Titãs-Encontro -Pra Dizer Adeus no Araújo Vianna em Porto Alegre

Nos últimos dois anos, diversas bandas pioneiras do Brock, ou melhor, o rock pop criado nos anos 1980 no Brasil, tiveram o privilégio de comemorar 40 anos. Muitas dessas, por mais incríveis que sejam, se conformaram em sempre fazer o mais do mesmo. Mas tem uma que, completando 40 anos esse ano, nunca teve medo de ousar, se reinventava a cada disco em busca de um conceito artístico, mas que não fugia do popular e, durante esse tempo, colecionou hits, shows e milhares de fãs. Falo, é claro, dos Titãs. As incríveis oito cabeças da Hidra titânica, cada qual muito diferente da outra, mexeu com a música brasileira. Com o tempo a banda foi  diminuindo, mas esses 40 anos não poderiam ser passados em branco, e então Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto tiveram um acréscimo de todos os outros integrantes para uma turnê que mexeu com o Brasil no ano de 2023. Juntar os três remanescentes a Arnaldo Antunes, Charles Gavin, Paulo Miklos e Nando Reis e ainda com o nono titã, o produtor Liminha, para substituir o saudoso Marcelo Fromer, foi uma das melhores atrações culturais do ano. Essa tour rodou todos os cantos do Brasil, esteve em Porto Alegre em maio, mas como o gosto de quero mais era grande, voltou para nossa capital com dois super shows no Araújo Vianna. Na primeira dessas noites, a da terça, dia 12, o NoSet esteve lá e conta como foi esse antológico encontro.

Com uma casa abarrotada de cheia, uma produção caprichada e um esquema de segurança de show gringo, as mais de 4 mil pessoas presentes aguardavam o encontro das sete feras com muita expectativa. Por volta das 21h15min, um ligeiro atraso, comparado a diversos outros shows no local, a banda adentra ao palco, com os sete ao fundo, com um jogo de luz que lembram sombras, para delírio da plateia que levantou e não sentou mais. Com dois telões laterais e um mais um gigante no fundo do palco, a banda se apresenta com o que faz de melhor, tocando músicas e com Diversão, do disco Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, abrem os trabalhos. Arnaldo Antunes nos avisa que “nenhuma pátria me pariu” e mandam a pesada Lugar Nenhum, fechando o bloco com o trio arrebatador do álbum de 1987, atacam de Desordem.

No momento seguinte, Branco Mello assume os vocais para tocarem Tô Cansado. O vocalista avisa que quase perdeu a voz devido a um câncer, mas mesmo com metade da laringe, com uma resiliência e força de vontade incrível, continua cantando e se divertindo, uma prova que se tiver forças pra fazer o que se gosta, faça até não aguentar mais! Grande Branco! Nando Reis assume os vocais e tocam a outrora polêmica Igreja, hoje ainda forte, mas longe do impacto que causava em 1986. Paulo Miklos assume os vocais de novo e toca o super sucesso Homem Primata, fazendo a multidão enlouquecida entoar junto o chiclete e genial refrão.

Será Que é Isso o Que Eu Necessito? é a próxima música, do disco Titanomaquia, da fase que o Titãs queria surfar na onda grunge, com direito a Jack Endino na produção. Estado Violência segue a toada crítica em mais uma do atemporal disco Cabeça Dinossauro.

Com uma luz vermelha e com Arnaldo Antunes no fundo, tocam O Pulso, clássico de Õ Blésq Blom, provando que com os Titãs até uma música elencando moléstias pode virar uma obra de arte. E falando em obra de arte, Arnaldo segue com a sensacional Comida. Com direito a dancinhas performáticas, manda ver com mais um sucesso da banda. Um ponto positivo do show era o impecável som, com uma equalização perfeita. Com uma produção esmerada, tudo funcionou muito bem, no ponto, sem oscilações, e é claro, não temos como não falar da banda. Nando Reis sempre foi um ótimo baixista e prova que não esqueceu nada, Tony Bellotto é um guitar hero que conhece o palco como poucos, Paulo Miklos comanda a massa, Sérgio Britto manda muito nas teclas e canta demais, Charles Gavin sempre competente e Branco e Arnaldo arrasam nas dancinhas e animação. E Branco, mesmo com limitação de voz não deixa a peteca cair nunca e Arnaldo é um show à parte… ah, e ainda tem a lenda Liminha tocando muito guitarra.

Segue Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, Nome aos Bois, com direito a inserção de mais um nome, de um ex-presidente da república. Eu Não Sei Fazer Música prestigia o disco Tudo ao Mesmo Tempo Agora e a primeira parte do show fecha com Branco puxando o clássico Cabeça Dinossauro, que com sua voz cavernosa de hoje, fechou muito bem.

