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MÚSICA

É Tempo de Rock – Araújo Vianna

É Tempo de Rock – Araújo Vianna
  • Publishedoutubro 14, 2025

Costumo dizer, mesmo levando pedradas de muitos que discordam, que as bandas emo nacionais foram os últimos bastiões do rock nacional que ainda tiveram certo mainstream. E mais polêmico ainda, o Restart talvez tenha sido a última banda a usar guitarra que conseguiu status de banda popular e entrar na grande mídia. Um pouco antes, na década de  2000, ainda impulsionadas pela MTV, bandas de rock ainda faziam a cabeça da gurizada, e três representantes desse tempo, que poderia ser considerado de rock, tiveram aqui em Porto Alegre no sábado passado, mais precisamente no Araújo Vianna, num festival com o nome É Tempo de Rock. Di Ferrero, ex-vocal do NX Zero, hoje em carreira solo, os Detonautas e os dois guitarristas do Charlie Brown Jr., Thiago Castanho e Marcão Britto, que seguem o legado da banda tocando os sucessos do grupo paulista.

Casa com lotação pela metade, com um público que variava de quarentões saudosos pelo som que mexeu com a adolescência deles, pais levando os filhos para orientar seus gostos musicais, e jovens entre 12 e 16 renovando a tietagem com os ídolos, hoje nem tão juvenis. Como eram três bandas, o que necessitaria de troca de equipamentos no palco, pouco atrasou o show de abertura do Di Ferrero. Com Marina Izaac no baixo, Ricky Ferreira na batera (que se despediu da banda dias depois) e Bruno Genz na guitarra, Di Ferrero levantou seus fãs (que não eram poucos) com uma intro instrumental e seguiu uma músicas de seu novo trabalho, o disco Sete, com Universo Paralelo. Depois emendou Só Rezo e Um Brinde, canção de 2022 que teve colaboração, na época, de Badauí. A excelente banda comandava os arranjos pesados e pop do set e Di revisita sua ex-banda, o NX Zero em Daqui pra Frente, pra delírio dos saudosos do já “antigo” grupo. Intercala com mais uma sua, Intensamente, antes de voltar ao passado com os sucessos Pela Última Vez e Cartas para Você, deixando a molecada de todas as idades em êxtase. 

Di então solta mais duas do Sete, Unfollow e Além do Fim, e faz uma bela homenagem aos Paralamas do Sucesso com uma competente versão de Aonde Quer que Eu Vá. Repetindo o que fez no The Town, no mês passado, mistura Paramore com Péricles, criando uma fusão entre Misery Business, do grupo estadunidense, com Que Durou, do sambista Péricles, em um grande momento do show. Di chama Thiago Castanho, que iria tocar mais além, para juntos cantarem a Então Volta, parceria dos dois e inclusa no seu último trabalho. Mas levantou novamente a galera tocando os clássicos Cedo ou Tarde e o radiofônico Razões e Emoções do NX Zero. Era difícil alguém não estar cantando junto o refrão de Razões, talvez um dos últimos grandes hits vendáveis do rock nacional. Segue com mais uma do grupo, Onde Estiver, e finda o competente show com seu sucesso Sentença. Um show redondinho e bem executado, com canções às vezes um pouco repetitivas, pra não dizer quase iguais uma à outra, mas contando com o carisma e talento do Di Ferrero, que sabe mesclar o seu passado com o NX Zero e sua carreira solo, incluindo e tocando novidades, não apenas se deitando no passado.  Show inofensivo, mas muito eficiente. 

 

O festival segue com os Detonautas. Banda carioca com quase 30 anos de estrada e liderada pelo onipresente Tico Santa Cruz. Renato Rocha e Phill Machado nas guitarras, Fabio Brasil na bateria e André Macca no baixo, subiram quase às 23 horas no palco. Tico Santa Cruz de chapéu e violão puxou duas músicas, uma de 2009, Só Nós Dois e O Retorno de Saturno. Já sem o violão, Santa Cruz puxa os versos de Só por Hoje, levantando a galera. Um dos grandes problemas desse show é que tudo estava muito alto, a equalização estava saturada, tornando a experiência por vezes desagradável. Mas quem é fa curtiu sucessos como Quando o Sol se For e uma interpretação da banda pro sucesso do Rappa, A Minha Alma Tá Armada. Apostando em músicas de 20 anos atrás, quando a banda dominava as rádios e programas de televisão, seguem com Nem me Lembro Mais e uma mais recente, de oito anos atrás, Nossos Segredos.

