Fito Paez emociona fãs de Porto Alegre com El Amor 30 Anos Después del Amor

Porto Alegre tem seu triunvirato musical com fãs de carteirinha. Poderia até incluir um quarto, o pelotense Vitor Ramil, mas não temos como negar que o caxiense Nei Lisboa, o senhor do Bom Fim (do bairro), o uruguaio Jorge Drexler e o argentino Fito Paez, fecham esse trio musical de quase unanimidade para quem gosta de boa música na capital tão longe das outras desse Brasil. Completando 60 anos de idade e 30 anos do lançamento do disco que revolucionou sua carreira e o rock argentino, Fito Paez trouxe para Porto Alegre seu show da tour El Amor 30 Anos Después del Amor, no sábado passado, no Araújo Vianna. O NoSet conferiu e conta para vocês.

Mesmo com o um tempo chuvoso, na úmida Porto Alegre de maio, e a concorrência gigante do show de encontro dos Titãs, na mesma hora, alguns quilômetros dali, poucas vezes vi um Araújo tão lotado. Mais de 4.500 pessoas abarrotavam o auditório, ávidas para presenciar Fito, que não vinha fazia um bom tempo para a cidade, ainda mais se tratando dele, um habitué da nossa cidade. Com uma eficiente abertura do artista Esteban Tavares, desfilando em formato acústico suas belas melodias, tivemos um digno aquece para o astro argentino. Por volta das 21 e 30, com uma produção impecável, iluminação perfeita, telões laterais e no centro do palco, com uma banda classuda e sensacional com oito músicos, Fito começa o show com o mega sucesso El Amor Después del Amor. Com uma animação incrível e uma voz em forma, levanta a plateia com um arranjo próximo do álbum original num show de luzes e som. A proposta da tour é tocar na íntegra esse premiado álbum, e ele segue a ordem com a divertida Dos Dias en la Vida, onde mostra o brilho da backing vocal da banda, que no álbum tinha Fabiana Cantilo dividindo os vocais. Fito então senta ao piano e segue o baile com o belíssimo sucesso La Verónica, de encantada poesia e melodia cantada em uníssono pela plateia. Como falo, Fito Paez tem um séquito número de fãs apaixonados por ele em Porto Alegre e a dimensão dele por aqui é muito maior que no resto do Brasil, pois fez muito sucesso nos anos 1990, desde o disco Tercer Mundo, anterior ao homenageado El Amor Después del Amor e principalmente com o seguinte, o badalado Circo Beat.

Segue o espetáculo, ou o disco, Tráfico por Katmandu e na quinta música, Pétalo de Sal, Fito faz uma declaração de amor ao gênio Spinetta, que no disco de 1993, dividiu vocais e guitarras nessa canção. Com um discurso de que mesmo com toda essa onda de inteligência artificial, ele duvidava que qualquer tecnologia iria chegar perto de algo tão lindo quanto Luiz Alberto Spinetta fazia. Verdade sem questionamentos. Com a plateia já em êxtase no abarrotado Araújo, ele emenda a interessante Sasha, Sissi y el Circulo de Baba, que antecede a declaração de amor de Fito à Cecilia Roth, sua musa da época, Un Vestido y un Amor, tocada sem a banda só com seu lirismo, sua voz e exímio talento de pianista. E como diz o próprio Fito: Como cantan Porto Alegre! já que o coro da canção ecoava pela nave sonora aterrissada na Redenção.

