Do lado oposto da câmera | Atores que se tornaram diretores
Não é incomum que vários grandes diretores tenham iniciado sua carreira em um set de filmagem através da nobre profissão de ator. Muitos deles descobriram que tinham paixão pelo exercício de comandar um projeto quando passavam boa parte dos ensaios e dos intervalos observando o “chefe na cadeira” – ou então apenas descobriram, algumas vezes da pior forma, que jamais estariam satisfeitos sem que tivessem a oportunidade de conduzir suas próprias histórias.
Ser um diretor reconhecido e ganhar a confiança de vários produtores de olho nos lucros do seu projeto não é fácil. O tempo de espera para se tornar o que reconhecemos como “bem sucedido” é longo. Na grande maioria dos casos, é raro ver um diretor jovem que tenha um nível de reconhecimento e respeito muito grande. Há, claro, algumas exceções notáveis, como é o caso de Damien Chazelle, Xavier Dolan, Adam Wingard, Ryan Coogler, Sarah Poley, entre outros; mas, no geral, é bem mais comum que um nome na direção ganhe solidez na carreira somente após os 40 anos de idade, considerando o tempo necessário para ganhar respeito e a confiança no risco econômico representado por colocar nas mãos de alguém um projeto milionário.
Por essa razão, quem já tinha uma carreira reconhecida como ator já tem algumas lições naturalmente aprendidas durante o tempo que passou absorvendo as inúmeras etapas na direção de um filme. Alguns deles queriam experimentar, outros queriam o controle. Hoje veremos alguns dos exemplos mais famosos, colocando como prioridade aqueles que já tinham um nome na atuação e conseguiram (ou estão bem encaminhados) o mesmo sucesso na direção.
Começando pelos clássicos…
CHARLES CHAPLIN
Começamos por um dos maiores de todos os tempos. O britânico que deu vida ao mais adorado “vagabundo” dos cinemas começou atuando e ficou muito famoso com o seu personagem na década de 1910. Em sua fase na Keystone Film Company (de Mack Sennett) participou de inúmeros curtas calcados no humor pastelão, baseado na pantomima e em peripécias físicas. O sucesso foi tanto que logo percebeu que tinha força o bastante para exercer controle criativo sobre seu personagem e suas histórias. Indo além da fórmula Keystone, incorporou mais sentimentalismo e críticas sociais em seus filmes. Juntamente com D.W. Griffith (um dos pais da linguagem cinematográfica) e outras duas estrelas do cinema mudo, Mary Pickford e Douglas Fairbanks, fundou a companhia United Artists, com o objetivo de produzir independentemente dos grandes estúdios da época. Em sua carreira se incluem algumas obras-primas como Luzes da Cidade (1931), O Garoto (1921), Em Busca do Ouro (1925), Tempos Modernos (1936) e O Grande Ditador (1940).
CLINT EASTWOOD
O homem sem nome dos faroestes Spaghetti ficou bastante conhecido na década de 1960 com o reflorescimento mais estilizado do gênero na Itália, principalmente na parceria com o mestre Sergio Leone e sua trilogia dos dólares (Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito). Em Hollywood deu vida ao herói clássico de ação com Dirty Harry (1971) e outros na parceria com Don Siegel. Depois de já ter um nome bastante conhecido e solidificado, passou a comandar diversos projetos – e bem diferentes entre si, inclusive com temáticas e estilo bem diversos daqueles que costumava participar. Ganhou o Oscar na direção por Os Imperdoáveis (1993) e Menina de Ouro (2005). Além disso, dirigiu outras obras como As Pontes de Madison (1995), Sobre Meninos e Lobos (2003), Cartas de Iwo Jima (2006), Gran Torino (2008), Sniper Americano (2014) e Sully (2016).
ROBERT REDFORD
Um dos maiores sex symbols masculinos em sua época áurea como ator (décadas de 1960 e 1970), Robert Redford participou de clássicos como A Caçada Humana (1966), Butch Cassidy (1969), Um Golpe de Mestre (1973), Três Dias do Condor (1975) e Todos os Homens do Presidente (1976). Fundou o Sundance Institute, que incorporou ao festival de cinema que é voltado para as novas produções e um dos mais importantes do mundo do Cinema. Recentemente deu as caras no universo cinematográfico da Marvel em Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014). Estreou na direção logo com o pé direito, ganhando já um Oscar na categoria pelo drama Gente Como a Gente (1980). Dirigiu posteriormente O Encantador de Cavalos (1998), Lendas da Vida (2000), Leões e Cordeiros (2007) e Sem Proteção (2012).
