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MÚSICA

Fundo de Quintal – Araújo Vianna

Fundo de Quintal – Araújo Vianna
  • Publishedjulho 22, 2025

Reza a lenda que tem um lugar na Zona Norte do Rio de Janeiro, lá em Olaria, que até as tamarineiras são da poesia guardiãs. E são mesmo, O Cacique de Ramos, bloco carnavalesco e sua sede, à sombra de clássicas tamarineiras, foi responsável pela maior revolução moderna do samba, nos anos 1970, com suas rodas de samba, de onde surgiram craques do gênero que comandaram o ritmo a partir dos anos 1970. E com a benção da madrinha Beth Carvalho, surgiu de lá a maior banda de samba do Brasil, o Fundo de Quintal, que fez mais um show na sexta-feira passada em Porto Alegre. E com o Araújo Vianna como cenário, no parque da Redenção, os conterrâneos de Lupicínio Rodrigues mais uma vez comparecem com bom público para ver os reis do samba.

Como diria o samba “o show tem que continuar”, e mesmo sem a lenda Bira Presidente, que virou saudades recentemente, o grupo segue firme com a marca que conquistou o Brasil. Daqueles tempos áureos só temos o mestre Sereno, e há quase 40 anos Ademir Batera, um dos mais talentosos e simpáticos bateristas de samba desse país. Completam o time Júnior Itaguay, Márcio Alexandre e Tiago Testa, além da ótima banda de apoio. Como praxe de muitos shows, às 21 horas marcadas para começar se transformam em 21h30min para mais, e por volta das 21h40min, o grupo sobe ao palco para aquela celebração de clássicos que estão imortalizados na mente de quem acompanha a banda há quase 50 anos. O baile começa encarreirando sucessos do grupo, como Nosso Grito (o da vida de cão), O Show tem que Continuar, mantra da rapaziada depois das perdas dos manos Ubiracy e Bira, Fogo de Saudade, imortalizada na voz da madrinha Beth Carvalho. Viajam para São Paulo com Trem das Onze, baixam o andamento para as românticas Parabéns pra Você e Ex-Amor, do Martinho da Vila, e findam um pegado set com a lindíssima Lucidez. No show do Fundo não temos tempo para respirar, eles tocam com andamento acelerado, onde Ademir Batera mostra todo seu talento e emendam trechos das canções. Só que mais uma vez o som da apresentação estava absurdamente alto. Tudo sobrava, a voz dos cantores  Itaguay e Márcio estavam mais altos que os instrumentos, e o grave dos tantans e o bumdo da bateria davam um soco na barriga do espectador. Juro, era insuportável, em momentos a vontade era até de ir embora, mas estávamos ali pra cobrir e contar como foi. 

Já com os ouvidos estourados, parece que uma boa alma mexeu na mesa e deu uma melhorada no volume para o show, seguido com A Batucada dos Nossos Tantãs, A Amizade e Só Felicidade, todas tocadas em forma de medley. A banda também não é muito de conversa e chama o violonista para cantar um medley homenageando Reinaldo, o príncipe do pagode. Em seguida, Tiago Testa chama algumas mulheres da plateia para cair no samba com a banda no palco, ao som de Não Tá Nem Aí, num dos grandes momentos do show. Sereno indica que a noite era de relembrar, e o homenageado da vez é Almir Guineto, um dos pioneiros do Fundo de Quintal, com seus clássicos Lama nas Ruas, Conselho, Insensato Destino e Mel na Boca, todas tocadas em trechos e na velocidade pegada da banda. É muito bom ver Sereno no palco, um dos criadores da coisa toda, mas é nítido que ele está mais pela presença, pois já não tem mais aquela pegada fenomenal de quem inventou o tan tan no samba. Ademir Batera sim, continua dando seu show à parte, com a bateria num praticável na frente do palco, esmerilhando técnica e sorrisos. 

E o baile do Fundo segue firme com Isto É Fundo de Quintal, Sorrriso Negro, Tá Escrito, sucesso do Revelação. Sem parar já emendam Bagaço da Laranja, Sonho Meu e Alguém me Avisou, da Dona Ivone Lara. Lembram o portelense Zeca Pagodinho, com Coração em Desalinho e Camarão que Dorme a Onda Leva. Uma coisa que fica nítida no Fundo de Quintal, versão 2025, que hoje a banda é apenas mais uma marca. Por mais que os novos integrantes sejam bons músicos, o samba em si é apenas o gênero para a banda enfileirar sucessos quase que em ritmo de baile de carnaval, acelerado e muitas vezes gritados, e no caso do show de sexta, os gritos perturbavam os tímpanos, tamanha altura do volume das vozes. No embalo das rodas de samba seguem com Vai Lá, Vai Lá, Irene e encerram com Do Fundo do Nosso Quintal, dando aquele boa noite para a galera. Mas para desespero dos puristas, chutam o balde e atacam de Não Quero Dinheiro, do Tim Maia. Nada contra, mas um grupo com um caminhão de sucessos de sambas e que revolucionou o estilo, apelar para músicas do síndico é uma furada. Para terminar, seguem com Caciqueando, em que apresentam a banda e anunciam que em maio de 2026 tem de novo.

Acredito que tenhamos tido 80 minutos de show. Em defesa, o show quase não para, o povo fica de pé do início ao fim, numa grande festa, com sambas em andamento acelerado e com pouco papo da banda. Mas como falei diversas vezes, não quero apelar para puritanismo de samba, e perdoando o estilo monobloco deles hoje em dia, um bom som equalizado faz toda a diferença, e o volume ensurdecedor por momentos, fez o que era pra ser uma agradável e animada experiência, em uma tortura aos ouvidos. Não quero colocar a culpa na banda, mas acho que um bom técnico de som poderia ter salvado a noite. Mas como diria aquela canção, a da Leci Brandão, mesmo assim “isso é Fundo de Quintal, é pagode pra valer” e merecem nosso respeito.

Written By
Lauro Roth