A segunda parte do show lembra a ressurreição popular da banda. No fim dos anos 1990, os Titãs se reinventaram e ganharam novos fãs e muita fama com dois acústicos da MTV que venderam como água. Sentados em banquinhos, com violões no colo e Charles Gavin na bateria com uma improvável camiseta personalizada do glorioso Aimoré de São Leopoldo, com imagens do Marcelo Frommer, cantam a lindíssima Epitáfio, tendo como cenário uma plateia com as luzes dos celulares acompanhando. Segue o set desplugado com Cegos do Castelo, mas é com Pra Dizer Adeus, canção resgatada dos primórdios da banda, que com arranjo novo em 1997, tomou as paradas do Brasil e é hoje uma das músicas mais famosas da banda, cantada a plenos pulmões pela massa no Araújo Vianna. A banda então chama ao palco Alice Frommer, filha do Marcelo, que participa do show cantando duas músicas, Toda Cor, uma das primeiras canções de trabalho da banda e de autoria do pai e segue com Não Vou me Adaptar. Um momento de grande emoção e justa homenagem ao saudoso guitarrista e oitavo titã.

Já com a banda plugada, Nando Reis manda ver com Família, mais uma do Cabeça Dinossauro. Querem Meu Sangue segue a festa e ainda no clima reggae, tocam Go Back. Outro acerto da turnê é que a banda praticamente não mudou os arranjos, apresentou a penca de sucessos com fidedignidade e como os fãs queriam ouvir, sem invencionices. É Preciso Saber Viver é outro momento de emoção do show. A versão do sucesso do rei Roberto Carlos é contagiante e pega em cheio os fãs mais recentes da banda. Domingo,  do álbum homônimo de 1995, também é executada com perfeição e com Miklos comandando a massa, canção essa da fase pré-acústico, mas é com Flores, que mais uma vez o auditório veio abaixo. Branco mais uma vez dando um exemplo de saber viver, se doa e num esforço incrível, interpreta mais esse clássico com todo mundo cantando junto.

Chega mais um bloquinho de  Arnaldo. Nosso poeta pega o microfone e na frente do palco canta a sua O Quê, com suas práticas e impagáveis coreografias, aproveitando o ensejo chama o Cride e a banda toca Televisão para alegria da massa. Com Porrada a banda começa a fase final do show, que prestigia a fase Cabeça Dinossauro. Polícia é a próxima, com direito a Tony Bellotto tapando o rosto com um lenço, e mesmo anos depois, com a maturidade que achamos que adquirimos, a música ainda tem uma força incrível, um protesto inteligente contra uma instituição, que mesmo passados 40 anos, ainda manda, desmanda e abusa do cidadão, enfim, momento de êxtase do show. AA UU segue o set, pra vermos a força do Cabeça Dinossauro, das suas 12 músicas, só duas não são tocadas (A Face do Destruidor e Dívidas). O show termina com Bichos Escrotos, com o baixo pulsante de Nando Reis e Miklos mandando ver no grito que liberta, com um vão se fuder antológico, findando uma apresentação de tirar o fôlego e ficar pra sempre nas nossas almas. Mas é claro que ninguém arredou o pé, não é? E a banda volta ao palco e manda mais um petardo (prometi que não ia usar essa expressão, mas não tinha como fugir), Miséria, de Õ Blésq Blom. Faltava Marvin também, né? E Nando Reis assume a parada e faz todo mundo cantar junto à epopeia do menino que tinha um pai que não tinha educação, como milhares no Brasil. E aquele momento que o refrão é cantando por todos com luzes na plateia é mais um dos inúmeros momentos marcantes do encontro titânico. Como Miklos disse: “vamos terminar pelo começo “ e a banda toca o primeiro sucesso radiofônico, Sonífera Ilha, para alegria dos fãs de todas as fases da banda. Com direito à performance e dancinhas que nos remetiam àqueles Titãs dos anos 1980, coloridos, teatrais, Paulo Miklos se entrega de vez fechando, aí sim de verdade, uma noite para a história, com 34 canções em duas horas e meia de espetáculo. Com direito a banda parar a música e imitar estátua, como se congelando aquele momento, poderíamos guardar para sempre aquela noite, em mais uma das várias facetas dos Titãs, que os transformaram, senão na maior, na mais versátil banda do Brasil.

E no outro dia teve mais, acredito que a energia tenha sido a mesma e com casa cheia, mas posso falar com autoridade que presenciamos um dos melhores shows do ano, um encontro para a história, uma oportunidade que o Brasil teve de ver esses 7 caras, que por décadas mudaram a música brasileira e jamais se acomodaram, fazendo de cada disco, uns melhores outros menos, uma experiência renovadora. Lógico que levando pelo lado comercial, essa reunião pode ser interpretada como um caça níquel e tanto. Com shows lotados, a banda forrou o poncho e tem estofo para ficar parado um bom tempo, coisas normais ao show business, mas prefiro acreditar que a nostalgia, a energia deles e vontade dos integrantes de reviver os grandes momentos foram o combustível mor disso tudo. Sem muita delongas, independente de indagações, fomos testemunhas disso tudo e esses momentos que presenciamos vão ficar para sempre e espero que ao invés de ser apenas um pra dizer adeus, seja uma porta que se abriu para os 7 ainda sacudirem a música brasileira e quem agradece somos nós, privilegiados de termos essa oportunidade.

Crédito das fotos: Vívian Carravetta

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