Estratégia de vida – “Rainha de Katwe”

O xadrez é um jogo de estratégia, inteligência e perspicácia, poucos têm a paciência de aprender a jogar, menos ainda nasceram com o dom de simplesmente saber jogar, alguns poucos conseguem mudar sua estrategicamente por causa dele.

No final de 2020 o mundo aprendeu a gostar do xadrez por causa de Beth Harmon, personagem fictícia de Anya Taylor-Joy em “O Gambito da Rainha”, mas tem uma história real sobre uma enxadrista que precisa ser conhecida e aclamada como a excelente colega da ficção.

A história é de Phiona Mutesi, que conheceu o xadrez aos 10 anos, descobrindo-se um prodígio e um caminho para tirar a família da difícil situação em que se encontravam. Sua história é contada no filme “Rainha de Katwe”, dirigido por Mira Nair, o roteiro é assinado por William Wheeler, baseando-se no livro de Tim Crothers, a produção é da Disney, por isso você pode conferir essa emocionante história da Disney+.

Katwe é uma favela da cidade de Kampala, Uganda, esse era o lugar onde Phiona vivia com sua mãe, Harriet, e seus irmãos, Night (sua irmã mais velha), Brian e Richard (os irmãos mais novos). O pai dela e outra irmã vieram a falecer alguns anos antes, o que os deixou em uma situação financeira muito complicada, mal tinham dinheiro para comprar o jantar para todos.

Harriet, uma mulher jovem e de muita fibra, tem princípios pessoais muito bem demarcados e cria os filhos dessa forma, então não baixou a cabeça para propostas indecentes para sustentar a família. Ela e os filhos vendiam milho na feira local e viviam em algo como um barraco alugado.

Phiona sempre foi muito obediente, contentava-se com sua realidade e se divertia com o irmão, Brian, mesmo em meia a tanta dificuldade. Eles não tinham recursos para estudar nem tinham meios de diversão. Brian e um amigo, Ivan, começaram a assistir os treinos de futebol do time do ministério, promovido pelo treinador Robert Katende.

Esse treinador tem uma história de vida difícil, mas atualmente ele está ali, ensinando a importância do esporte para aqueles jovens. Ele ficou intrigado porque Brian e Ivan só assistiam os treinos, nunca jogavam, os meninos disseram que eles não poderiam jogar porque poderiam se machucar e eles não tinham condições de ir ao hospital caso isso acontecesse.

Pensando nisso, Katende decide abrir o clube do xadrez, Os Pioneiros, ensinando a crianças como Brian e Ivan o que era aquele jogo, suas estratégias e como isso poderia os ajudar. Ele também oferecia um lanche em cada reunião, o que era um grande incentivo para essas crianças, uma vez que nem sempre tinham o que comer depois dali.

Phiona ficou curiosa para saber o que o irmão fazia ali, entrou e foi acolhida por Katende, embora tenha sentido certo preconceito das outras crianças. Ainda assim ela não desistiu, aprendeu as regras básicas do xadrez e continuou indo às aulas. Não demorou muito para Katende perceber que a menina era um prodígio e que deveriam investir nisso.

Havia muitos obstáculos para isso, especialmente o fato de Harriet ver aquilo com desconfiança (depois percebe que só fazia bem) e que Phiona não tinha estudo. Ele fez um acordo com Harriet, ela deixaria os filhos competirem nos torneios e ele falaria com a esposa para dar aulas para as crianças, depois ele tentaria uma bolsa para eles na escola onde ela ensina.

Outro obstáculo foi a federação de xadrez, que não colocou muita fé nos Pioneiros e em Phiona. A determinação e fé de Katende e o talento e a resiliência de Phiona conseguiram ultrapassar todos esses obstáculos.

Em 2010 Phiona Mutesi, com apenas 14 anos, tornou-se candidata a Mestre de Xadrez, daí por diante ela vem acumulando vitórias e lições de vida.

Lógico que ela enfrentou alguns dramas pessoais, desde suas inseguranças até conflitos dentro de casa, inclusive com a mãe, algo que seria natural, afinal elas não sabiam exatamente como o xadrez poderia as ajudar.

Essa relação familiar parece ser muito importante para Phiona, mesmo com todos os conflitos, ela prometeu a mãe que ela ainda compraria uma casa de verdade para ela um dia. E, spoiler alert, ela comprou, unindo todos os irmãos ali com a mãe, onde enchentes e humilhações ficaram só na memória deles.

Apesar de um filme dramático em sua estrutura, a trama entrega muita alegria, há mais momentos que nos fazem rir do que chorar. Phiona e Brian sempre estão cantando e dançando quando estão juntos, quando não estão jogando, mas sempre com uma alegria contagiante.

As cenas deles me fizeram lembrar muito a essência brasileira, que tem uma descendência direta de povos africanos, incluindo a Uganda. Essa mania linda nossa de sorrir mesmo nos piores momentos, de insistir na felicidade quanto tudo parece desmoronar, de cantar mesmo quando a vontade é de chorar.

Os momentos no clube Os Pioneiros também são valiosos. Katende não se atem aos termos técnicos, então, diferente de Beth Harmon e cia, dificilmente veremos alguém falando as coordenadas ou os nomes das peças formalmente, ele levou o xadrez para a realidade daquelas crianças.

Uma das maiores lições é que o pião pode ser transformar em rainha, ou seja, alguém pequeno pode se tornar em alguém grande no xadrez. Isso deu uma esperança silenciosa para eles que, talvez, ele nem tenha pensado no começo.

Diferente dos jogadores da mesma idade, com todos seus recursos e estudo, Os Pioneiros tinham uma forma diferente de celebrar suas vitórias e, nos torneios, um torcia para o outro. Até vemos alguns apertos de mãos, mas era mais fácil os ver estalando os dedos, fazendo sinal para o outro que havia conseguido vencer.

Embora não seja um filme da Marvel, vale a pena ver os créditos, além de informar alguns detalhes da história, conhecemos os personagens reais dessa história, que apareciam ao lado do ator ou atriz que o(a) interpretou no filme. Tudo termina com o clipe da música que Phiona e Brian cantam, com participação do elenco.

Falando em elenco, aqui vai os três grandes destaques:

Phiona Matese é vivida por Madina Nalwanga, esse trabalho foi sua estreia no cinema e, desde então, também não trabalhou em outros títulos. O que é uma pena, porque ela parece ser muito talentosa.

Robert Katende é interpretado por David Oyelowo, conhecido por filmes igualmente emocionante como “Selma”, “Reino Unido” e, recentemente, “O Céu da Meia noite”.

Harriet, a mãe de Phiona, é vivida por Lupita Nyong’o, conhecida por filmes como “12 Anos de Escravidão”, “Pantera Negra”, “Nós” e alguns filmes da franquia “Star Wars”. Todas as cenas com Harriet são de arrepiar, ela passa uma verdade que é inexplicável, é possível ver desde o seu olhar todo clima da cena.

Essa mãe é daquelas que protege os filhos como pode, mas os repreende quando ver algo que acha errado, brigando mesmo. São poucos os momentos que ela se mostra vulnerável de alguma forma, ela sempre se mostra uma fortaleza.

Quem diria que o xadrez emocionaria dessa forma?

Até mais!

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