes emocionais, e ela fez isso brilhantemente.
Até Mais!