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MÚSICA

Gabriel o Pensador – Bar Opinião

Gabriel o Pensador – Bar Opinião
  • Publisheddezembro 2, 2025

E o tempo passa mesmo. Há 33 anos, em 1992, um jovem branco e estudante de comunicação, com um rap tomado de raiva, queria matar o presidente. No caso, esse cara tinha 18 anos e a música era Tô Feliz (Matei o Presidente). O presidente em questão era Fernando Collor de Mello, que através do Ministério da Justiça, proibiu a música por incitar à violência. Só que 20 dias depois, sem precisar ninguém matar alguém, Collor foi convidado pela lei a se retirar do Planalto, acabando seu mandato. O moleque, então, ganhou notoriedade, e no ano seguinte, gravou um antológico disco de estreia. Nascia para o mainstream Gabriel o Pensador. O resto da história já é conhecida, com oito discos no currículo, 33 anos de uma carreira recheada de hits, lotando shows pelo Brasil todo. E um dos locais prediletos do Gabriel para fazer show é na terra do seu falecido pai, Porto Alegre, sábado passado, no Bar Opinião, o carioca, feliz com seu Flamengo, campeão da Libertadores horas antes, subiu ao palco do lendário bar da José do Patrocínio.

Bom público, de todas as idades, afinal já são mais de três décadas de carreira e como é bom ver os fãs se renovarem e um artista sempre se reinventar. Por volta das 21h30min, ele e sua big band de 10 pessoas, com direito a um trio de metais, Gabriel e seu característico boné e cabeleira (já não tão volumosa como no passado), sem delongas, já atacam com a porrada Até Quando?, e é porrada mesmo, já que a música questiona o quanto aguentamos levar tanta porrada dessa vida e não reagir. O set seguiu com Linhas Tortas e o sucesso Festa da Música, de 1997. Destaque para as backing vocals do show e para o rapper Necão, que segura as rimas com o poeta. Um grande diferencial do rap do Gabriel é que faz muito tempo que ele tem uma ótima banda do lado. Destaques para o baterista Kadu Carvalho, o guitarrista que estava em casa, o gaúcho Juliano Moreira, e a baixista russa Marfa, que é um show à parte, com seus grooves e gigante animação. E como Gabriel está preparando um show acústico para os próximos dias, essa apresentação já foi uma espécie de evento teste pro show que vai reunir uma constelação de convidados. Necão, seu escudeiro nas palavras, então, manda um Lilás, de Djavan, com muita autoridade e o show segue com Sem Parar, Boca Seca, Liberdade, essa parceria com o Armandinho, Mandei Avisar e do primeiro disco ele ataca de Lavagem Cerebral, um dos melhores raps que falam sobre racismo no Brasil. Gabriel tem um domínio incrível de palco, ele literalmente não para, conversa com a galera e sua simpatia contagia, mesmo mandando petardos em críticas sociais como Profeta, Pátria que me Pariu e um cover de Racionais, o clássico Capítulo 4, Versículo 3, não perde a ternura jamais. Inclusive tem um momento em que chama uma garota da plateia que manda ver nos vocais com ele, e em outro momento, desce do palco para tirar fotos com uma senhora fã dele.

O show segue com Pra Onde Vai, emendada com o sucesso de 1999, Astronauta. Logo depois, ele faz uma tocante homenagem ao seu pai, gaúcho, com a lindíssima Muito Orgulho, Meu Pai, chegando a se emocionar no palco. Com os sucessos Cachimbo da Paz 1 e 2 acaba a primeira parte do show e anuncia que a próxima ia ser uma prévia do acústico, com banda sentada e arranjos desplugados. Seguem com Tás a Ver?, Fé na Luta, Se Liga Aí e Pega Ladrão, antes de fazer um cover de Charlie Brown Jr. com Zóio de Lula e a banda abandonar as comportadas cadeiras para cair no reggae. Umas das características do rap de Gabriel é que ele faz um crossover com reggae, groove, funk, som pesado, em letras com muita melodia e que hipnotiza a galera, que canta junto fácil. E a própria ausência de um DJ em prol de uma super banda faz toda a diferença, mesmo que o som do baixo estava menos audível que o normal, e Moreira, excelente guitarrista, no formato violão perde muito do peso das canções. 

O show segue com Marasmo, No Ritmo do Tempo e a música feita sobre a pandemia, A Cura Tá no Coração. Mas é com Matei o Presidente que o Opinião delira de vez, e o que vem depois são petardos atrás de petardos como Chega, FDP e Palavras Repetidas. E o povo se solta mesmo, por mais datada que seja,  com a divertidíssima e animada 2345MEIA78. Com ela, o Bar foi no balanço, dançando e cantando ao som da música da agendinha mágica de telefones do Gabriel, com destaque para o groove de Marfa e Juliano Moreira, que fazem misérias com a base de Good Times da banda Chic, as backings fazendo as vozes da moças pretendidas no clássico de 1997, do álbum Quebra-Cabeça, que levou Gabriel ao estrelato nacional.

Para o bis ele mandou a versão atualizada de Retrato de um Playboy, Parte 2 (eu prefiro a primeira, mas enfim) e terminou com a animada parceria dele com Jorge Ben, no clássico do mestre, Solitário Surfista. Um super show de mais de duas horas de entrega e talento de um dos maiores compositores do Brasil.

Gabriel o Pensador soube desde cedo enfrentar ondas, nariz torcido de alguns detratores, afinal um rapper branco e de família boa fazer sucesso no Brasil cantando sobre mazelas sociais era quase um desaforo, ainda mais nos anos 1990. Com sua perspicácia, transforma suas poderosas e melodiosas rimas e poesias em música de qualidade. Soube fazer mais que rap, fazendo essa mistura de ritmos que, principalmente ao vivo, faz a cabeça da galera e dos seus fãs. Conseguiu também ganhar o respeito do meio musical e hoje transita em qualquer alta roda da música popular brasileira, ou como ele mesmo diz na sua Festa da Música, onde todo mundo está presente e não tem hora pra acabar. Materializando isso em seu futuro show, que vai ser recheado de participações de luxo, provando que é um grande anfitrião e Porto Alegre teve a honra de aquecer bem ele e sua banda nessa pré-estréia de luxo.

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

Written By
Lauro Roth