DENNIS HOPPER
Não teve uma carreira duradoura como diretor, mas o pouco que fez no papel ficou marcado o suficiente para ser lembrado até hoje. Como ator, participou de clássicos da Era de Ouro como Juventude Transviada (1955) e Assim Caminha a Humanidade (1956). Já na Nova Hollywood, participou de Apocalypse Now (1979), um dos melhores filmes de guerra já feitos. Ao longo dos anos, teve uma carreira bastante irregular, atuando em alguns sucessos como Veludo Azul (1986), de David Lynch, e Velocidade Máxima (1994); também em fracassos como Waterworld – O Segredo das Águas (1995). Mas foi sua estreia na direção que veio a ficar marcada na história: Sem Destino (1969) é um dos marcos de uma das épocas mais criativas e reverenciadas do cinema americano, marcada pela contracultura e o surgimento de uma nova geração de diretores que mudaria para sempre Hollywood.
WARREN BEATTY
Inserido no mesmo contexto que Hopper, o ator famoso na década de 1960 e 1970 estrelou com Faye Dunaway (os dois apresentaram o prêmio de Melhor filme em 2017, marcado pela maior gafe do Oscar) outro marco do período, considerado por muitos o início da Nova Hollywood: Bonnie e Clyde (1969). Como diretor, comandou O Céu Pode Esperar (1978), Reds (1981) e Dick Tracy (1990), entre outros.
Indo para os mais recentes…
GEORGE CLOONEY
Outro símbolo sexual, mas agora dos anos 1990, Clooney ficou muito conhecido na longínqua série ER (Plantão Médico), depois estrelando nos cinemas em filmes como Um Dia Especial (1996), Batman & Robin (1997), O Pacificador (1997), Irresistível Paixão (1998), Três Reis (1999), E Aí, meu Irmão, Cadê Você? (2000), Mar em Fúria (2000), trilogia Homens em Segredo. Já foi indicado ao Oscar como ator em Conduta de Risco (2008) e os Descendentes (2008). Na direção, começou com o bom Confissões de Uma Mente Perigosa (2002) e fez trabalhos elogiados com uma temática mais política como Boa Noite e Boa Sorte (2005) e Tudo Pelo Poder (2011). Seu mais recente filme como diretor é Suburbicon – Bem-vindos ao Paraíso (2017).
SEAN PENN
Um dos atores mais talentosos surgidos nos EUA nas últimas 4 décadas, o ator já ganhou duas vezes o Oscar na categoria, em Sobre Meninos e Lobos (2003) e Milk – A Voz da Igualdade (2008), além de figurar em várias outras obras como Os Últimos Passos de Um Homem (1995), Além da Linha Vermelha (1998), Uma Lição de Amor (2001), 21 Gramas (2003), A Intérprete (2005), Jogo de Poder (2010), A Árvore da Vida (2011) e Aqui é o Meu Lugar (2011). Na cadeira de direção, fez o subestimado A Promessa (2001) e o belíssimo e aclamado Na Natureza Selvagem (2008).
MEL GIBSON
Fez um enorme sucesso de público e foi uma das maiores estrelas em Hollywood nos anos 1980 e 1990. Quem não se lembra da quadrilogia Máquina Mortífera?, ou da trilogia original Mad Max? Além desses, protagonizou sucessos como Maverick (1994), O Preço de um Resgate (1996), O Troco (1999), O Patriota (2000), Do Que as Mulheres Gostam (2000) e Sinais (2002). Também conhecido por ter entrado em uma decadência perante público e indústria após inúmeras polêmicas envolvendo seu comportamento pessoal, se tornando uma figura quase esquecida… até renascer nos últimos anos, dirigindo Até o Último Homem, um dos principais nomes nas premiações em 2017. Antes disso, já tinha obtido aclamação ao dirigir e estrelar Coração Valente, o grande vencedor do Oscar em 1996 e muito celebrado até hoje. Paixão de Cristo (2004) é outro trabalho na direção que é lembrado até hoje, seja pela qualidade ou pela temática polêmica.
