Glenn Hughes – The Chosen Years – Bar Opinião
O inglês Glenn Hughes, com certeza, é um dos casos mais curiosos do rock mundial. O filho ilustre de Cannock, apesar de ter tido uma passagem incrível pelo Deep Purple, sempre teve luz própria, construindo uma carreira sólida mesmo longe do mainstream, mas sempre com parcerias certas, talento e trabalho conseguiu criar uma legião de fãs que idolatram o baixista e cantor por onde ele passa. E o Brasil sempre o recebeu de braços abertos, lotando seus shows e admirando a sua carreira. Mas as cinco décadas de shows pelo mundo afora tem seu preço e Glenn, a priori, vai dar uma segurada na carreira, não se aposentar, mas diminuir o ritmo. Para isso, não esqueceu o Brasil e marcou muitas datas para sua tour The Chosen Years, onde promete um pente fino na sua carreira, em todas as suas fases, deixando um pouco a passagem do Deep Purple de lado. Porto Alegre esteve no radar e a voz do rock fez um inesquecível show no Bar Opinião terça-feira passada e nas próximas linhas eu conto para quem se interessar.
Na agradável terça-feira do dia 11 de novembro um bom público já estava dentro do Bar Opinião, Rua José do Patrocínio, para prestigiar a banda local que teve a incumbência de fazer a abertura, o sensacional Marenna. O quinteto, com certeza, é uma das melhores bandas do Brasil, com um som de muita personalidade, com músicas vibrantes, letras positivas e uma sonoridade empolgante. Rod Marenna, Bife, Arthur Schavinski, Edu Lersch e Luks Diesel fizeram um show compacto, com uma segurança certeira, onde passaram a limpo seu rico repertório, naquela mistura de Aor, hard rock oitentista e música pop de qualidade. Passeando por todos seus álbuns e EPs, abriram o show com Voyager (2022), Never Surrender (2016), Out Of Line (2022), You Need To Believe (2015), How Long do ano passado, Breaking The Chains e Perfect Crime, do Voyager, e fecharam o show com a arrebatadora Had Enough. Como sempre falo, qualquer canção deles serviria como cama de trilha sonora perfeita para filmes dos anos 1980. Típica banda de fechar os olhos e curtir sem freio o show com músicos competentes e com o Rod cada vez melhor. Poucas vezes nesse ambiente difícil que é o fã de rock e dos seus dinossauros, uma banda de abertura foi tão elogiada com um show tão bem executado. Golaço da produção.






Mas é claro que estávamos ali para prestigiar a lenda. Glenn, com sua voz peculiar, com alma de blues e falsetes inimitáveis, no melhor estilo britânico, subiu ao palco em formato power trio pouco mais de 21h, com um Opinião com uma ótimo público. Seus escudeiros eram Soren Anderson na guitarra e na bateria Ash Sheeran. Enfim, senhoras e senhores, o que vimos por duas horas foi uma viagem na carreira do artista em quinze canções que apresentam de maneira resumida o melhor que ele fez em mais de 50 anos em palco e gravações. Ah, não teve a fase Black Sabbath do Seventh Star de 1986, mas segundo ele mesmo fala, era tanto o consumo de drogas e outras cositas mais, que diz que não se lembra mesmo. Ele já chega chegando, começando o show com a porrada Soul Mover, do seu álbum solo de 2005 e seguindo para 1982 com Muscle & Blood, da época de sua parceria com Pat Thrall, no projeto Hughes and Thrall.






Era ótimo ver um Hughes deixando de lado sua herança de Deep Purple e cantando sua fantástica carreira solo que continua profícua, como a canção Voice In My Head, do quentíssimo álbum Chosen, a terceira música do set. Nesse momento Glenn já está emocionado, fala com a galera e agradece demais. Mas estava lá para nos premiar com boa música e segue com One Last Soul da sua fase Black Country Communion, super banda do início dos 2010, em que dividia os vocais com Joes Bonamassa. Can’t Stop The Flood, petardo do álbum Building The Machine, de 2001, segue o baile do tio Glenn, além de First Step You Love, mais uma do ótimo disco com Pat Thrall de 1982. Enfim chega a era Trapeze, a banda que fez ele ser notado antes de ir para o Purple, onde eles atacam de Way Back To The Bone, de 1972, seguidos pelo hit da banda, a ótima Medusa (1970). Poucas vezes tudo conspirava a favor, público de primeira, som excelente, luz nem tanto (ao menos para fotógrafos), mas o ambiente era de quase uma aula de vida do mestre Glenn para sua plateia. E ele continua com suas histórias, embargando a voz e tentando mensurar a emoção do carinho do público brasileiro, num tocante discurso. Se não teve Sabbath, de 1986, ao menos fez um medley de um projeto dele com Tony Iommi, Fused, de 2005, juntando Grace e Dopamine, metal moderno de primeira, mas com certeza o ponto mais fraco do show, na minha opinião. Chosen, do álbum homônimo do ano corrente, segue os trabalhos antes da surpresa sensacional que ele nos fez tocando Mistreated, do Purple. Mesmo com formato trio sem teclados, a banda consegue nos proporcionar uma sonzeira incrível e o vocal de Glenn é algo fora do comum para esse clássico da sua ex-banda. Ele fecha o som (sim, aquela papagaiada que todos fazem antes do bis) com Stay Free, do Black Country Communion.





Mas sem muitas delongas volta ao palco munido com um violão, conta mais histórias e nos presenteia com um dos melhores momentos do show com sua interpretação de violão e voz de Coast To Coast, do Trapeze. Sozinho, no alto dos seus setenta e poucos, mostra toda sua veia blues, sua voz cintilante no ar com aquele lamento arrepiante. Momento marcante do show. Da sua super banda recente, manda um Black Country, de 2010, e obviamente fecha o show com Burn. Aquela coisa, se ele não toca Burn, o contratante não paga e o público sai chateado, e mais um vez, como ele fez há mais de 50 anos com seu baixo em punho e seus falsetes e gritinhos, interpreta o clássico do Deep Purple, fecha o show com alto estilo e muitos celulares no alto filmando o momento. Chama a conta e passa a régua que o que tivemos foi uma aula magna da carreira do Glenn Hughes.
Público satisfeito, noite perfeita e mais uma aula de rock, de um cara que teve uma vida turbulenta mas que jamais perdeu o trem da história, sempre acompanhando vertentes, produzindo, e o principal, tendo uma vida própria. Glenn Hughes nunca precisou se escorar na sua banda antiga, ele é apenas Glenn Hughes, uma lenda, a voz do rock que continua cantando muito e munido de seu baixo encantando por onde passa.