Que Tico Santa Cruz é bom de papo todos sabemos, mas no palco ele conversa muito com a galera, manda boas vibrações, discursa, apregoa união e boa energias. Quase um coach de autoajuda, mas como ele mesmo fala, não é um coach merda alguma. Por vezes parece um pastor, pregando fé individual e crença nos sonhos. Em alguns momentos parece uma conversa fiada de um boca murcha, mas enfim, quem estava ali ouviu e respeitou o discurso good vibration do cantor, que poderia gastar menos energia e cantar melhor… mas aí é outro departamento. A banda segue repassando a carreira com Um Cara de Sorte, faz a galera cantar junto com a boa Olhos Certos, em um dos grandes momentos do show, onde até manda a plateia dar um abraço em quem está ao seu lado. Segue voltando no tempo, para 2004, com O Amanhã e Você me faz tão Bem, e encerra, logicamente, o show com seu maior sucesso: Outro Lugar, do hoje distante 2003. Nessa canção o cantor dança, pula, comanda  a massa e a nostalgia impera, em mais uma que todo mundo sabe cantar junto. Como ponto positivo, a banda segue tocando muito bem com uma pegada pesada e precisa, mas os discursos de Tico e suas rateadas vocais incomodam bastante, só que nada incomodou tanto quanto o volume do show que deixou qualquer um surdo.

Nessa brincadeira já era mais de meia noite. O domingo já tinha meia hora quando os dois lendários guitarristas do Charlie Brown Jr. subiram no palco. Era nítido que muita gente já tinha ido embora e quem queria ver os caras que eram do Charlie Brown estavam cansados. O festival poderia ter começado às 20 horas quem sabe… mas enfim… Thiago Castanho e Marcão Britto no palco, junto com dois ex-bateristas da banda, Pinguim e Graveto, Denis “Mascote” Rodrigues no baixo e o cosplay de Chorão Rafael Carleto, subiram no palco pro coro comer e já viajaram pra 1997 com Tudo que Ela Gosta de Escutar, o festival de hits do Charlie Brown Jr., com Papo Reto, Me Encontra e Pontes. O trabalho de guitarra da dupla sempre foi exemplar, é uma satisfação ver os dois no palco e o resto da banda manda muito bem, apesar de achar exagerado duas baterias. Carleto, com a terrível responsabilidade de emular Chorão, consegue até imitar o ídolo e Mascote manda bem nas linhas de bass que foram criadas pelo Champignon. Thiago e Marcão se rasgaram de elogios a Porto Alegre, que foi muito importante para o grupo ser o que foi e sabem da legião de fãs gaúchos do Charlie Brown Jr. Seguem o baile com Te Levar e Lutar Pelo que É Meu. Mas a galera do público estava cansada e alguns problemas técnicos surgiam no palco. Castanho assume o vocal em Céu Azul, com o microfone estourando em microfonias. Zóio de Lula faz a galera vibrar com o reggae pulsante e Hoje eu Acordei Feliz também faz a massa levantar. Castanho chama Pinguim para frente do palco e tocam Como Tudo Deve Ser, com o guitarrista cantando e o baterista mandando um beat box.

Eles então aproveitam que tem amigos nos bastidores e chamam Di Ferrero para juntos cantarem Só Por uma Noite, com o cantor mandando muito bem. Tico Santa Cruz é chamado pro palco e canta com a banda Samba Makossa, canção do Chico Science e Nação Zumbi, que o Charlie gravou em 2023. Não faltaram gritos de Charlie Brown entre banda e plateia. Castanho então assumiu os vocais para mais uma intimista versão de Só os Loucos Sabem. Mas algo estava acontecendo, a guitarra dele sumia muitas vezes, aí não sei se era por não sanar os problemas e por ser tarde demais, afinal era uma e meia da matina, Marcão disse que seria a última música da noite, e com uma guitarra apenas, tocaram Proibida pra Mim, encerrado o irregular e problemático show.

É Tempo de Rock foi uma noite de recente nostalgia, com integrantes da história recente do som feito com guitarras Brasil, que tiveram o privilégio de serem os últimos a ainda beberem do sucesso nacional no mainstream, ou quando ainda exista um. Destaco Di Ferrero, que soube manter o que fazia bem no NX Zero e não para de produzir material novo, renovando dentro do possível seu público. A experiência dos Detonautas, esses ainda deitados nos sucessos do passado não tão distante, de quando eram uma grande banda, formado por bons músicos e um vocalista que, se não é tão bom, tem personalidade e vida própria, goste ou não goste de suas ideias. É digna a força de vontade dos dois guitarrista do Charlie Brown, que em meio a tantas perdas e turbulências que a banda enfrentou, até quando Chorão e Champignon ainda estavam vivos, mantém a pau e corda a essência do grupo, mesmo que prejudicados por problemas técnicos, fizeram a galera relembrar um passado recente, em que eram a maior banda de rock do Brasil. Se o rock hoje é longe da preferência nacional e a juventude anda fugindo das guitarras e atitude rocker, ao menos por uma noite tivemos o prazer de resgatar uma era em que som pesado, amplificador no talo e atitude rock dominavam os corações e mentes.

Written By
Lauro Roth