Fagner – 50 Anos de Carreira – Araújo Vianna
Com umas das vozes mais marcantes da música popular brasileira, o cearense natural de Fortaleza, Raimundo Fagner, com uma carreira de mais de 50 anos, sua voz potente e anasalada, que transita entre clássicos refinados da MPB a pérolas da música verdadeiramente popular do Brasil, está na estrada comemorando essas mais de cinco décadas de sucesso nacional. E faltava ele descer ao Sul, mais precisamente para Porto Alegre, para mostrar aos gaúchos sua trajetória em canções inesquecíveis. O local escolhido foi o Araújo Vianna, num sábado de muito calor de dezembro.
Com o local com menos da metade do público, o que é uma lástima, não sei se por causas extra música, posicionamentos do artista ou excesso de shows (tem muito show em dezembro na cidade), a vantagem é que ao menos a banda, por volta das 21h10min já estava a postos no palco. E logo depois Fagner, com seu boné característico, óculos escuros e violão, surpreendendo o público com Jardim da Saudade. Canção essa do Lupicínio Rodrigues que o Luiz Gonzaga gravou em homenagem ao Rio Grande do Sul em 1952. Esquecida pelos gaúchos, a bela homenagem do cantor cearense, com direito à tela com imagens antigas de Porto Alegre, foi um presente de abre alas para um show que prometia ser muito marcante. O cantor então segue o baile com Eternas Ondas, de 1980, e Quem Me Levará Sou Eu, de 1984, numa prova que sua carreira seria passada a limpo, e com tantos sucessos e ótimas canções faltaria tempo. Seguindo com Mucuripe, com direito a Roberto Carlos no telão do fundo, já que o Rei a popularizou nacionalmente, Fagner nitidamente estava estranho. A começar pela luz do palco, onde não se enxergava o rosto do artista, que parecia querer ficar escondido e discreto. Falou pouco, não sorriu (ou melhor, não se via os dentes dele), mas o mais problemático mesmo, com uma banda fantástica, o cantor deixou a desejar na voz. Sucessos arrepiantes como Jura Secreta, Canteiros, Revelação e Fanatismo tiveram interpretações sem emoção, com o cantor deixando frases soltas, sumindo do microfone, em uma mostra que sua voz outrora potente, cheia de vibratos e jogos de voz com as frases das músicas, ficou no passado.





O show seguiu com Dezembros, que fez sucesso em parceria com Zeca Baleiro, que antecipou a sensacional Noturno (Coração Alado), infelizmente pouco empolgante. Até esse momento o show era burocrático, o povo não tinha reação e não se levantava, a não ser pra pegar chopp ou ir ao banheiro. A ótima Espumas ao Vento também tem uma xoxa interpretação, mas a decepção fica com Deslizes. Uma das canções mais emblemáticas da música brasileira, que todo mundo sabe cantar, e mesmo com uma banda afiada tocando, parece que quem esqueceu de cantar foi o Fagner.
E como descrevo aqui, música boa não faltou. Romance no Deserto, Cartaz , Jardim dos Animais, só clássicos e até a “brega” Borbulhas de Amor, uma das campeãs de karaokês pelo Brasil afora, foi cantada com uma emoção (e por que não?) desleixo imperdoável. A impressão era que ele queria se livrar do show, o set list era curto, mas ao menos internamente dizia estar emocionado e foram seguindo o set fora do script com Guerreiro Menino do Gonzaguinha e o seu sucesso do disco A Mesma Pessoa, de 1984, Retrovisor, mas emocionou mesmo o público quando relembrou a parceria com Mercedes Sosa, de 1981, talvez no momento mais bonito do show. Segue a toada com a sua versão musicada de Oração de São Francisco, relembrou Dominguinhos com Eu Só Quero um Xodó, em que pela primeira vez fez a plateia levantar e dançar junto.





Tocou Lembrança de um Beijo com a emocionante Pau de Arara e levantou mais uma vez a plateia com Pedras que Cantam, com um show de sua banda, que merece ser citada com Caina Cavalcanti no violão, Robson na batera, Stênio na guitarra, Thiago Almeida nos teclados, Netinho de Sá no baixo e Eudiner no acordeom. Como diria o próprio Fagner, com uma banda dessas não tem como não cantar. Mas pena que parece que ele não seguiu o próprio conselho. Emendando com Pedras, o conjunto, num ritmo frenético, manda o clássico Asa Branca, contrariando totalmente o set list inicial, com Fagner, mesmo discreto, não parando de puxar sucessos. Para encerrar ele voltou ao começo e pediu pra banda tocar mais uma vez Jardim da Saudade, a homenagem do Lua ao Rio Grande e composição do Lupi, e que segundo ele não ficou bom na abertura, parece que essa segunda versão ficou realmente melhor, e assim findava um show que seria curto e foi bem prolongado.
A minha expectativa era enorme para o show do Fagner. Além de eu ser um grande fã, sabia que ele era muito bom de palco, mas o que vimos no Araújo Vianna, apesar de uma produção razoável e uma banda afiada, era um artista tímido, discreto, que não queria aparecer, e o principal, fugia do microfone, esquecia de letras e parecia que estava pouco confortável. Lógico que o peso da experiência e a idade cobram a conta, mas mesmo que em alguns momentos ele parecia emocionado, o que deu a impressão é que o distanciamento dele com a plateia fez do show um dos mais mornos que assisti no Araújo. E quando não se tem sinergia entre público e artista, nem um caminhão de sucessos e músicas maravilhosas salvam um espetáculo que no final dos contas foi uma grande decepção.



Crédito das fotos: Vívian Carravetta