À Espera de um Milagre. Review da obra inspirada no livro de Stephen King.

Apenas para citar a importância e a qualidade do filme resenhado, vou fazer a seguinte questão:  quantos de vocês assistiram a mais de seis horas de material sobre um mesmo filme, incluindo trailers, teasers, entrevistas, o próprio filme – claro – e o making of? Creio que poucos, pois chega um momento em que a coisa fica entediante, repetitiva e algumas vezes, incoerente, deixando a clara impressão de material inútil, apenas a tradicional “enrolação”.

Bem, já acordei de algumas sessões com material extra que, honestamente, agiram com mais eficiência que Diazepam.

A verdade deve ser dita: se o filme é enfadonho, imaginem seu material de bastidores.

Vi  À espera de um milagre no ano de 2000. O ano do “bug do milênio” não trouxe o fim do mundo. Foi no primeiro ano do século XXI que descobri o poder da imaginação do homem. Foi neste mesmo ano que vi a outra face da moeda, onde nela estava estampado um lado que desconhecia de Stephen King, o mais produtivo escritor de horror que conheço.

Eu ainda guardo em minha memória a imagem do pôster  da época, com Tom Hanks em destaque. Em minha mente uma única conclusão: não sei o que trata este filme, mas Tom Hanks vai sair mal desta história… se sair.

Descobri, então, o quanto estava enganado sobre tantas coisas. Tom não estava envolto em uma trama sobre monstros, vampiros, zumbis ou pessoas possuídas. Frank Darabont – quem?, pensei na época – não era mais um diretor imposto por um estúdio de cinema. O livro “The green mile” não era apenas mais uma trama de terror de Stephen King (se é possível aplicar a palavra “apenas” a um livro dele), mas seu mais belo e complexo trabalho literário.

Nunca me enganei tanto com um filme e, acreditem, esse foi o melhor engano da minha vida.

À espera de um milagre (1999) é um filme sobre prisão, em sua essência. Mas não se resume a isso. Nele, somos apresentados a um senhor muito idoso. Ele não parece se encaixar com o lugar em que está (um asilo) e recebe um pouco de compreensão e companheirismo por parte de apenas uma senhora, também moradora do asilo. A vida do senhor parece estar cercada por mistério e tristeza e, um dia, o velho homem resolve contar sua história para a mulher. E este é o começo de uma história linda, aterradora e cheia de suspense.

Estamos no ano de 1935, um período de tensão, pois ele ainda carrega os estragos da grande recessão e também a tensão do pré-guerra. Paul Edgecomb é um líder. Ele trabalha em um presídio, mais precisamente no corredor da morte. Mas não é um lugar como os outros. Neste corredor, Paul preza pela paz. Para ele, não há motivos para atormentar os que já estão condenados à morte. Eles irão pagar por seus crimes e sabem disso e, assim, Paul e seus homens não atormentam os prisioneiros. O castigo chegará…

Contudo, dois problemas rondam o Bloco E. O primeiro deles é uma dor crônica que atinge Edgecomb, principalmente quando ele vai urinar. As dores tem minado as forças e sua vida privada com a esposa.

O segundo problema é o novo guarda da Milha Verde. Seu nome é Percy Wetmore, um homem pequeno, porém dono de uma enorme arrogância. Percy usa influências políticas para colocar os outros guardas em uma situação desconfortável. Ir contra Percy é pôr em risco o próprio emprego.

Para piorar ainda mais, o Bloco E recebe dois novos ilustres visitantes: Wild Bill, um homem que é essencialmente mal, dono de um humor cáustico e de uma mente fria e, além dele, a prisão recebe o gigante John Coffey, um negro com mais de 2 metros de altura e, no entanto, com a mente de uma criança de 5 anos. Eis uma pequena descrição de Stephen King sobre John Coffey:

“John Coffey era preto, como a maioria dos homens que vinha passar uma temporada no Bloco E, antes de morrer no colo da Velha Fagulha, e tinha dois metros e quinze de altura. Mas não era todo comprido e fino como aqueles sujeitos de basquete na TV – tinha os ombros largos, o peito estufado, coberto de músculos em todas as direções. Tinham posto nele uma roupa azul de brim do maior tamanho que encontraram no depósito, mas ainda assim as bainhas das calças ficavam a meia altura de suas barrigas da perna, encalombadas e cheias de cicatrizes. A camisa estava aberta até abaixo do peito e as mangas paravam em algum lugar dos antebraços… Dava a impressão de que poderia ter rompido as correntes com que estava preso com a mesma facilidade com que se rompem as fitas de presente de Natal, mas quando se olhava nos seus olhos via-se que ele não ia fazer nada disso.”

 

Também há outros prisioneiros como o índio Arlen, o francês Eduard Delacroix e um dos mais improváveis habitantes da Milha, o ratinho Sr. Jingles. Todos eles estão interligados de uma forma ou de outra. As relações são complexas, algumas vezes dolorosas, mas sempre envoltas em uma aura de expiação dos pecados. No corredor da morte do Bloco E, a famosa Milha Verde, testemunharemos conflitos, milagres, mortes e, principalmente, crescimento interior.

