O vício em drogas e as consequências deste é um assunto que sempre está em pauta, possivelmente porque não há uma receita única para solucionar todos os efeitos que causa.
Na cidade de São Paulo o vício em crack, forma pura da cocaína, construiu o que se chama de Cracolândia, um bairro tomado pelos dependentes da droga e pelo tráfico. Há muito o governo do estado tenta acabar com esse foco, mas ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados.
O documentário “Cracolândia” mostra os debates que envolvem este local e os dependentes que ali moram. A produção é da Felistoque Filmes, liderado por Denise Castelhano e dirigido por Denise Castelhano, a distribuição é da O2 Play e o lançamento oficial ocorre hoje, na 44º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Para contextualizar, o documentário inicia na própria Cracolândia, mostrando um pouco da dura realidade do local, lembrando que a polícia já agiu lá há alguns anos, causando revolta entre os moradores. A partir daí são mostrados depoimentos de especialistas e ex-dependentes, iniciando o debate de verdade.
Quem defende ações mais energéticas do governo usa o argumento que ações paliativas já foram usadas antes e só fomentaram ainda mais o tráfico da droga por lá. Em suma, a força policial, boa parte do sistema judiciário de SP e alguns ex-dependentes são defensores dessa tese.
Por outro lado, há quem discorde dessas ações, mostrando que estas tendem à violência policial e não garantem que os seres humanos (dependentes) envolvidos realmente tenham uma qualidade de vida melhor depois daquilo. Os profissionais da saúde, especialmente aqueles que já trabalharam lá na Cracolândia, são os principais defensores dessa tese.
O documentário também mostra ações usadas em locais abertos de uso de drogas (termo oficial de locais desse tipo) de outros países, nos EUA, no Canadá e na Europa, principalmente na Suíça. Nestes locais uma solução foi encontrada, Salas de Uso Assistido.
Consiste basicamente no seguinte, depois de esvaziar o local, o governo cria uma unidade médica. Por lá os dependentes usam a droga com assistência de uma equipe médica, com agulhas e outras ferramentas esterilizadas. Eles também aprendem a como lidar com overdose e recebem atendimento médico regular, sem nenhum custo.
Essa medida se apoia no fato de que muitas mortes não se davam por causa da droga em si, mas pelo uso de materiais usados, como o tétano e a HIV. Depois de anos do serviço, é possível concluir que há menos casos de mortes por essas doenças e mais, muitos deixam de usar a droga ao começar a se conscientizar de sua condição.
Levanta-se daí o questionamento se isso funcionaria na Cracolândia e, como tudo envolvendo essa questão, a resposta não é simples. O primeiro obstáculo é a diferença da droga, uma vez que as pessoas atendidas no serviço da Suíça, por exemplo, são dependentes de heroína, uma droga calmante, já o caso brasileiro envolve o crack, uma droga estimulante, o usuário fica extremamente violente sob o efeito dela.
Ainda assim, os profissionais da saúde que conhecem a realidade do local acreditam nas soluções pacificadoras e na necessidade de haver atendimento mais humanitário por lá. Diferente da força policial.
O documentário em si é bem produzido, foi inteligente em colocar todos os ‘atores’ do caso na produção, mostrando todos os pontos de vista e as possibilidades de solução, contudo, ainda dá para sentir que é imparcial. Há momentos que o “apresentador” (não anotem o nome dele, perdão) se mostra ao lado da força policial, descrente do atendimento humanitário.
O que vai de encontro com minha posição, o que levou a minha discordância, especialmente quando colocaram os Direitos Humanos como um privilégio e não uma necessidade. Ainda assim, achei importante ouvir todos esses posicionamentos e é justamente isso que se deve fazer para haver alguma resolução.
Pessoalmente acredito que ainda é necessário muito debate nesse quesito e, como diz o narrador logo no comecinho, tocar em assuntos que são desconfortáveis, visto até como tabus sociais, para que a solução seja encontrada.
Detalhe, não acredito que exista UMA solução, mas sim o conjunto de várias ações (se não me engano, uma pessoa fala isso no finalzinho do documentário).
Até mais!