KENNETH BRANAGH
Conhecido por suas obras de influência sheakesperiana, o ator/diretor alternou nas profissões durante toda sua carreira. Na frente das câmeras, tem obras como O Caminho para Eldorado (2000), Operação Valquíria (2008), Os Piratas do Rock (2009) e Sete Dias com Marylin (2011). Como diretor assina em outras como Henrique V (1988), Frankenstein de Mary Shelley (1994), Hamlet (1996), Operação Sombra – Jack Ryan (2014), Cinderela (2015) e Assassinato no Expresso do Oriente (2017), além de ter comandando um exemplar do MCU: Thor (2011).
ANGELINA JOLIE
Outro sex symbol, mas agora da parte das mulheres, a atriz, filha do ator Jon Voight, estourou nos fim dos anos 1990 em filmes como O Colecionador de Ossos (1999), Garota, Interrompida (1999) e 60 Segundos (2000). Depois estrelou duas adaptações da série de jogos Tomb Raider, além de outros como Roubando Vidas (2004), Alexandre (2004), Sr. e Sra. Smith (2005), A Troca (2008), o Procurado (2008), Salt (2010), O Turista (2010) e Malévola (2014). Como diretora, foi responsável por Na Terra de Amor e Ódio (2011), Invencível (2014), À Beira-Mar (2015) e a recente produção da Netflix, Primeiro, Mataram Meu Pai (2017).
BEN AFFLECK
Constantemente criticado por seus dotes na atuação, parece ter encontrado um lugar de sucesso ao decidir se aventurar na direção. Após se sair bem na crítica por Medo da Verdade (2007) e Atração Perigosa (2010), obteve seu maior êxito com Argo (2012), ganhador do Oscar de Melhor Filme (apesar de sequer ter sido indicado como diretor).
BEN STILLER
Conhecido por suas comédias de constrangimento, o ator ficou bem conhecido pelo gênero. Depois do sucesso de Quem Vai Ficar Com Mary? (1998), passou a aparecer muito em projetos que rondavam em torno do humor, mesmo trabalhando com elementos dramáticos. São alguns de seus trabalhos como ator Tenha Fé (2000), Entrando Numa Fria (2000) e suas continuações, Quero Ficar com Polly (2004), O Âncora (2004), Uma Noite no Museu (2006). Na direção, começou discreto com Caindo na Real (1994), os fracassos de crítica O Pentelho (1996) e Zoolander (2001), até obter mais aprovação com Trovão Tropical (2008) e A Vida Secreta de Walter Mitty (2013).
SELTON MELLO
Não poderia faltar um representante de nosso cinema na lista. Um dos melhores atores brasileiros a aparecer por aqui desde a Retomada (cinema no Brasil pós era Collor), Selton Mello apareceu em diversas obras importantes. Entre elas, O Que é Isso, Companheiro? (1997, Bruno Barreto), O Auto da Compadecida (2000, Guel Arraes), Lavoura Arcaica (2001, Luiz Fernando Carvalho), Lisbela e o Prisioneiro (2002, Guel Arraes), Árido Movie (2005, Lírio Ferreira), O Coronel e o Lobisomen (2005, Maurício Farias), O Cheiro do Ralo (2006, Heitor Dhalia), Meu Nome Não É Jhonny (2008, Mauro Lima), A Mulher Invisível (2009, Cláudio Torres), Jean Charles (2009, Henrique Goldman). Como diretor, chamou a atenção com Feliz Natal (2008) e, logo depois, com o belíssimo O Palhaço (2008). Recentemente, fez o ótimo O Filme da Minha Vida (2017, crítica aqui).
Há ainda diversos outros exemplos que não entrarão nesta matéria, mas certamente serão lembrados em outras ocasiões. Alguns deles que merecem destaque: David Schwimmer, nosso eterno Ross, de Friends, dirigiu o ótimo Confiar (2010), que fala sobre o drama de uma família após um abuso sexual. Joseph Gordon-Levitt também se aventurou na direção em Como Não Perder Essa Mulher (2013). Jon Favreau migrou para o comando em Homem de Ferro 1 e 2, e o último a chamar a nossa atenção foi John Krasinski (o também eterno Jim, de The Office), que, após dirigir dois projetos pequenos, comandou o sucesso recente de terror Um Lugar Silencioso.
Interessante notar como vários deles acabaram trabalhando em histórias que diferiram muito das que costumavam a atuar. Será uma maneira de se distanciar da mesmice e tentar outros ares?
Se tudo continuar assim, esperamos que outros sigam o exemplo.