 

Tumbas de la Gloria, a homenagem do cantor a seus ídolos musicais que se foram cedo, dá um clima de nostalgia ao espetáculo, o mesmo acontecendo na sequencia com a maravilhosa La Rueda Mágica, nos idos de 1992, tendo dividido os vocais com seu mestre Charly García, mostrando seu lado rock and roll e pop. Creo, uma das mais apagadas do álbum, segue o protocolo para concluir o disco e abre caminho para Detrás del Muro de los Lamentos, com inspiração peruana, uma ode à riqueza musical da América Latina e que tinha Mercedes Sosa dividindo o vocal. Mais um momento do maestro Fito coordenando palmas, ritmos e lágrimas do emocionado público. Vale aqui o registro da grandeza do disco El Amor Después del Amor, além de ter um Fito transbordando talento, amor (Cecilia Roth), composições inspiradíssimas, arranjos modernos, música pop, beats eletrônicos e uma reinvenção na carreira, ele contou com participações de um dream team da música argentina com artistas como Charly García, Spinetta, Fabiana Cantilo, Mercedes Sosa, Andrés Calamaro, entre outros, um disco que uniu tradição e modernidade e transformou Fito num artista pop latino-americano com mais ternura e talento.

Balada de Donna Helena segue o script, abrindo pra ótima Brillante sobre el Mic, uma canção de reminiscências, que inclui a sua relação de amor com Fabiana Cantilo. Fecha o álbum e a homenagem de 30 anos à música que fez Fito virar sucesso pop em Porto Alegre, A Rodar mi Vida, com um ensandecido Araújo rodando, cantando, mexendo camisas e celebrando o quanto é bom estar vivo de verdade. Aqueles momentos pra entrar na história de Porto Alegre, com direito no fim, aquele grito da massa: ole, ole, ole, ole… Fito Fito!

10 minutos contados num telão é o tempo que a banda e o artista dão pra recarregar as baterias e começar mais uma parte do espetáculo. Dessa vez, Fito e sua banda embalam sucessos da carreira começando com a visceral Naturaleza Sangre, de 2003, mostrando seu lado pesado e cru. Segue umas das mais belas canções de sua carreira, 11 y 6, de Giros, de 1985, mas ficando famosa por aqui no disco Euforia. A balada cantada a plenos pulmões com um clímax sensível e mágico no ar. Segue a sucessão de hits Circo Beat, outro grande sucesso que transformou Fito em pop star no Rio Grande do Sul (e no mundo), mostrando mais uma vez a veia rock do pianista. Ciudad de Pobres Corazones, outro petardo dos anos 1980, segue o hipnótico clima pesado e com um show do guitarrista de sua banda. Na sequência Fito vai ao piano e faz uma homenagem ao amigo Caetano Veloso, numa bela interpretação piano e voz do clássico do baiano, Meu Bem Meu Mal, mostrando todo seu talento e versatilidade. Dar es Dar, do álbum Euforia, foi  abre-alas de primeira, para aquela canção que é praticamente um hino do cantor. Do disco Circo Beat, a melódica Mariposa Tecknicolor, uma das músicas mais contagiantes do mundo, é cantada com fôlego, emoção e rostos encharcados de lágrimas. Pra encerrar o show, fecha com Y Dale Alegría a mi Corazón, que voltou à tona com a abertura da série da Netflix sobre a vida do cantor, Amor e Música. Essa canção de 1990, entoada quase como um cântico de torcida, onde ele convida a bebermos e embebedar a cidade, ou que as luzes desse amor acendam, tudo isso cantado à capela pelo público emocionando a banda e Fito, presente de um público embriagado por amor à arte do argentino mais amado dos porto-alegrenses.

Um show que mesmo com uma concorrência titânica e um São Pedro que desabou água a semana inteira sobre a capital, foi uma declaração de amor de um artista ao seu público, uma conexão ímpar de décadas, um artista homenageando na íntegra sua obra-prima (aliás, como é bom ver um disco inteiro ser tocado da primeira à última música, ainda mais um clássico), com uma banda madura, eficiente e num palco histórico como o do Araujo Vianna. Enfim, uma noite para a história da cidade, pincelada à poesia, melodia, paixão e emoção, tudo sob a tutela de um maestro humanista, às vezes visceral, mas sem perder jamais a ternura e o sentimento, chamado Fito Paez.

 

 

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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