A cultura pop nasceu e cresceu devorando clássicos e adaptando-os ao cotidiano. Ela bateu no seu liquidificador tragédias e comédias gregas, divindades egípcias, narrativas épicas, contos de bardos nórdicos e dezenas de outras fontes, servindo um fluxo constante de histórias, mitos, mitologias e símbolos reciclados para consumo.
A extensa produção de arte popular leva à frente mitos e símbolos que acompanharam a humanidade no correr dos séculos. Esta produção gerou montanhas de lixo. Mas também lapidou algumas joias. Preciosidades que passaram a servir como pedras de alicerce para um novo estágio: aquele no qual a cultura popular passa a ser a sua própria referência.
Quem não sabe o que é um Jedi? O conceito da força já é de domínio comum. Não há necessidade de qualquer explicação sobre ele, quando surge em algum diálogo em livros e filmes. Ou o que simboliza o rosto doentio de Jack Nicholson espremendo-se por entre lascas se um porta em frangalhos. Os exemplos são incontáveis.
Entre eles, está a figura do Super-Homem. A criação de Joe Shuster e Jerry Siegel veio a público na revista Action Comics em 1938. E lá se vão mais de oitenta anos ininterrupto de quadrinhos, séries, filmes, livros, músicas, comerciais de televisão etc. tendo ele como motivo. Quem não o conhece? Quem não racionaliza ou, mesmo subconscientemente, não percebe o flerte de Superman com o divino? Com a figura do enviado de alguma plano externo para salvar a humanidade?
É exatamente com esse conceito que James Gunn (produtor) e David Yarovesky (diretor que pode ser visto atuando como Goth Ravenger em Guardiões da Galáxia) trabalham.
Filho das Trevas é um “o que aconteceria se” … o Super-Homem fosse mal. Um exercício semelhante ao realizado por Mark Millar, na graphic novel Entre a Foice e o Martelo.
No rápido início do filme, temos o casal simpático de agricultores do interior do Kansas, que não consegue ter filhos. Uma certa noite, este filho é jogado dos céus no seu quintal. Eles o criam, com todo o amor e… ele vira um psicopata com superpoderes.
O filme une o universos dos super-heróis, especialidade de James Gunn, que tem os dois excelentes Guardiões das Galáxias em seu currículo, com o do terror, que James já frequentou no trash Seres Rastejantes, de 2006.
Jackson A. Dunn interpreta de forma convincente Brandon Breyer, o adolescente inteligente, franzino e objeto de bullying. Brandon primeiro se mostra confuso com a descoberta dos poderes. Depois, abraça-os para fazer o que quer. Quem, na adolescência, não quis ser “especial” ou possuir poderes ilimitados? O que impediria você de fazer o que quisesse?
Elizabeth Banks está muito bem no papel de mãe em conflito entre o amor pelo seu filho e a aceitação daquilo no que ele está se tornando. A trinca de personagens principais é complementada por David Denman, igualmente bem no papel de agricultor simples e com valores morais, que se depara com o dilema de decidir o que fazer com o filho adotivo.
Os problemas do filme começam em sua tentativa forçada de gerar suspense. Há o uso de todos os recursos e clichês possíveis. Longas caminhadas no escuro. Câmera oscilante e nervosa. Fugas ao som de respiração ofegante. Pequenos e grandes sustos (os chamados jump-scares). E sangue. Muito sangue. Sangue demais. Se você gosta dele, Filho das Trevas é mais do que indicado.
Mesmo com o uso de todas essas técnicas, truques e expedientes, é difícil criar um clima de suspense, quando há um personagem tão poderoso que pode matar com um olhar, é invulnerável e não possui freios na utilização dos seus poderes.
Filho das Trevas tem, ainda, muitos problemas no roteiro, que foi escrito em uma “ação de família” por Brian e Mark, irmão e primo de James Gunn. Há uma tentativa de unir Super-Homem com o clássico A Profecia. O resultado, no entanto, é uma história lenta e que, mesmo no seu terço final, quando os fatos se aceleram, não empolga.
Atenção – ALERTA DE SPOILER. Se quiser evitá-lo, pule para o último parágrafo.
Há contradições e incoerências gritantes, como quando Brandon cai no chão, em uma brincadeira da escola, bate com a cabeça e faz cara de dor. Próximo ao final do filme, recebe um tiro de rifle de caça, à queima-roupa, na nuca, e mal percebe. A narrativa deixa, ainda, uma certa frustração, por ser claramente a introdução para sequências que contarão a verdadeira origem do personagem e que deverão trazer algum adversário à altura dos seus poderes.
Em conclusão, Filho das Trevas é filme indicado para quem gosta de histórias de super-heróis e filmes de terror tendentes ao trash. É bem executado, bem interpretado e possui algumas boas ideias que não conseguiram se traduzir num bom roteiro. Vale como diversão leve para quem não se importa em ver sangue e dilacerações.