Paul Edgecomb percebe a bondade em John Coffey e os dois começam uma amizade que irá mudar todos os que habitam, de uma forma ou de outra, o Bloco E. Há segredos nas vidas de Coffey e Wild Bill. Há fatos que desafiam o intelecto humano, a crença na ciência e, principalmente, nossa turva visão de certo e errado.

O desenrolar do filme supera todas as expectativas que um filme de Stephen King pode gerar. Eu jamais imaginei que alguém pudesse oscilar tanto entre gêneros tão distintos quanto o drama e o horror. King prova que é um mito entre os escritores modernos por motivos óbvios.

Preparem-se para um bombardeio de emoções, quase todas provocadas pela simplicidade e pela infantilidade de Coffey, brilhantemente interpretado por Michael Clarke Duncan. Devo destacar também a importância do apoio de Tom Hanks a todo o elenco, uma vez que ele era o líder natural de todos, não só no filme, como no cast de filmagem. A experiência de Tom e a vontade em ser John Coffey de Michael são pontos inesquecíveis das interpretações neste clássico. Todavia, não há uma única interpretação que enfraqueça o resultado final do filme. Todos os atores dão o máximo em suas interpretações, trazendo uma credibilidade inacreditável à trama.

O diretor e roteirista relembra que os melhores filmes baseados em livros e contos de King são aqueles em que as personagens são o foco da história.

À espera de um milagre é uma obra a ser vista acompanhado pela família, por pessoas que ama e com quem deseje compartilhar uma experiência única, inspiradora e, principalmente, cercada de uma aura de bondade capaz de transpor a tela. É, em suma, o melhor filme baseado na obra de King e, provavelmente, um dos 5 melhores filmes de todos os tempos.

Curiosidades – com Spoilers: 

Michael Clarke Duncan lutou para interpretar John Coffey e só foi escolhido quando Frank Darabont viu seu olhar em um take de seu teste.

Stephen King esteve presente ao set de filmagens e chegou a sentar-se na Velha Fagulha, a cadeira elétrica usada no filme. A sensação é horrível, disse.

Frank Darabont já dirigiu outro filme com base na obra de King:Um sonho de liberdade.

Michael Jeter, o Eduard Delacroix, faleceu em 2003. Sua interpretação no filme rendeu lágrimas de seus companheiros de filmagem.

Mr. Jingles não era um único ratinho. Havia uma equipe de ratos e cada um tinha um truque específico a fazer.

Wild Bill (Sam Rockwell) ficou muito amigo das meninas que morrem no início do filme. As cenas em que elas participam foram muito fortes, trazendo mal-estar até para o próprio Sam.

Inicialmente, o velho que representa Edgecomb anos após os fatos ocorridos no corredor da morte seria o próprio Tom Hanks maquiado, mas o efeito visual destoou do que o diretor esperava. 

Para atingir a altura de Coffey descrita por Stephen King, Michael Clarke Duncan (1,95m) usou uma plataforma de 20 cm, dando-lhe a altura ideal para contrastar com Brutal (David Morse), também com 1,95m.

O filme foi indicado para quatro Oscar, incluindo melhor ator coadjuvante e melhor filme.

Michael Clarke Duncan foi indicado a Frank Darabont por Bruce Willys.

Frank Darabont lembrou um fato importante ao dizer que, tal como Cristo, John foi perseguido, julgado e condenado pelas mesmas pessoas que ele apenas quis ajudar. Novamente, a humanidade pagou a bondade com a morte.  
Elenco de “The green mile”:

  • Tom Hanks …. Paul Edgecomb
  • Michael Clarke Duncan …. John Coffey
  • David Morse …. Brutus “Brutal” Howell
  • Bonnie Hunt …. Jan Edgecomb
  • James Cromwell …. Warden Hal Moores
  • Jeffrey DeMunn …. Harry Terwilliger
  • Barry Pepper …. Dean Stanton
  • Michael Jeter …. Eduard Delacroix
  • Graham Greene …. Arlen Bitterbuck
  • Doug Hutchison …. Percy Wetmore
  • Sam Rockwell …. ‘Wild Bill’ Wharton
  • Patricia Clarkson …. Melinda Moores

Em uma época na qual a facilidade em encontrar e baixar filmes e outras mídias, resta-me recomendar que comprem o filme original. Eu comprei a edição simples pouco tempo após o lançamento do filme e em 2008 adquiri a edição dupla. Seria mais simples baixar, mas há ocasiões em que precisamos reconhecer o esforço e o resultado de produções como “The Green Mile”.

A cena em que Paul relembra o filme que John assistiu é impagável, plena de sentimentos como há muito não se via no cinema.

Os que conhecem o comentarista e cinéfilo Maurício Saldanha sabem que ele tatuou o nome do filme Magnólia em seu corpo. Acreditem, este filme baseado no livro homônimo de Stephen King é digno de ser imortalizado na pele. Preciso falar mais?

Bom filme a todos…

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